Thursday, December 31, 2020

Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020


Santiago (Neltair Abreu) / Alexander Shmidt
Nestor Damaso del Pino / Ngai Oo
Nicolae Lengher / Onofre Varela
Philipe Bossens / Rene Bouschet


Shavkat Muzaffar / Slawomir.luczynsk
Walter Toscano / William Rasing


Caricaturas Crónicas: «UM SORRISO PARA OS HOMENS DE BOA VONTADE» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 1/1/1989

 A caridade é uma característica natalícia, momento em que certas pessoas fazem a limpeza de consciência, para um novo ano de competitividade. Leal da Câmara já dizia: «Saber rir é já alguma coisa, mas fazer rir aos outros é mais do que um talento. É quase uma caridade.» Só que nem sempre os deixam ser caridosos.

O Natal tem sido desde sempre um elemento de inspiração para cartoons, apresentando o Zé como o menino divino, à volta do qual rondam os políticos à procura do voto; apresentando os Zés como reis magros, a despirem os seus presentes perante o menino-governo.

O centro das atenções é sempre o menino-político, rodeado pelos aduladores e pela animalidade, ou seja, os burros e as vacas que proporcionam os tempos de fartura ou minguança. Passam os tempos e nada muda, havendo para todos os anos uma esperança, uma caridade, um amor a cumprir.

A magia deste dia é como um sorriso que destrói conflitos, que arruína amarguras. Por essa razão, mesmo em regiões de religiões diferentes se fazem tréguas de guerras, se come mais uma rabanada pelos meninos com fome no outro lado do mundo, se adiam ódios, se sentem remorsos momentâneos por injustiças.

O humor é como esse menino-esperança, pois estabelece o diálogo entre os homens, sendo um antídoto do ódio e do medo. Libertador dos «maus humores» do homem, descontrai o ambiente de desconfiança e angústia que banha o mundo (os políticos e oradores utilizam muitas vezes o humor para início de um diálogo).

É não só um «ambientador», mas também um «corrector». Quando nos rimos de alguém não só provocamos uma descontracção nos medos do nosso inconsciente, como «matamos» esse alguém, nem que seja por uns segundos. Nesse «assassínio» momentâneo criamos uma defesa contra os possíveis males que advêm do outro, sublimando-os em riso-amor. Ao mesmo tempo que podemos visionar as nossas potencialidades e fraquezas, tomamos consciência do que somos e de como nos podemos defender das agressões exteriores. Só quem se conhece bem é que se pode defender.

Nesta faceta «assassina» do humor, também existe o caso de nos encontrarmos como cadáveres momentâneos, transformando-se então o humor numa forma de podermos destruir as nossas fraquezas e inferioridades interiores. É como que uma auto-expurgação ou destruição dos pontos fracos por onde o nosso inimigo pode atacar. O humor pode ser um meio de defesa que castiga os defeitos e ameniza os caracteres.

Pode ser também utilizado como controlador do pensamento, ajudando a quebrar a rotina, os hábitos e as teorias enquistadas no comodismo, demonstrando como elas já não são realistas com o mundo, e deste modo apontando o caminho na evolução, pela irreverência. O humor tem o «dom» de nos fazer reflectir (ou pelo menos deveria ter) e esclarecer as contradições que existem no nosso pensamento, porque destrói as máscaras e desnuda as nossas fugas.

O humor não consiste na criação de um mundo totalmente original, mas numa nova maneira de ver, uma apresentação diferente daquilo que as pessoas olham, mas não vêem por simples alheamento do que é quotidiano e monótono, ou por fuga inconsciente. O humor obriga a despertar, a sentir o que se passa à volta - como dizia Freud, «o humor não resigna, desafia».

Desafio não os deseja o Governo, preferindo a passividade dos pais, com o sorriso de algumas crianças perante os presentes que o Pai Natal, apesar de tudo, consegue sempre dar.

Com um sorriso como lema haverá sempre boa vontade entre os homens, porque já diz o ditado: «Natal é onde e quando quisermos».


«Centenário do nascimento de Stuart Carvalhais – Desenhos e Ilustrações no “Diário de Notícias”» por Osvadlo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 8/3/1987)

 Estava-se nos finais do inverno quando Eduardo Coelho, sentado na sua tarimba de jornalista, foi interrompido de rompante, pelo aprendiz que entrava, gritando:

- Mestre, já sabe a última?

Como a curiosidade é o pecado de todo o jornalista, o director, sem sequer levantar a cabeça, tentando manter uma postura imperturbável, disfarçou esse sentimento, na pergunta indiferente:

- Qual é essa notícia tão perturbante?

- É que acabei de ter conhecimento do nascimento do Zé…

- Ora, esse já nasceu em 1875, do pai Bordallo, já cresceu, e os outros que por aí aparecem como novos, não são senão novas tentativas de lhe acender lanterna apagada da irreverência!

- Não falo desse saloio, mas sim no Herculano.

- Ignorante e idiota, o Herculano já desapareceu no Val de Lobos que nos rodeia.

- Mestre! Eu refiro-me ao José Herculano Stuart Carvalhais – retorquio, impaciente, o aprendiz.

Seja porque o Eduardo não ligou aos mexericos de um aprendiz de «meia-desfeita», seja porque não considerou importante o nome, o que na verdade foi uma grande falya de visão futura, o facto é que, naquele dia de 7 de Março de 1887, o “Diário de Notícias” não publicou a notícia desse nascimento, do que resultou, na evolução dos acontecimentos, uma grande confusão e especulação sobre os dados concretos do evento. Em último recurso, no desempatar das apostas, foi a velha arquivista do registo da Freguesia de São Pedro – Vila Real de Trás-os-Montes, que nos enviou a certidão registada e selada de tal data, confirmando da veracidade da notícia trazida pelo aprendiz alfacinha.

O “Diário de Notícias” era na altura, uma instituição noticiosa já de maioridade, ou seja, 23 anos de serviço sério e objectivo, sem interferências humorísticas. Naturalmente riu-se da ideia de publicar algo sobre um tal Stuart, esquecendo o ditado, nunca digas que desta água não beberás. Também é certo que a ironia das coisas, feitas sátira, só entrariam nas suas portas tipográficas, nos anos 90, pela pena do mestre Celso Hermínio, qual conquistador das letras hermínias da romanidade jornalística. Este jornal, um dos mais antigos ainda vivo, não poderia ter começado de melhor forma a carreira satírica, do que com aquele traço «expressionista», em terras de naturalistas românticos, quando o impressionismo ainda ofuscava a visão nas terras longínquas da Europa.

