Friday, November 27, 2020

Caricaturas Crónicas - «A política a banhos» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 4/8/1985)

    Após um inverno prolongado, inicia-se um Verão quente. Uma atmosfera carregada que leva o político, a política a banhos, nesta ocidental praia lusitana. Para uns, foi um banho de água fria a queda da coligação governamental; para muitos foi uma barrela à muito esperada; enquanto que para outros é o início dos «banhos finlandeses».

Tudo se preparava para um verão ameno, antes das eleições presidenciais, mas estas tiveram de ficar em banho-maria, perante o aumento da temperatura, perante a antecipação das eleições parlamentares.

A tradição de verões quentes, em Portugal, tem vindo a alicerçar-se, de há uns anos para cá, e tudo começou por uma necessidade turística e higiénica. Neste período de calor e banhos, o político aproveita as facilidades da época para lavar a roupa do vizinho, enquanto aquele se estende ao comprido, a tomar banhos de sol. É um período higiénico e salutar de descontração e dilatação dos corpos (partidários) em campanhas turísticas.

Preocupado com a falta de animação cultural, nas zonas de veraneio, o político encarrega-se de animar as noites quentes, dando banho ao poder. Uma forma gratuita de também ele, se banhar no mar do nosso descontentamento. O turismo é assim, animado como espectáculo e como artifícios de encher alguns hotéis em dificuldades económicas, por meterem água por todo o lado.

Os verões quentes fazem soar o político, e o Zé Povinho, de casa às costas, tenta encontrar um pouco de repouso e entretenimento. Repouso, tem pouco, pois perde-se nas bichas dos autocarros, na procura de produtos alimentares… não consegue a tranquilidade, perante tanta beleza natural no nosso país. No seio desnudo da praia, ele perde-se, desorienta-se no deleite de uma cinematografia que não entra no seu orçamento. Ele não vai ao cinema nem ao teatro e, muito menos, lê um livro, mas para quê, se ele com um dia na praia aprende tudo?

Aprende a falar os mais diversos idiomas, a apreciar os mais variados estilos artísticos, a praticar os mais diversos desportos. Contudo, ainda não lhe é permitido fazer nudismo (apesar de naturalmente andar de tanga), já que o político tem medo que tanta a política como a justiça tomassem o gosto pelo naturismo e se despissem perante o povo, caindo «o manto diáfano da fantasia» expondo «a nudez forte da verdade».

Se os banhos de mar e sol são o grande atractivo do nosso verão, temos também em cartaz político os banhos medicinais. Perante a necessidade de se dinamizar a medicina portuguesa, conseguiu-se transformar os nossos banhos numa terapêutica de se aguentar mais tempo o Zé, com baixa da Caixa de Previdência. As águas inquinadas, poluídas, são medicinais porque, depois de se tomar banhop nas nossa praias e rios, de se beber essa água, tem de ir-se ao médico.

Neste verão quente de 85, a política, mesmo no banho, não consegue despir-se das fantasias dialécticas, da retórica, obrigando a a soar as estopinhas. Uma sauna que não emagrece esta senhora gorda –a Política – a qual, muita das vezes é identificada, pelo caricaturista, como uma grande porca onde muitos vão chafurdar, mamar e engordar.

Resumidamente, após este ou qualquer verão quente, após este período de banhos, mergulhos , saltos e piruetas malabarísticas, tudo permanece na mesma, apenas um pouco mais bronzeados. Por isso, como dizia Raphael (em Agosto de1885): «Olho com eles».


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