Sunday, December 27, 2020
Caricaturas Crónicas: «O postal satírico» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/12/1986)
Com estes postais verifica-se a realização gráfica, não só da opinião de um artista, mas a reconversão da opinião do autocriador na opinião pessoal do remetente / endereçado do postal.
Escrevem-se- postais de amor, que dizem ridículos;
escrevem-se postais satíricos, que dizem amor. A escrita, como ridícula ou de
amor, ainda é um dos géneros que mantêm, em certos círculos (concêntricos), a
possibilidade de troca de notícias, pensamentos, opiniões. Nessa fórmula, o
postal ilustrado é um meio privilegiado na troca de pontos de vista, como a
vista da Torre de Belém, da Torre das Amoreiras, as vistas nos banco de olhos,
ou da visão satírica da política, que anda muita das vezes zarolha.
Se hoje caiu em certo desuso a utilização do postal
ilustrado, para difundir as caricaturas dos políticos, dos artistas em voga, as
sátiras sociais ou criticas governamentais, no final do século passado, primeira
metade do nosso, era um costume fomentado pelo comprador, pelos CTT, por
editores privados, por artistas desconhecidos, ou grandes nomes da caricatura,
como Celso Hermínio, Leal da Câmara, Alonso, Jorge Colaço, Valença, Stuart,
Barradas…
A caricatura tinha-se divulgado como revolução na
visão, como expressão de uma abertura de horizontes estéticos, culturais e
geográficos, sendo natural a exploração conjunta do postal ilustrado, como
espelho fotográfico da imagem longínqua, ou como espelho «deformador» da
interpretação crítica do mundo, numa aproximação de «verdades». Ambos são
pontos de vista, são perspectiva trabalhadas, estudadas e oferecidas ao
público, seja como realismo ou híper-realismo.
Com estes postais, verifica-se a realização gráfica,
não só da opinião de um artista, mas a reconversão da opinião do autor-criador,
na opinião pessoal do remetente / endereçado no postal. Dessa forma o público
vive a sátira, a ironia, ou o humor, como crítica de opinião assumidas, como
diálogo democratizado pelo riso compartilhado.
É também um diálogo estético, já que o consumidor
procura o postal, não só pelo conteúdo de comunicação humorística-crítica, mas
também pelo gosto do traço de um artista. O postal satírico é a arte que invade
o quotidiano das gentes. São as gentes que invadem a opção estética de um
artista pela consagração-compra, na difusão da arte em processo primário de
reprodução. O artista não se vende ao público, nem o público se vende à
concepção estética. O postal, ou a reprodução é apenas um encontro, nesta caso
coim piada.
Quando essa troca de postais humorísticos era costume,
era moda, o público ria-se dos políticos, riam-se das políticas, riam-se com o
mundo… continuando a votar nos políticos que não governam, continuando a
amargar as políticas de impostos, sofrendo o mundo, mas riam-se…
Riam-se das paixões pelas vedetas, amavam os seus
ídolos pelo riso caricatural, adoçavam a diferença dos mundos da realidade e
sonho, pelo humor.
Hoje, o político, a política, a vedeta, o ídolo, o
mundo não mudou, mas parece não haver coragem para se rirem de si próprios, ou
do mundo, preferindo a +psicanálise. Por uma sessão pagam mais do que por um
postal ilustrado, não se riem, e tudo fica na mesma.
Procurando levar-se a sério, pois mais ninguém o leva,
o homem faz do humor uma discussão de arte, cultura ou intelectualismo; faz do
postal um entretenimento de colecionador, enquanto as pessoas se fecham em
mutismo de solidão.
E que tal enviar um postal satírico ao psicanalista?