Monday, December 28, 2020
Caricaturas Crónicas - «D. Fernando II, a anticaricatura real» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 1/2/1987)
Protector
das artes, introdutor do gosto romântico, criador de pequenas obras em gravura,
cerâmica… raiando por vezes o caricatural, D. Fernando de Sax-Coburgo era um
rei amado, e como tal respeitado, e curiosamente pouco caricaturado.
«Havia um Rei
na Parvónia / Que arranjara em coisas d’arte / A mais vasta Babylónia / Que se
encontra em toda a parte.
Á pena d’alta
valia / O Rei, como rasão aos molhos / Qu’ria tanto quanto qu’ria / às meninas
dos seus olhos!
Mas um dia
vem a Parca / E em voz alta se esganiça / A chamar pelo monarca / Qual por
freguez d’hortaliça…
Diz o Rei: -
Não me amedronta / Qua è Parca não tenho medo! / Já lá vou! Isto é n’um
prompto! / Vira mão e fia dedo…
E ao ver
tétrico chegar / d’esta vida o negro fim / atirou c’o a pena ao mar… / e Espichou
o canelim!...» (Raphael Bordallo
Pinheiro, in «Pontos nos ii» de 31/12/1985)
Claro que já devem ter identificado a «Parvónia» com a
nossa terra, parca, em muita coisa, principalmente de cultura. Reis tivemos
bastantes, reis artistas vários, mas apenas um o seria de cognome, D. Fernando
II (de Sax-Coburgo), o Rei Artista.
Nascido em Viena d’Austria (19/10/1816), veio para
Portugal como «príncipe consorte» da rainha D. Maria II, então cognominado
caricaturalmente como o Zé Nabo, mas quem teve mais sorte na hortaliça foi esta
pequena horta plantada à beira mar, que ganhou um «consom(é)ado camarada
diletante, eruditíssimo crítico, jovial conversador, alegre camarada de todos
os amigos, ele fazia consistir uma das primeiras felicidades da sua existência
no prazer de se consagrar aos que estimava com a bonhomia mais tocante,
repartindo com eles as suas alegrias d’arte, cantando-lhes ao piano os trechos
mais queridos e mais saudosos dos seus compositores predilectos, levando-os a
visitar as sementeiras da sua horte, ou os viveiros do seu pomar, fazendo-lhes
a historia das suas gravuras e das suas faianças» (Ramalho Ortigão).
Protector das artes, introdutor do gosto romântico,
criador de pequenas obras em gravura, cerâmica… raiando por vezes o
caricatural, ele era um rei amado, e como tal respeitado, e curiosamente pouco
caricaturado.
Para além da sua fisionomia «nabense» (in «O
Procurador dos Povos» de 1845), aliada apenas ao seu estado imberbe dos
primeiros anos de principado, ele surge na caricatura como o rei mundano, seja
como «sombra» protectora do «passeios público» (Raphael Bordallo Pinheiro in
«António Mearia» de 7/8/1879), do «faire le boulevard» mundano, como libertador
cosmopolita da mulher, até aí presa às três saídas do lar: baptizado, casamento
e enterro. Ele é o rei que «anda sempre a
pé entre o povo» (Sebastião Sanhudo, in «Sorvete» de 28/9/1884).
Este seu lado mundano é a alteração de um ritmo de
vida lisboeta, seja como bebedor de chá (R.B.P. in «António Maria» 15/7/1880),
seja como chefe dos diletantes do Teatro de São Carlos / Chiado, dinamizador de
querelas musicais, amores e desamores com as divas, que terminaram para o
viúvo-rei, com o seu casamento lírico (com a cantora Elise
Hensler); seja como protector das
artes ornamentais, e não só.
A sua acção governativa? Pela caricatura nada transpira
da sua actuação directa como Rei Regente, apenas Sebastião Sanhudo comenta, em
1886, «a trindade real – Padre (D. Fernando tendo como armas do bastão real uma
paleta e pincéis), Filho (D. Luís) e Espirito Santo (Fontes). O Padre é rei; o
Filho é rei; o outro rei é. São três reis distintos e só um é verdadeiro» (in
Sorvete de 24/8/1884). Falava «naturalmente do Fontes, o poder real.