Saturday, January 09, 2021

19th FreeCartoonsWeb International Cartoonet Festival-2020 - Deadline: January 31, 2021

http://www.fcw.cn/79/55/p771761301db6cf 

1,Sections/Themes:

1) Cartoon:

(A) More Powerful Novel Coronavirus, More Long Struggle  

(B) Free Theme

2) Caricature:

(A) Famous President  (B) Sports Star

(C) Entertainment Star  (D) Business Star

2,Deadline:

January 31, 2021

3,Entries:

1) Size: Min: A4(210mmx297mm),Max:A3(297mmx420mm).

2) Quantity: Unlimited.

3) Please send digital original drawings to this contest. Black & white or colored, any style, any technique will be accepted.

4) Participants are requested to send together with their cartoons, an entry-form with digital signature, a photograph or caricature. The form can be downloaded at FreeCartoonsWeb.

5) Titles or entry-form must be filled out in understandable English or Chinese.

6) All cartoonists canparticipate in festival through your own E-mail by submitting your cartoonsto: freecartoons@126.com

Format: JPEG; Size: max 4M per cartoon; Resolution ratio: 200dpi-300dpi.

7) The excellent cartoons will bepublished in Chinese newspaper and magazine.Some cartoons will be exhibited in China.All cartoons will not be returned.

4,Prize:

1) Cartoon:

Grand Prize (1 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Gold Prize (2 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Silver Prize (4 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Bronze Prize (8 awards): Certificate+Catalogue(PDF).

2) Caricature:

Grand Prize (1 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Gold Prize (2 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Silver Prize (4 awards): Certificate+Catalogue(PDF);

Bronze Prize (8 awards): Certificate+Catalogue(PDF).

5,Contact:
http://www.fcwfcw.com  

http://www.fcw.cn  

E-mail: freecartoons@126.com

19th FreeCartoonsWeb International CartoonetFestival

(ENTRY-FORM 2020)

(Photo/ Caricature)

FullName:_________________________________________________________

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Address:___________________________________________________________

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E-mail:_____________________________________________________________

1) Cartoon  Quantity______________________________________________

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Biography_________________________________________________________

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Caricaturas Crónicas: «Carlos Zíngaro – um humor ausente» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 17/1/1988

Desenhador por facilidade criativa, é humorista por necessidade satírica para se defender de uma grande quantidade de coisas a que se convencionou chamar vida, rindo-se delas à sua maneira.

 

É tradição sentenciar que «dos fracos não reza a história», o que não é verdade, pois é dessa massa que se fazem os heróis. No mesmo sentido de pensamento se poderá dizer que dos ausentes se esquece o público, os críticos, a História, mas também esta filosofia pode ser contrariada quando os valores que se levantam são superiores aos jogos mesquinhos do poder.

Quem anda ausente, apesar de já pertencer à história da arte gráfica humorística, é Carlos Corujo “Zíngaro”, um artista com raras oportunidades de mostrar o seu trabalho, um artista possuidor de um dos traços mais interessantes e originais do humor actual.

Conhecido internacionalmente como um dos maiores músicos mundiais no campo da música improvisada, da eletrónica, da… «É uma “música viva” contemporânea, uma música que tem influências diversas, pois a maior parte da minha vida estudei música clássica, passei pelo rock e pelo jazz. Lá fora chama-se “música Nova”, “quarta vaga”, há “N” títulos».

«Eu continuo a chamar-lhe “musica viva”, actual, que tem elementos concretos e uma perspectiva também muito concreta de uma vivência de coisas do passado, mas que se preocupa com as novas tecnologias, com coisas que estão para a frente. Não lhe chamo de vanguarda, porque não gosto de estar na “crista da onda”».