Quando o jovem José Herculano, no desenrolar das várias peripécias que é a vida, foi transferido por /com seus pais para Lisboa (1902), era o traço de Celso que, contemporâneo de um Bordallo envelhecido na “Paródia”, fazia rir-pensar nas segundas-feiras do “Diário de Notícias”. O desenho, a ilustração, o humor tinham conquistado já esse bastião noticioso, mas sem a força de outros titulares não menos seculares, que a ganância de uns e a apatia de outros deixariam desaparecer.

Foi precisamente nesse «Século» que o jovem José se transformaria no artista Stuart Carvalhais. Como tudo na vida, deste território, é pelas amizades e influencias que as coisas acontecem. Infelizmente ele não conhecia ninguém no «Diário de Notícias», enquanto o seu mestre (trabalhava ele como aprendiz de azulejaria) Jorge Colaço, dirigia o “Suplemento Humorístico d’O Século”, «O Cómico na luta-opinião política». Era o ano de 1906, quando esse novo evento aconteceu. Se «os sinos tocam, quando um anjo ganha as suas asas», nada acontece quando um artista nasce para as Artes e, por vezes, nem mesmo quando ele morre.

Tal como dois amantes platónicos, ambos se desconhecem na intimidade, mas observar-se-ão mutuamente à distância durante muito tempo. Stuart, para além de «O Século», intervinha em quase todos os periódicos da capital, naqueles que sobreviviam, nos que faliam, apoiando a República ou o regresso à Monarquia, o Sidónio Paes como o Affonso Costa…

O “Diário de Notícias”, após uma pausa irónica no final da Monarquia / princípio da República, recuperou a sua posição satírica com nomes sonantes como Francisco Valença, Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, Leal da Câmara, Jorge Barradas, Almada Negreiros, António Soares…

Teríamos de esperar pelos anos trinta do século XX, para se dar o encontro há muito desejado. É em 1935 que o novo evento acontece, e outra vez sem qualquer manifestação exterior de comemoração. Foi um simples surgir da manvha negra sobre o papel branco, o traço que dá origem ao «banco».

A ditadura dominava os espíritos, e os tempos não eram propícios à sátira política. Após o fervor da luta dos anos dez, do cansaço transformado numa certa apatia mundana, ou pseudocosmopolita, o humor ainda teve força para criticar o início da ditadura, o professor que tentava surgir como o salvador do país. Em 35, apesar da censura estar já incrementada a todos os níveis, como na imprensa, no humor houve ainda uma certa condescendência a alguns comentários. Mas, com o passar dos anos, e endurecimento das carótidas do regime, a sátira, o humor transformou-se em simples anedótas de salão, que mais parecia de tasca. O comentário, ou opinião sobre a política internacional ainda era aceite pelos censores, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, como fachada de liberalismo de pensamento. Por outro lado, a ironia na anedota social, a sátira entre linhas do comentário inocente, eram os caminhos possíveis de acusar o regime, a miséria do povo, a falta de liberdade, o estagnamento, do qual os tipos imutáveis da sociedade se tornavam heróis de um nacionalismo medievo.

Este foi o trajecto do Stuart no «Diário de Notícias», tal como dos outros humoristas. Comentar de tempos a tempos a política internacional; tentar de longe a longe passar uma anedota mais comprometida; jogar os sentidos duplos, e fundamentalmente criar a «piada do dia», a brincadeira da sogra, dos babados, dos náufragos… temas comuns a todo o humor de circunstância.

Os condicionalismos, em homens de génio, têm sempre como fruto de escape, uma alternativa, que no caso de Stuart, foi a exploração de um mundo muito querido para ele, o povo, seus hábitos, sua cidade. Ainda não havia exploração turística, ainda não havia o culto do pitoresco como cenografia, havia sim a petrificação de uma sociedade-povo, na tradição centenária que a civilização industrial não modificava, por a evolução ter sido proibida pelo regime. Stuart foi desta forma o desenhador-pintor, o humorista de uma Lisboa encantadora mas retrograda, pitoresca mas miserável.

A par do desenho de humor, Stuart foi ilustrador do “Diário de Notícias” para os romances em folhetins que publicava, as capas ou páginas referentes aos números de Carnaval, Páscoa, Santos Populares, Natal… A sua relação de colaborador do “Diário de Notícias” era igual à sua relação com os outros jornais, ou com a vida. Desprendido de contratos, ou compromissos castradores, cumpria os pedidos quando lhe apetecia, fazia os «bonecos» com o material que tinha à mão, ou seja tinta, café, graxa, remédios… com um pincel de dois pelos, um pau de fosforo, um lápis, um carvão….

Diz-se dele que foi um boémio genial, o desenhador das varinas e gatos, das pernas mais bonitas de mulheres, de Lisboa e seus becos, do humor simples quotidiano, mas no “Diário de Notícias” foi apenas um colaborador, genial, que para o jornal trabalhou durante algumas dezenas de anos, a par de Bernardo Marques, Albuquerque, Teixeira Cabral e, posteriormente, «substituído» por um Júlio Gil, João Abel Manta, António, Sam, Zé Manel, Pedro Palma, Vasco, José Bandeira…

Os colaboradores passam, a obra fica registada no papel pardo do jornal, o qual quando é de valor, ou especial, como é o caso, volta sempre a reaparecer na ribalta do jornalismo, ou das salas de exposição, feitas obras de arte, que na verdade sempre foram. Desta vez, o «Diário de Notícias» vai aliar-se ao Centenário do artista, expondo «Stuart no Diário de Notícias» na terra natal do artista (Vila Real),

Quando o Stuart morreu a 3 de março de 1961, o director do “Diário de Notícias”, mandou notificar esse infeliz evento, com saúde e tristeza.  


