Saturday, November 28, 2020

Caricaturas Crónicas - «Jorge Barradas, o humor elegante» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 7/7/1985)

A Europa tentava renascer em Portugal através do humorismo, como se fosse irónico querer levar este país a integrar-se na Europa. E o humorismo ria então dos bota-de-elástico paralisados no oitocentismo. Foi quando Jorge Barradas irrompeu nas artes.

«Antes do mais devi dizer-lhe que sou um estilista, um apaixonado da forma e da cor, e que, por isso, o que mais me impressiona na natureza não é a sua força geradora oculta, mas aquilo que ela realiza em aspectos exteriores. Quer dizer: da árvore eu não vejo a raiz, que é a alma, mas o tronco e a folhagem que são o corpo. Posto isto, dir-lhe-ei que o meu assunto predilecto é a mulher. /…/ Eu não sou um combatente, e me não sirvo da caricatura como arma, antes a emprego como fonte criadora da beleza» (Jorge Barradas in «República» de 26/5/1914).

Chamava-se Jorge Nicholson Moore Barradas (1894-1971), mas nas artes ficaria conhecido como Jorge Barradas, um artista que recordando essencialmente como ceramista, pintor, ilustrador ou decorador, foi um «modernista» da primeira geração e como tal, também humorista.

Nasceu em Lisboa a 16 de Julho de 1894, quis ir para as artes, e por isso matricularam-no na Escola de Belas Artes, mas «fui mau aluno. Creio que muito contribuiu para tanto o conventual e lúgrebe casarão, onde o ensino andava a par com o frio, que gelava as mãos, entorpecia os pés e esfriava até ao desespero o corpo e a alma /…/. A escola onde me formei foi outra e é grande, direi mesmo é majestosa. São vastos e longos os seus corredores, e chamam-se ruas, por elas corri feliz e livre, sem algemas nos pulsos, nem grilhetas nos pés a limitar os meus passos». (in «Isto começou em 1912», conferência no SNBA 29/11/1963).

Jorge Barradas irrompeu nas artes nos inícios da república, e como seus companheiros, apesar de ter frequentado a escola de artes, fez a sua verdadeira aprendizagem com a vida, fê-la à mesa dos jornais onde a mão forçada pela periodicidade quotidiana, um dia a dia na obrigatoriedade da graça, criou um estilo, um traço original, irrompendo por novos caminhos.

«Não há dúvida de que somos os representantes da geração que implantou em Portugal a arte contemporânea» (in Diário de Notícias de 7/11/1963). «Não havia entre nós o espírito de grupo. Cada um tinha o seu próprio caminho. Naturalmente discutíamos, trocávamos impressões, criticávamos os trabalhos uns dos outros. Mas não pretendíamos fazer escola. Se, alguma coisa tínhamos em comum, era a ambição enunciada por Almada Negreiros: querer fazer de Portugal a Europa» (in «Século Ilustrado» 26/12/1970).

A Europa tentava renascerem Portugal através do humorismo, como se fosse irónico querer levar este país a integrar-se na Europa. O humorismo ria então dos bota-de-elástico, paralisados no oitocentismo e, coma sua irreverencia procurava despertar o provincianismo desta sociedade. Se uns o faziam acirradamente pela via política, outros o faziam pela elegância. Barradas era um destes últimos, e em 1912 a crítica já o via como «um futuro artista de elegâncias, sabendo colearuma mulger, tocá-la de graça e donaire» (Veiga Simões in «A Águia» 1912).

«Nasciam então inventadas pela minha graça, sempre inclinada para as sorridentes formas que eram ilustrações de comentários nunca amargos, notas à margem sempre da dor.

/…/ Não consentia a minha consciência tirar proveito da dor alheia, nem tão-pouco, como alguns, explorar o filão fácil, oferecido de mãos abertas e sem encargos. O sofrimento dos outros, dos infelizes, era demasiado respeitável para fazer dele meu guindaste. Receava, também, o seu contagio, pois bem perto vivi do seu centro e, talvez por receio ou defesa, preferi ser antes um lagarto feliz, esparramado ao sol glorioso da alegria!» (in «Pessoas e episódios do meu tempo».

«Esquecia-me de dizer-lhe, que a República me é indiferente, como indiferente me foi a Monarquia. Não me interessam senão muito superficialmente as revoluções políticas ou sociais» (in «República 26/5/1914). Por opção ideológica a ilustração, humorística ou não, seguia um estilo espirituoso, por vezes, mesmo irónico, mas fundamentalmente elegante. Retratando o mundo pitoresco, passando pela vida nocturna e seus tipos, viveria o mundano numa linha sugerida, onde o traço simples não procura a rigidez angulosa, nem o contorno decorativo, mas os efeitos, a expressão, a beleza.

Trabalharia em vários periódicos («Diário de Notícias», «A Capital», «Ilustração Portuguesa», «ABC», «ABD a Rir»…), mas como todos os artistas gráficos, desejava criar um jornal seu onde fosse mestre e senhor das suas opiniões, e teve-o, chamou-se «O Riso da Vitória» (1919), um dos breves  marcos do modernismo.

A ilustração dominou-o durante mais de uma década de humor e retratos de mulher; depois, a decoração, o cartaz, a cenografia, a pintura foram-se interpondo nesta carreira, que se manteria dispersa até aos anos 50, quando uma nova paixão o dominaria – a cerâmica. Também aqui a elegância foi uma das suas principais preocupações estéticas.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?