Dividido entre a música (violinista / compositor) e as artes gráficas, Carlos Corujo teve que optar fundamentalmente pela primeira, porque «quando comecei a perspectivar a minha vida profissional, pensei que as artes plásticas seriam a minha forma de sobrevivência e a música fá-la-ia sem dar concessões. O que se passa é quase o contrário, faço nas duas coisas quando há um convite, uma requisição. O risco que assumo no tipo de música que escolhi, dá uma tensão constante, que eu depois expurgo pelo desenho, é a minha «torre de marfim». Porém, se neste país, tanto o músico como o desenhador, têm uma sobrevivência difícil, no estrangeiro o músico é constantemente requisitado».

Mas o que nos interessa aqui é o artista plástico, que nasceu em 1948, cursou música e cenografia, chegando a exercer funções de assistente/professor da cadeira de Desenho do Curso de Cenografia do Conservatório Nacional.

É um autodidacta no desenho, na pintura, da escultura, tendo como estímulo o seu pai, também ele artista gráfico. Começou em 1968 a participar em exposições colectivas, a ilustrar livros infantis, capas de discos e posters vários para teatro e música. As suas ilustrações humorísticas, assim como a banda desenhada, começam a ser publicadas a partir de 74/75, no “Ivaristo”, “Visão”, “O Ovo”, periódicos de que foi co-fundador, assim como trabalhou no “Pão com Manteiga”, “Bisnau”, “Revista São Carlos”, “Gazeta de Artes e Letras”, “Artes Plásticas”…

Desenhador por facilidade criativa, é «humorista por necessidade satírica, por necessidade de me defender de uma grande quantidade de coisas a que se convencionou chamar vida, rindo-se delas à minha maneira, mesmo que o riso seja às vezes um esgar ou um vómito do nosso interior. Para mim, humor é sair à rua e ainda conseguir sorrir, razão pela sou inserido no tipo designado como humor negro.

É obvio que quando eu era miúdo não tinha estas filosofias, era uma necessidade de expressão, o prazer de mexer nos lápis e nas tintas, fazer as grande anomalias, imitar o meu pai ou todos os bonecos que eu via».

A sua obra adolescente parte das influências psicadélicas da época, para se desenvolver num traço um tanto «barroco-futurista», que agora se vai sintetizando, integrado nas correntes da vanguarda internacional da BD e do cartoon. Não sendo indiferentes às correntes estéticas que vive no seu constante viajar pelo mundo, é contudo a expressão de um mundo individual, uma visão incisiva e mordaz, inconfundível, que o destaca entre os artistas contemporâneos. Entre os vários “tiques” gráfico-humorísticos, verifica-se a robotização dos indivíduos ou a sua animalização, porque, mesmo «vivendo numa civilização tão grande, tão civilizada, no fundo, nas coisas mais importantes, reagimos como bichos».

Este grande artista, apesar (ou por causa) das suas qualidades estéticas e humorísticas, é um ausente dos periódicos, do contacto com o público, e se em parte há uma certa culpa dele, ao consentir que isso aconteça, também o é dos responsáveis pelas publicações insensíveis á qualidade, á necessidade de dar humor a um público leitor que se leva muito a sério na sua miséria de povo saudoso e brejeiro.


Caricaturas Crónicas: PENÚRIAS por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 2/11/1987

Quando as mentes dos governantes não têm a tranquilidade dos homens honestos e honrados, quando os interesses da nação são apenas os de alguns, c não querem ser incomodados pela ralé que clama pelo seu, optam então pela censura, como se só por isso fosse possível calar as mentes livres dos outros, fosse possível matar a fome de justiça e verdade.

Para os que trabalham na Comunicação Social, a censura, sendo um entrave da sua labuta, não é o seu silêncio. Redobram-se então as canseiras, não vá uma palavra, assunto, magoar a sensibilidade das mentes estupidificadas dos censores, não vá algo sair do seu controlo. Isto, claro, para quem não se vende à comodidade dos vendidos, para quem a informação verdadeira tem mais importância que a mentira, e, se nada apaga as mentes caladas, também há fórmulas das palavras caladas, dizerem coisas importantes. E essa a ginástica que o profissional da escrita e da comunicação tem de fazer, sempre que as sombras obscuras da ditadura procuram sufocar a luz.