Wednesday, December 30, 2020

Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020

 

Haroutiun Samuelian / Gogue
Ilja Bereznickas / Jan Surma
Karry / Klaus Pitter
Lubomir Kotthra / Marco De Angelis
Marco Fusi / Nani Mosquera


Caricaturas Crónicas: «Arnaldo Ressano – o contra-senso» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 29/3/1987)

 A caricatura é o exagero na sátira, a ironia do carácter, a irreverência na ordem, a ordem irreverente. Tudo isso é Arnaldo Ressano Garcia, nato em 1880, nesta cidade de Lisboa, militar por carreira, caricaturista por expressão.

As primeiras notícias do seu espírito satírico publicado, datam de 1901, impondo-se como perito do retrato caricatural. Discípulo de Luciano Freire no desenho, e na formação naturalista, não deixa de mostrar, de imediato, as suas qualidades satíricas e caricaturais.

De 1906 a 1910 manterá o seu espirito caricatural vivo, publicando regularmente os seus trabalhos, em periódicos como o «Arauto», «Revista Nova», «Ilustração Portuguesa», «Pst»…

Entretanto, tinha ingressado na carreira militar, onde, durante 25 anos, a disciplina e a ordem se contrapõem, em espirito, à possibilidade de expressão da sua veia irreverente e satírica. Como militar, ascendeu até ao posto de coronel, exercendo o professorado em campos ligados ao desenho, na Escola do Exército e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A irreverência juvenil tinha dado lugar à ordem como profissão, e seria por volta de 1935, quando a «passagem à reserva» o começava a apoquentar, que a arte da sátira renasce dentro dele, ou pelo menos renasce a vontade de a publicar. Nesse mesmo ano surgem, no «Sempre Fixe», os seus novos desenhos.

Este reencontro da caricatura de Arnaldo Ressano com o público foi em força, e com decisão, coincidindo o reaparecimento dos seus trabalhos nos periódicos com uma grande exposição na SNBA. E a publicação de um «Álbum de Caricaturas», como o seu manifesto em arte - «o equilíbrio, o saber, o estudo, o bom desenho, a bela pintura, a perfeita estilização, a elevação nas ideias, no sentimento e na sensibilidade». Surgia como ideal no extremo da deformação, como defensor do academismo, no extremo teórico: «como me prezo de desenhar honestamente, os meus trabalhos afastaram-me, naturalmente, do convívio dos chamados avançados».

Partiu então para Paris, com bolsa de estudo, não para estudar as técnicas e estéticas, mas para «desvendar a razão de ser, a origem e explicação, desse tufão destruidor» que é a «revolta internacional contra a cultura mental, procurando mergulhá-la no pântano escuro da selva. /…/ Aqueles a quem esta desorientação das artes aproveita, aqueles que a deflagram, são os inimigos seculares da civilização cristã. Com esta desorientação antiestética e paranoica, eles bem sabem que a vão atingir em pleno coração, isto é, na sua espiritualidade».

Partiu numa cruzada estética, onde a política e sua moral conservadora lhe toldava o espirito analítico: «E as obras ultimamente impostas, por todos os falhados, que nada sabem, que nada pensam, que nada respeitam, e ainda menos estudam, são absolutamente iguais às de todos os falhados do resto do mundo, e portanto internacionais». Tudo o que fugia à sua compreensão era etiquetado de internacionalista-comunista, que no tempo era o mesmo, englobando esteticamente os futuristas-fascistas, futuristas-comunistas, cubistas, expressionistas…

Nesta primeira metade do século XX a política dividia-se não em esquerda e direita, mas em internacionalismo e nacionalismo, englobando is primeiros as vanguardas e os segundos os academismos.

As transcrições anteriores pertencem à conferência que Arnaldo Ressano proferiu em 1938, no seu regresso, na SNBA, como conclusão do seu estudo. Regressava então com o intuito de dirigir e corrigir a arte nacional, afastando o «intrujismo» modernista da protecção estatal, e até eclesiástica. Foi uma luta inglória e ridícula de afastar o pobre modernismo do «mundo português».

Tendo iniciado, como artista, uma carreira em naturalismo satírico, ele soube dar o seu cunho de originalidade pelo humorismo incisivo. Quando reapareceu, em 1935, publicando no «Sempre Fixe» (jornal essencialmente modernista), «Diabo», «Risota», «Século Ilustrado», «Ocidente»… verifica-se apenas um maior domínio do desenho e da deformação.

A sua caricatura é a interpretação psicológica, na deformação satírica, não só das fisionomias, como do todo anatómico, em sugerência de «ave», o «animal», a «coisa» que existe dentro do ser, da alma… do espirito de cada um. As mãos, os corpos, são a expressão de uma síntese no exagero de um ser caricaturado.

Partindo do «equilíbrio» na deformação, do «desenho honesto» na ironia, da «perfeita estilização» na incisão satírica, da «sensibilidade», ele criou uma obra que na teoria respeitava os seus ideais, mas que na prática se lhe opunham. Sem pertencer à caricatura modernista, ele atingiu a «vanguarda» que combatia, pelo academismo no grotesco.


Um livro por semana – “Da cegueira dos pintores” de Júlio Pomar» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)

 «Um pintor que se dirige ao público, não para lhe apresentar as suas obras, mas para lhe revelar algumas das suas ideias sobre a arte de pintar, expõe-se a numerosos perigos» (Matisse)

 

Mais um livro da colecção «Arte e artistas», em que o pintor Júlio Pomar se apresenta no «comércio das palavras: recorro a ele aqui para desbravar a selva do ver, para me aproximar do lado perturbado da visão; para desempenhar, portanto, a função da bengala do cego; protegendo a marcha do indivíduo, ajudo-o a afastar-se dos obstáculos em que poderia tropeçar».

Não é fácil o autor falar da sua própria pintura, mesmo olhando-a «com olhos frios», como um «intruso», já que segundo o pintor-escritor «a pintura começa onde já não se pode falar dela, onde as palavras fracassam e vogam à deriva».

Este livro não é a resposta à pergunta nunca feita («E que pensa você de si mesmo?»), mas uma deambulação, ou preferencialmente «uma ruminação no vazio» que é a decomposição das imagens pela palavra. A palavra é a sedução do desejo, o desejo dos objectos pictóricos, o «ser» ou «dizer», é um quadro «atravessado por chegadas sucessivas de notações e de acontecimentos», é o assunto encontrado «ao acaso dos dias», é um «jogo» entre as imagens presas ao «não lugar» pictural, o universo pintura que o artista tenta construir, e o quotidiano onde se recortam as imagens.

