Sunday, December 27, 2020
Caricaturas Crónicas: «O RIS(C)O DAS NAÇÕES» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 18/1/1987
O sentido do ridículo e da crítica em humor é de todos os tempos, pelo menos desde que o homem tomou consciência dos seus actos em riso. Esta foi a consequência natural do Homem ao ver-se ao espelho, só que nem sempre se tem rido das mesmas coisas, do mesmo modo, e «nu» riso se pode estudar, mesmo diagnosticar, as mentalidades, as morais, o espírito de cada sociedade, de cada povo. «Rindo se corrigem os costumes», diz a história, e de tesoura e lápis azul em punho se castiga o humorista mais verdadeiro.
Cada
época ri de modo diferente, assim como cada povo aceita de forma diversa a
opressão, ou a crítica em humor, na base da sua cultura, da sua abertura de
espírito à «democracia» em ideias. A aceitação corresponde à consequente
criação, que certos autores tipificam em estruturas conceituais - países. Um
desses autores é Geraldo sem Pavor que defende: em França o humor é a «leveza espumante
do espírito».
«A
graça alemã é às vezes pesada; a deformação da caricatura roça pela
inverosimilhança irritante», mas «são os menos frívolos de todos», é o
humorismo em filosofia.
O
humor inglês provém do «c1ownismo grave» - «existe uma harmonia cénica feita de
sínteses /.../ numa exploração inteligentíssima dos incidentes mais simples e
correntios da vida quotidiana».
«O
humorismo metálico dos norte-americanos possui todos os defeitos do inglês, e
nenhuma das suas virtudes. Longe de castigarem, defendem os defeitos e os
ridículos da colectividade».
O
Italiano é a «graça cortante dum espelho côncavo», porém «não perdem nunca um
puro sentido de elegância e um requintado bom gosto».
«A
'graça' no seu sentido mais puro pertence aos Espanhóis. O 'Chiste' é o
sinónimo mais fiel da graça. Nenhum país, corno a Espanha, possui maior
quantidade de 'graça', de cultores de 'graça', de ‘varredores de graça' - A
graça andaluza, cheia de picardia, feita pelo exagero da expressão - A
Castelhana é o espírito de quixotismo - a 'peça' catalã é habitualmente
pesadota - a peça galega pretende rir do fundo de ingenuidade que existe na
velhacaria do povo» (in «Rebeca», 1933).
Em
Portugal «a máscara do humor dos nossos humoristas é cabeçuda e sombria. Têm o
crânio luzidio e liso, os olhos encovados e as pupilas olham baixo,
desconfiados, sob as pálpebras papudas. O rosto é um bocejo calmo /.../ Não é a
máscara do humor: é um retrato a crayon de amanuense com filhos e letras no fim
do mês». (Veiga Simão, In prefácio ao catálogo «O Salão dos Humoristas», 1912).
Se a
unanimidade não é uma das nossas características, a excepção à. regra é esta
opinião: «Sim, existe uma sátira muito lusitana. É aquela que se baseia na
piada pesadona, bruta, malcriada, perante a qual o humor refinado está como uma
picadinha de alfinete para com uma valente cacetada» (António Gomes de
Almeida).
O
português é a piada do café, é a anedota bem contada entre a «bica» e o bagaço,
mas preferencialmente com a temática da desgraça burlesca do vizinho. Quando o
humor recai sobre a sua pessoa, ou suas ideias, já não existe humor, mas uma
reacção negativa contra a falta de educação. Faz-se humor para cativar a
atenção dos circundantes, para exaltar o ego, ou para satisfazer o espírito
amanuense.
Diz-se
que o povo português não sorri, ri à gargalhada, ou chora a sua desgraça. Ri do
que já foi, chora aquilo que já não consegue ser: «Daí a tristeza lusitana, que
nós (brasileiros) herdámos, e da qual é flor fina de sentimento essa saudade,
que outros sentem, mas ninguém traduziu melhor em expressão. Nos intervalos
desse estado quase doloroso do espírito, o riso raro, avinhado ou brejeiro,
surgia como impulso, explosivo, na graçola portuguesa. Os mesmos termos de
carinho são nesse povo, às vezes, de insulto, o tom é incumbido de fazer
distinção: 'Meu ladrão', 'minha negra', são carícias.» (Afrânio Peixoto).