Monday, December 28, 2020
Caricaturas Crónicas «A arte dos reis» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 1/3/1987)
D. Carlos,
educado para ser rei, foi o melhor artista entre os monarcas. Fialho de
Almeida considerou de inteira justiça apontá-lo entre os pouquíssimos que neste
país de costa verdadeiramente sentem a marinha e entre os raros que na
exposição se esforçam por pintar em português.
Ser rei é estar no topo da pirâmide-poder, havendo indivíduos que aí nascem, e por vezes saí caem. Outros, pelo seu trabalho, pela sua «estrela», ganham esse epiteto como consagração. Porém, nunca vi um individuo artista, apesar de assim cognominado, ocupar tal posto-Poder, nem tão pouco ocupar o seu ministério pela simples razão da sua Arte. Contudo, houve reis que desceram do trono, na tentativa de serem artistas.
Em Portugal, ouvimos falar de D. Dinis, que «trovou» poesias à sua amada; de D. João IV, «um vulto notável não só da composição musical e da biblioteconomia musical» (João de Freitas Branco); de D. José que, sem ser um criador, foi «musa» dp renascimento da gravura, cerâmica e outras artes decorativas… da Ópera do tejo… das suas filhas, as «Princesas Artistas», que deixaram vasta obra, entre as quais o Retábulo do Coração de Maria (na Basílica da Estrela), que Vicente de Almeida comenta da seguinte forma - «pintado pela princesa viúva e pela infanta D. Maria Ana, é por isso respeitável: pois quanto ao mais as régias pintoras tiveram a inspiração da piedade para a intenção, mas não o génio para o conceito. Composição, desenho, colorido deixam ali muito que desejar»; de D. Pedro IV, compositor de várias marchas e fundador da primeira galeria pública de objectos de arte; de D. Maria II, que teve a inspiração de se casar com DD. Fernando de Sax-Coburgo, o Rei-Artista; de D. Luís, o violoncelista; de D. Carlos, o pintor…
Do rei D. Fernando II já falámos anteriormente, enquanto que agora falaremos do seu filho e neto.
REINAR SOBRE ARTES MUSICAIS
D. Luís não estava predestinado a governar como soberano (mas sim seu irmão que faleceria), antes a reinar sobre as artes musicais, como o educara o seu pai. Era um razoável aguarelista e um excelente músico. Possuidor de um violoncelo Stradivárius, que na visão do crítico humorístico, é uma arma de encantamento, foi um rei dominado pelo instrumento-paixão, assim como pelos políticos - «D. Luís toca violoncelo, enquanto Fontes reina; enquanto nos roubam a África, o povo imigra…» (RaPHAEL Bordallo Pinheiro in «António Maria» de 21/6/1883). A sua presença caricatural é a de um boneco de corda (R.B.P. in «António Maria de 1/1/1880) manobrado como uma espécie de «caixinha de música». Rei contestado, músico encerrado nas paredes de palácios, foi uma estrela sem brilho.
PASTEIS DA LEZÌRIA
Com o rei D.
Carlos o caso já foi diferente. Educado para ser rei, impôs-se como pintor. Foi
sem dúvida o melhor artista entre os monarcas, assim como criou algumas das
obras-primas da pintura e da aguarela portuguesa do final/princípio do século. Fialho
de Almeida escreveria então: «… o lugar
de honra pertenceu ao rei D. Carlos, cujos pastéis passam de prenda à categoria
dum verdadeiro trabalho de arte. O curioso acabou-se, e agora é necessário
apontá-lo entre os pouquíssimos que neste país de costa verdadeiramente sentem
a marinha, e entre os raros que na exposição se esforçam por pintar em
português. Os seus dois pasteis de lezíria revelam a um olhar afeito, não a
perceber objectos, mas conjuntos, e a guiar-lhes o pincel por um caminho de
«nuances», d’onde os nossos pastelistas mais hábeis raro têm conseguido tirar
triunfo a limpo».
ARPOAR O PEIXÃO DO PODER
Sobra a sua arte, acima de qualquer suspeita, não se debruçou grande mente o humor-caricatura, preferindo arpoar o peixão do poder. Oceanógrafo distinto, marinhista excelente, ele tinha a ciência e a arte de «bolinar» nos ventos da oposição, de «adernar» para os lados mais convenientes da políticas, «caturrar» a sua simpatia social, e sempre a «talingar» os fios da opressão policial. No fim, a arte de todos os reis e governantes.
Foi essa arte, a caricaturada, e a primeira sátira apresenta-o, não como um marujo, mas aprendiz de sapateiro remendão: «Apanhou-se na tripeça, com o mestre fora e põe-se logo a estender a massa da popularidade; mas a coisa não pega porque a sola da bota nacional está seca e rija como uma fasquia de pau bucho». (R.B.P. in «António Maria» de 31/5/1883). Mas o Zé, ainda estava pouco susceptível às campanhas de publicidade, e não o enganam neste aspecto: «-O Rei novo? – A julgar pelos primeiros actos do seu governo, é rei velho. Aparafusaram no corpo do filho a cabeça do pai… Assim, não perigam as instituições» (Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, in «Pontos nis ii» de 8/11/1889).
Apesar de artistas, não souberam orquestrar a governação com harmonia de cores e timbres, precipitando a monarquia para a desafinação e consequente pateada.