Partindo da sua obra, a «imagem deu origem a outras imagens» em «sucessivos encaixes ou desencaixes», até atingir as raízes da arte contemporânea. Passando por Bacon, para dissecar Matisse e Cezanne, o pintor-escritor escapa do vazio da palavra-discurso, para analisar «o diálogo entre o que o pintor quer e o que o pintor faz».

Neste itinerário literário, o artista expôs-se a numerosos perigos, mas, tal como um «herói de ficção», escapou ao perigo da autocontemplação, ou ao deserto da análise-vazio-estético. E tudo termina bem quando reconhece «a paixão do pintor: quotidiana partida do mundo (partida no sentido de pregar partidas?). Rito solitário, festa mistério, calvário, droga, bebedeira. Merda para os pintores aplicados (eu incluído)»

«Da Cegueira dos Pintores» de Júlio Pomar (Colecção «Arte e Letras») Lisboa 1986.


Tuesday, December 29, 2020

Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020

Alexander Vasiliy / Arturo Kemchs
Elena Ospina / Enrique Perez
Eray Ozbek / Ester Lauringson

Fawzy Morsy / Gio


Caricaturas Crónicas: «Alfredo Cândido» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 15/2/1987)

Nascido no ano de 1879, em Ponte de Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado humorístico de Raphael Bordallo Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua influência raphaelesca, como muitos outros seus contemporâneos.

 

«Pouco se passou que não surgisse a maldita queda para os bonecos, o que me valeu sempre ser corrido das escolas. O primeiro desgraçado que eu conheci a mamnejar o lápis de Busch em danças macabras, foi morto à força de pancadaria, por causa de uma caricatura, estando depois empregado em casa dum judeu de cara de mogno polido, fui inesperadamente posto na rua.

Foi então que me fiz navegador e cheguei a atravessar as florestas incultas fo Brasol, aonde fis os meus estudos “d’aprés nature”, pintando os retratos de vários surucureis que passaram graciosamente.

No Rio de Janeiro estreei-me no “Portugal Moderno e d’ahi por diante uma caricatura representou sempre uma ameaça e uma espera; d’uma vez, foram suspensos três jornais e eu estive quase a ser também definitivamente suspenso, Colaborei em quase todas as publicações do Rio e de São Paulo.

/…/ Depois, (a minha inópia) só me recordo que fechei os olhos e fazendo-me ao largo, vim dar com o costado na Rocha de Conde d’Óbidos. Cé, meu amigo, nesta cidade das iscas, tendo errado pelas páginas do «Portugal-Brasil», do «Vira» e do «Novidades», deixando-me escorregar suavemente, distraidamente, pela manteiga de muitos outros que o público alfacinha, ainda mais distraidamente, se dignou gramar».

Desta forma se autobiografou Alfredo Cândido, em 1913, para o Catálogo do segundo Salão dos Humoristas de Lisboa. Este artista, minhoto de nascimento, sereia luso-brasileiro pelo trabalho, e desenhador-publicista-caricaturista por profissão.

Nascido no ano de 1879, em Ponte de Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado humorístico de Raphael Bordallo Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua influência raphaelesca, como muitos outros seus contemporâneos. Curricularmente, estudou «oficialmente» na Escola Industrial de Viana do Castelo, mas na realidade Artística, foi discípulo da vida, em sobrevivência, como todo o caricaturista / humorista gráfico da época.

O Brasil, como muitos outros portos ao longo da nossa história, pareceu à sua família, para onde partiram em 1895, o ancoradouro mais propício para sua segurança económica. Ai procurou a fama artística, mas, tal como o mestre Raphael e outros companheiros lusos, não encontrou o paraíso, mas uma terra selvagem de «coronéis» e «jagunços» pouco dados aos humores. Se o dinheiro poderia ser uma presa fácil, também o era o seu físico, para os ofendidos da caricatura.

Sempre houve «humilhados e ofendidos», no amor pelo humor, nas terras em vias de desenvolvimento que nunca chega, em sociedades pouco abertas à inteligência dialogante, à opinião livre. Uma opinião é o humor, é a caricatura, esse auto-reflexo deformador que Alfredo Cândido compara com o tempo - «o Tempo é o caricaturista demolidor das idolatrias e dos homens». Apressando o tempo, desmascarando os homens, demolindo fantoches, o caricaturista é um animal perigoso para consciências sujas, ou narcisismos embaciados.

No Brasil existia então esse espírito anti-humorístico. E a sua vida aí, apesar de trabalhar em múltiplos periódicos, de fundar dois deles («Teatro», «Larva»), não foi fácil, ao ponto de resolver regressar à Rocha de Conde d’Óbidos (1905), vindo engrossar a corrente de humoristas-caricaturistas que lutavam pelo derrube da monarquia, prosseguindo depois com as críticas à República. O seu irmão José Cândido, também caricaturista acabaria por se manter sempre em terras de Vera Cruz.

Apesar de rafaelista, por formação, não deixou de participar nos Salões dos Humoristas, lançadores do modernismo em Portugal, e de camaradar com eles, na difusão do gosto pela caricatura, na crítica aos erros do republicanismo, continuando sempre a publicar até sua morte (Lisboa 1960).

A par da sua actividade de caricaturista, foi aguarelista, desenhador e ilustrador. Regressaria ao Brasil por três vezes para visitar a família e realizar exposições (1923, 32 e 51).


Caricaturas Crónicas: «Imaginário de Lisboa» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 22/3/1987)

No século XIX, a cidade libertou-se do rio, sem renegar as suas brumas sebastianistas, virou-lhe as costas, entregando-se a uma morte lenta. A norte nasceu uma avenida anã como primeira pedra de uma cidade nova.

 

«Acordas num lugar de brumas: brumas azuis e cor-de-rosa. - evocação lírica de Cecília Meireles na sua viagem a Portugal em 1934, com seu marido o caricaturista Fernando Correia Dias - Não tens a certeza do céu, mas sentes em redor de ti um arejado bocejo de água. Dizem-te LISBOA. Não podes ainda ver claramente. São tudo espumas de aurora. Mas de repente o sol atira certeiro uma chispa de ouro. E sentes um brilho súbito de nácar descoberto. Repetem-te: LISBOA».

Das brumas, das nuvens fluviais surgem colinas de amoreiras, surgem «Guerreiros medievais escoltando a sua dama» (sic T. Taveira), guerreiros perdidos numa cidade à procura de um imaginário.

Quem entra na cidade pelo poente marítimo, e se surpreende por esta visão medieval, logo se recorda que o primeiro cavaleiro portucalense que pôs um pé dentro da cidade se entalou, e desde aí todos andamos «entalados». Martim Moniz se chamava, entalou-se numa porta, mantendo-se hoje entalado entre bairros / história em degradação, e projectos urbanísticos que nunca se concretizam. Entalada entre imaginários cenários e desconstrução histórica, a cidade tem sobrevivido.

Nascida do Tejo, com ele tem vivido / sonhado, e se a simbologia lhe deu sete colinas por superstição mágica, só tem um rio como esgoto. Dele dependeu, nele se espraiou, crescendo com e pela história.

Um terramoto a destruiu, sendo reedificada segundo um plano urbanístico, o único global desta cidade secular, salvo os que aparecem em períodos eleitorais. Cidade / aldeia, cresceu como testemunho das colónias emigrantes que por aqui se fixaram; cresceu com sonhos esporádficos de cosmopolitismo europeu, expresso em shopping centres.

No século XIX a cidade libertou-se do rio, sem renegar as suas brumas sebastianistas, virou-lhe as costas, entregando-se a uma morte lenta. Procurou um novo norte, e a norte nasceu uma avenida anã como primeira pedra de uma cidade nova. Cidade entalada por construtores civis, engenheiros, e por vezes arquitectos, pouco teve de urbanistas, existindo contudo sonhos, projectos de imaginário fabuloso.

«”Coincidirá isto com a derrocada, ou pelo menos a larga desabridação dos bairros infectos d’Alfama, Castelo, Mouraria, Alcântara e outros muitos onde a população trabalhadora se comprime, e mais ou menos são montureiros de gente, destruidoras da mocidade e vigor da raça popular – recomenda Fialho de Almeida” /…/ Não devem os municípios dar ouvidos à arqueologia piegas que em certos bestuntos confunde o respeito das coisas artísticas com a monomania idiota de conservar tudo o que é velho. /…/ (conservar sim) um ou outro edifício, arco ou recanto, valendo mais como reprego cenográfico do que como amostra arquitecturaL dos séculos que conta…». Opiniões à muitas, e esta é uma opinião não concretizada na época, mas consentida hoje, numa política de degradação e destruição.

Criar uma outra cidade, não medieval e não pombalina, era o desafio. Fialho de Almeida idealizava-a como cenário operático: «uma ponte sobre os vales da Avenida e Rua da Palma, ligando S. Pedro d’ Alcântara a Sant’Ana, e esta à Graça ou Monte do Castelo, era uma obra de seguro efeito cenográfico, gigantesco e pernalta, barrando o ar n’um salto audacioso».

A culminar este projecto, uma «Yoshiwhara feérica e colossal, casino e circo, biblioteca e restaurante, velódromo e frontão, hall de concertos e teatro d’Opera, n’esse recinto do chamado Castelo de São Jorge, adentro da cinta de muros onde foi outr’ora o rouqueiro da cidade».

Nesta cidade imaginária, Lisboa deve ser o lugar de prazer e vivencia, e dentro dessa linha, Ventura Terra idealiza uma marginal / jardim entre Santos e Terreiro do Paço, com reencontro da cidade com o rio, por uma cenografia parisina.

Para o Parque Eduardo VII idealizam-se jardins, cascatas, monumentalidade e desenfesamento da Avenida, como resposta viária de comunicação da cidade ribeirinha com o norte, com a cidade nova.

Houve arquitectos na procura de uma linguagem nacionalista, outros houve que procuraram impor estilos internacionalistas, mas em todos se caracterizou uma tradição cenográfica, que os cenógrafos do Teatro de São Carlos – Cinatti, Manini… - conseguiram deixar como testemunho (palácio Foz, Mosteiro dos Jerónimos…). A arquitectura é a expressão de uma sociedade, e neste caso, pelos vistos estamos perante uma sociedade de opereta. Lisboa passou a ser sonhada como cenografia para deleite de turistas, é a busca de uma «linguagem de comunicação… para comunicar com os extraterrestres» (sic Tomás Taveira).

Hoje, a cidade cria imaginários em diálogo com extraterrestres, ou com elites de opereta, imaginários implantados a ferros e espelhos sem diálogo com o entorno, com o passado, com o presente, com o futuro da sua população emigrante, com a cidade como entidade global para gozoi e vivencia. Lisboa entalada entre politiqueiros e construtores civis, passou a escritório onde se vem trabalhar.

Acordas enlatado em brumas; brumas cinzentas de comboio e laranja de autocarros. Não tens a certeza do céu, mas sentes em redor de ti um arejado bocejo de ar «condicionado». Dizem-te Lisboa. Não podes ainda ver claramente. São tudo espumas de burocracia…


Monday, December 28, 2020

Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020


Vasilly Alexandrov / Zhu Cheng
Xaquin Marin / Zheng Tailou Li

Vladimiras Beresniovas / Toso Borkovic
Stane Jagodic


SATYRYKON 2021 POLAND - Deadline December 31, 2020

Cartoon theme SECTION I – THEME: FAMILY

SECTION II – SATIRE & JOKE

Deadline December 31, 2020

Prizes GRAND PRIX SATYRYKON 2021 - pure gold key and purse amounting to 10,000 PLN 2 gold medals and purses amounting to 7.000 PLN each 2 silver medals and purses amounting to 6.000 PLN each 2 bronze medals and purses amounting to 5.000 PLN each and 4 special prizes amounting to 4.000 PLN each Mayor of Legnica in amount of 4.000 PLN award Director of Legnica Culture Centre in amount of 4,000 PLN award for a photography work.

The organisers are expecting extra awards for laureates: for the Author of THE BEST DEBUT and the Author of  THE STUDENT DEBUT  to be accompanied by a solo exhibition at the Satyrykon Gallery within the programme of SATYRYKON 2021 events.

Organisers provide competition prize-winners with gratuitous participation in the SATYRYKON 2021 event on June 18-20, 2021.

Number of entries max: 3 works for each section

WORKS AWARDED IN OTHER COMPETITIONS will be excluded from the SATYRYKON competition. Format max: A3, 5MB, JPEG

Works returned Organisers reserve the right to include one of the submitted works in the Satyrykon Gallery. In this way – the work – chosen by the author, will cover our postage costs. In case of not indicationg one of the works, the Organizer can send all the works on the AUTHOR’S EXPENSE.

Free catalogue Authors of the works qualified to the exhibition are given a presentation copy of the exhibition catalogue.

Copyright issues Organisers reserve the right to use the sent works for SATYRYKON advertising purposes without any special fees paid to the authors: to be exhibited and reproduced in a variety of advertising materials, as well as printed and circulated in catalogues..

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Caricaturas Crónicas - «D. Fernando II, a anticaricatura real» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 1/2/1987)

Protector das artes, introdutor do gosto romântico, criador de pequenas obras em gravura, cerâmica… raiando por vezes o caricatural, D. Fernando de Sax-Coburgo era um rei amado, e como tal respeitado, e curiosamente pouco caricaturado.

 

«Havia um Rei na Parvónia / Que arranjara em coisas d’arte / A mais vasta Babylónia / Que se encontra em toda a parte.

Á pena d’alta valia / O Rei, como rasão aos molhos / Qu’ria tanto quanto qu’ria / às meninas dos seus olhos!

Mas um dia vem a Parca / E em voz alta se esganiça / A chamar pelo monarca / Qual por freguez d’hortaliça…

Diz o Rei: - Não me amedronta / Qua è Parca não tenho medo! / Já lá vou! Isto é n’um prompto! / Vira mão e fia dedo…

E ao ver tétrico chegar / d’esta vida o negro fim / atirou c’o a pena ao mar… / e Espichou o canelim!...» (Raphael Bordallo Pinheiro, in «Pontos nos ii» de 31/12/1985)

Claro que já devem ter identificado a «Parvónia» com a nossa terra, parca, em muita coisa, principalmente de cultura. Reis tivemos bastantes, reis artistas vários, mas apenas um o seria de cognome, D. Fernando II (de Sax-Coburgo), o Rei Artista.

Nascido em Viena d’Austria (19/10/1816), veio para Portugal como «príncipe consorte» da rainha D. Maria II, então cognominado caricaturalmente como o Zé Nabo, mas quem teve mais sorte na hortaliça foi esta pequena horta plantada à beira mar, que ganhou um «consom(é)ado camarada diletante, eruditíssimo crítico, jovial conversador, alegre camarada de todos os amigos, ele fazia consistir uma das primeiras felicidades da sua existência no prazer de se consagrar aos que estimava com a bonhomia mais tocante, repartindo com eles as suas alegrias d’arte, cantando-lhes ao piano os trechos mais queridos e mais saudosos dos seus compositores predilectos, levando-os a visitar as sementeiras da sua horte, ou os viveiros do seu pomar, fazendo-lhes a historia das suas gravuras e das suas faianças» (Ramalho Ortigão).

Protector das artes, introdutor do gosto romântico, criador de pequenas obras em gravura, cerâmica… raiando por vezes o caricatural, ele era um rei amado, e como tal respeitado, e curiosamente pouco caricaturado.

Para além da sua fisionomia «nabense» (in «O Procurador dos Povos» de 1845), aliada apenas ao seu estado imberbe dos primeiros anos de principado, ele surge na caricatura como o rei mundano, seja como «sombra» protectora do «passeios público» (Raphael Bordallo Pinheiro in «António Mearia» de 7/8/1879), do «faire le boulevard» mundano, como libertador cosmopolita da mulher, até aí presa às três saídas do lar: baptizado, casamento e enterro. Ele é o rei que «anda sempre a pé entre o povo» (Sebastião Sanhudo, in «Sorvete» de 28/9/1884).

Este seu lado mundano é a alteração de um ritmo de vida lisboeta, seja como bebedor de chá (R.B.P. in «António Maria» 15/7/1880), seja como chefe dos diletantes do Teatro de São Carlos / Chiado, dinamizador de querelas musicais, amores e desamores com as divas, que terminaram para o viúvo-rei, com o seu casamento lírico (com a cantora Elise Hensler); seja como protector das artes ornamentais, e não só.

A sua acção governativa? Pela caricatura nada transpira da sua actuação directa como Rei Regente, apenas Sebastião Sanhudo comenta, em 1886, «a trindade real – Padre (D. Fernando tendo como armas do bastão real uma paleta e pincéis), Filho (D. Luís) e Espirito Santo (Fontes). O Padre é rei; o Filho é rei; o outro rei é. São três reis distintos e só um é verdadeiro» (in Sorvete de 24/8/1884). Falava «naturalmente do Fontes, o poder real.

O humor não o criticou, amou-o, acompanhando-o na vida e na morte - «enquanto a Corte, na sua maioria indiferentemente, vai trajar pela memória do rei o lucto exterior a que a etiqueta obriga, nós trajaremos, sinceramente, pela memória do artista, o crepe que se não vê porque só a alma o veste e o sentimento o determina» (R.B.P., in «Pontos nos ii» de 17/12/1885)

Caricaturas Crónicas «A arte dos reis» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 1/3/1987)

D. Carlos, educado para ser rei, foi o melhor artista entre os monarcas. Fialho de Almeida considerou de inteira justiça apontá-lo entre os pouquíssimos que neste país de costa verdadeiramente sentem a marinha e entre os raros que na exposição se esforçam por pintar em português.

 

Ser rei é estar no topo da pirâmide-poder, havendo indivíduos que aí nascem, e por vezes saí caem. Outros, pelo seu trabalho, pela sua «estrela», ganham esse epiteto como consagração. Porém, nunca vi um individuo artista, apesar de assim cognominado, ocupar tal posto-Poder, nem tão pouco ocupar o seu ministério pela simples razão da sua Arte. Contudo, houve reis que desceram do trono, na tentativa de serem artistas.

Em Portugal, ouvimos falar de D. Dinis, que «trovou» poesias à sua amada; de D. João IV, «um vulto notável não só da composição musical e da biblioteconomia musical» (João de Freitas Branco); de D. José que, sem ser um criador, foi «musa» dp renascimento da gravura, cerâmica e outras artes decorativas… da Ópera do tejo… das suas filhas, as «Princesas Artistas», que deixaram vasta obra, entre as quais o Retábulo do Coração de Maria (na Basílica da Estrela), que Vicente de Almeida comenta da seguinte forma - «pintado pela princesa viúva e pela infanta D. Maria Ana, é por isso respeitável: pois quanto ao mais as régias pintoras tiveram a inspiração da piedade para a intenção, mas não o génio para o conceito. Composição, desenho, colorido deixam ali muito que desejar»; de D. Pedro IV, compositor de várias marchas e fundador da primeira galeria pública de objectos de arte; de D. Maria II, que teve a inspiração de se casar com DD. Fernando de Sax-Coburgo, o Rei-Artista; de D. Luís, o violoncelista; de D. Carlos, o pintor…

Do rei D. Fernando II já falámos anteriormente, enquanto que agora falaremos do seu filho e neto.

REINAR SOBRE ARTES MUSICAIS

D. Luís não estava predestinado a governar como soberano (mas sim seu irmão que faleceria), antes a reinar sobre as artes musicais, como o educara o seu pai. Era um razoável aguarelista e um excelente músico. Possuidor de um violoncelo Stradivárius, que na visão do crítico humorístico, é uma arma de encantamento, foi um rei dominado pelo instrumento-paixão, assim como pelos políticos - «D. Luís toca violoncelo, enquanto Fontes reina; enquanto nos roubam a África, o povo imigra…» (RaPHAEL Bordallo Pinheiro in «António Maria» de 21/6/1883). A sua presença caricatural é a de um boneco de corda (R.B.P. in «António Maria de 1/1/1880) manobrado como uma espécie de «caixinha de música». Rei contestado, músico encerrado nas paredes de palácios, foi uma estrela sem brilho.

PASTEIS DA LEZÌRIA

Com o rei D. Carlos o caso já foi diferente. Educado para ser rei, impôs-se como pintor. Foi sem dúvida o melhor artista entre os monarcas, assim como criou algumas das obras-primas da pintura e da aguarela portuguesa do final/princípio do século. Fialho de Almeida escreveria então: «… o lugar de honra pertenceu ao rei D. Carlos, cujos pastéis passam de prenda à categoria dum verdadeiro trabalho de arte. O curioso acabou-se, e agora é necessário apontá-lo entre os pouquíssimos que neste país de costa verdadeiramente sentem a marinha, e entre os raros que na exposição se esforçam por pintar em português. Os seus dois pasteis de lezíria revelam a um olhar afeito, não a perceber objectos, mas conjuntos, e a guiar-lhes o pincel por um caminho de «nuances», d’onde os nossos pastelistas mais hábeis raro têm conseguido tirar triunfo a limpo».

ARPOAR O PEIXÃO DO PODER

Sobra a sua arte, acima de qualquer suspeita, não se debruçou grande mente o humor-caricatura, preferindo arpoar o peixão do poder. Oceanógrafo distinto, marinhista excelente, ele tinha a ciência e a arte de «bolinar» nos ventos da oposição, de «adernar» para os lados mais convenientes da políticas, «caturrar» a sua simpatia social, e sempre a «talingar» os fios da opressão policial. No fim, a arte de todos os reis e governantes.

Foi essa arte, a caricaturada, e a primeira sátira apresenta-o, não como um marujo, mas aprendiz de sapateiro remendão: «Apanhou-se na tripeça, com o mestre fora e põe-se logo a estender a massa da popularidade; mas a coisa não pega porque a sola da bota nacional está seca e rija como uma fasquia de pau bucho». (R.B.P. in «António Maria» de 31/5/1883). Mas o Zé, ainda estava pouco susceptível às campanhas de publicidade, e não o enganam neste aspecto: «-O Rei novo? – A julgar pelos primeiros actos do seu governo, é rei velho. Aparafusaram no corpo do filho a cabeça do pai… Assim, não perigam as instituições» (Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, in «Pontos nis ii» de 8/11/1889).

Apesar de artistas, não souberam orquestrar a governação com harmonia de cores e timbres, precipitando a monarquia para a desafinação e consequente pateada.


Sunday, December 27, 2020

Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020

 

Alexys / Alexander Dubovsky
Carlos Amorim / Augustinos Kissamitakis

Bruce MacKinnon / Fawzy Morsy

Gogue / Karry
Vladimiras Beresniovas

Caricaturas Crónicas: «O RIS(C)O DAS NAÇÕES» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 18/1/1987

 O sentido do ridículo e da crítica em humor é de todos os tempos, pelo menos desde que o homem tomou consciência dos seus actos em riso. Esta foi a consequência natural do Homem ao ver-se ao espelho, só que nem sempre se tem rido das mesmas coisas, do mesmo modo, e «nu» riso se pode estudar, mesmo diagnosticar, as mentalidades, as morais, o espírito de cada sociedade, de cada povo. «Rindo se corrigem os costumes», diz a história, e de tesoura e lápis azul em punho se castiga o humorista mais verdadeiro.

Cada época ri de modo diferente, assim como cada povo aceita de forma diversa a opressão, ou a crítica em humor, na base da sua cultura, da sua abertura de espírito à «democracia» em ideias. A aceitação corresponde à consequente criação, que certos autores tipificam em estruturas conceituais - países. Um desses autores é Geraldo sem Pavor que defende: em França o humor é a «leveza espumante do espírito».

«A graça alemã é às vezes pesada; a deformação da caricatura roça pela inverosimilhança irritante», mas «são os menos frívolos de todos», é o humorismo em filosofia.

O humor inglês provém do «c1ownismo grave» - «existe uma harmonia cénica feita de sínteses /.../ numa exploração inteligentíssima dos incidentes mais simples e correntios da vida quotidiana».

«O humorismo metálico dos norte-americanos possui todos os defeitos do inglês, e nenhuma das suas virtudes. Longe de castigarem, defendem os defeitos e os ridículos da colectividade».

O Italiano é a «graça cortante dum espelho côncavo», porém «não perdem nunca um puro sentido de elegância e um requintado bom gosto».

«A 'graça' no seu sentido mais puro pertence aos Espanhóis. O 'Chiste' é o sinónimo mais fiel da graça. Nenhum país, corno a Espanha, possui maior quantidade de 'graça', de cultores de 'graça', de ‘varredores de graça' - A graça andaluza, cheia de picardia, feita pelo exagero da expressão - A Castelhana é o espírito de quixotismo - a 'peça' catalã é habitualmente pesadota - a peça galega pretende rir do fundo de ingenuidade que existe na velhacaria do povo» (in «Rebeca», 1933).

Em Portugal «a máscara do humor dos nossos humoristas é cabeçuda e sombria. Têm o crânio luzidio e liso, os olhos encovados e as pupilas olham baixo, desconfiados, sob as pálpebras papudas. O rosto é um bocejo calmo /.../ Não é a máscara do humor: é um retrato a crayon de amanuense com filhos e letras no fim do mês». (Veiga Simão, In prefácio ao catálogo «O Salão dos Humoristas», 1912).

Se a unanimidade não é uma das nossas características, a excepção à. regra é esta opinião: «Sim, existe uma sátira muito lusitana. É aquela que se baseia na piada pesadona, bruta, malcriada, perante a qual o humor refinado está como uma picadinha de alfinete para com uma valente cacetada» (António Gomes de Almeida).

O português é a piada do café, é a anedota bem contada entre a «bica» e o bagaço, mas preferencialmente com a temática da desgraça burlesca do vizinho. Quando o humor recai sobre a sua pessoa, ou suas ideias, já não existe humor, mas uma reacção negativa contra a falta de educação. Faz-se humor para cativar a atenção dos circundantes, para exaltar o ego, ou para satisfazer o espírito amanuense.

Diz-se que o povo português não sorri, ri à gargalhada, ou chora a sua desgraça. Ri do que já foi, chora aquilo que já não consegue ser: «Daí a tristeza lusitana, que nós (brasileiros) herdámos, e da qual é flor fina de sentimento essa saudade, que outros sentem, mas ninguém traduziu melhor em expressão. Nos intervalos desse estado quase doloroso do espírito, o riso raro, avinhado ou brejeiro, surgia como impulso, explosivo, na graçola portuguesa. Os mesmos termos de carinho são nesse povo, às vezes, de insulto, o tom é incumbido de fazer distinção: 'Meu ladrão', 'minha negra', são carícias.» (Afrânio Peixoto).


Caricaturas Crónicas: «O postal satírico» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/12/1986)

 Com estes postais verifica-se a realização gráfica, não só da opinião de um artista, mas a reconversão da opinião do autocriador na opinião pessoal do remetente / endereçado do postal.

 

Escrevem-se- postais de amor, que dizem ridículos; escrevem-se postais satíricos, que dizem amor. A escrita, como ridícula ou de amor, ainda é um dos géneros que mantêm, em certos círculos (concêntricos), a possibilidade de troca de notícias, pensamentos, opiniões. Nessa fórmula, o postal ilustrado é um meio privilegiado na troca de pontos de vista, como a vista da Torre de Belém, da Torre das Amoreiras, as vistas nos banco de olhos, ou da visão satírica da política, que anda muita das vezes zarolha.

Se hoje caiu em certo desuso a utilização do postal ilustrado, para difundir as caricaturas dos políticos, dos artistas em voga, as sátiras sociais ou criticas governamentais, no final do século passado, primeira metade do nosso, era um costume fomentado pelo comprador, pelos CTT, por editores privados, por artistas desconhecidos, ou grandes nomes da caricatura, como Celso Hermínio, Leal da Câmara, Alonso, Jorge Colaço, Valença, Stuart, Barradas…

A caricatura tinha-se divulgado como revolução na visão, como expressão de uma abertura de horizontes estéticos, culturais e geográficos, sendo natural a exploração conjunta do postal ilustrado, como espelho fotográfico da imagem longínqua, ou como espelho «deformador» da interpretação crítica do mundo, numa aproximação de «verdades». Ambos são pontos de vista, são perspectiva trabalhadas, estudadas e oferecidas ao público, seja como realismo ou híper-realismo.

Com estes postais, verifica-se a realização gráfica, não só da opinião de um artista, mas a reconversão da opinião do autor-criador, na opinião pessoal do remetente / endereçado no postal. Dessa forma o público vive a sátira, a ironia, ou o humor, como crítica de opinião assumidas, como diálogo democratizado pelo riso compartilhado.

É também um diálogo estético, já que o consumidor procura o postal, não só pelo conteúdo de comunicação humorística-crítica, mas também pelo gosto do traço de um artista. O postal satírico é a arte que invade o quotidiano das gentes. São as gentes que invadem a opção estética de um artista pela consagração-compra, na difusão da arte em processo primário de reprodução. O artista não se vende ao público, nem o público se vende à concepção estética. O postal, ou a reprodução é apenas um encontro, nesta caso coim piada.

Quando essa troca de postais humorísticos era costume, era moda, o público ria-se dos políticos, riam-se das políticas, riam-se com o mundo… continuando a votar nos políticos que não governam, continuando a amargar as políticas de impostos, sofrendo o mundo, mas riam-se…

Riam-se das paixões pelas vedetas, amavam os seus ídolos pelo riso caricatural, adoçavam a diferença dos mundos da realidade e sonho, pelo humor.

Hoje, o político, a política, a vedeta, o ídolo, o mundo não mudou, mas parece não haver coragem para se rirem de si próprios, ou do mundo, preferindo a +psicanálise. Por uma sessão pagam mais do que por um postal ilustrado, não se riem, e tudo fica na mesma.

Procurando levar-se a sério, pois mais ninguém o leva, o homem faz do humor uma discussão de arte, cultura ou intelectualismo; faz do postal um entretenimento de colecionador, enquanto as pessoas se fecham em mutismo de solidão.

E que tal enviar um postal satírico ao psicanalista?


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