O humor, como indiscreto meio de dizer coisas alegres e preocupadamente, naturalmente, sofre também com a tesoura e o lápis azul da censura, e não raras vezes o «boneco» teve que ser refeito ou a sua legenda mudada. De todos os temas, é a ironia sobre os governantes e seus actos, a sátira à justiça praticada, que sofre mais com a proibição e perseguição, desleixando-se como contrapeso a anedota social, o humor com as pequenas dificuldades da vida, como é a penúria, a eterna companheira do povo.

A penúria, em palavras menos bonitas, é a miséria que não é exclusiva das ditaduras, e já na monarquia o humorista comentava em verso: «O pobre Zé depenado / tanto pagou o patau / que chegou àquele estado / d'escalado bacalhau.»

«E se isto vae n'este andar / e se a coisa mais caminha / há-de acabar por ficar / reduzido a magra espinha.» (J. M. Pinto, in «Charivari», de 18/2/1899.)

Na Primeira República, após o falhanço da mudança, interroga-se o caricaturista: «Como será que os pobres é que pagam tudo se eles não têm nada? --É que os pobres pagam com o melhor dos dinheiros, com a pele» (Leal da Câmara, in «O Miau» de 4/2/1916.)

Com a revolução de Maio, a miséria não se alterou, apenas a penúria cresceu para alguns, e a ditadura tentou escondê-la melhor. O humor censurado teve então possibilidades, bem controladas, de fazer piada, como ironia dos sofredores, como humor das consciências ricas: «Grandezas dos Pobres: - Que estás a comer? - Fava-Rica. - Ainda não perdestes a mania das grandezas.» (Jorge Barradas, in «Sempre Fixe», de 14/10/1926)

«Quinta-Feira da Espiga - É bom apanhar a espiga neste dia, porque quem a apanhar terá pão todo o ano. - Sim?! E que ervas havemos de apanhar para termos bacalhau e batatas?» (Stuart, in «Sempre Fixe», de 23/6/1933)

Como melhor censura, o Governo proíbe a mendicidade, pensando que dessa forma acabava com a pobreza, que apenas não queria ver, mas que andava à solta pelos bancos de jardim e demais naturezas: «Onde moras agora? - Não tenho casa, moro por aí... - Tem graça... sou teu vizinho» (Stuart, Ín «Sempre Fixe», de 2/4/1942).

Para que haja pobres, tem que haver ricos, nesse balanço social tão necessário para o equilíbrio estável, e, se uns «trinca-espinhas», outros «trinca fortes», no poema épico que é a vida: «As batatas e os feijões tão desejados / Que este Portugal outrora cultivava, / por sítios já de nós ignorados / passaram para o rol das coisas raras / e em perigos e guerras aturados / para as arranjar muito mais caras / certos gananciosos edificaram / mercado negro, que tanto exploraram!» (Sequeira, in «A Bomba», de 2/7/1946.)


Friday, January 08, 2021

the Third International ARTOONIST Cartoon Seasonal festival \WINTER2021


The idea for the seasonal cartoon festival was formed by a group of popular artists called "ARTOONIST" in 2020. The group of artoonists intends to review the best cartoons published and received on a seasonal basis, and to select and introduce the best cartoons of the season. In each season, 3 of the best cartoonists around the world will judge the works and republished in the Catalog and Instagram by "ARTOONIST".

Subjects:

1-The world after Corona virus

2-free

judges:

1-Ricardo Ferreira\Portugal

2- Randy Bish\USA

3- fahad al zadjali\oman

Cartoon Section Awards :

In each section, the first three to the third person will be awarded honorary diplomas.

Deadline:

20 march 2021

Email for sending cartoons :

artoonist20@gmail.com

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Catalog of the 1st Internationa ARTOONIST Cartoon Seasonal festival - Summer 2020

https://drive.google.com/file/d/11oQYvfitA16POTn5Rxr_qbh_K5HjZtmq/view?usp=sharing


Caricaturas Crónicas: «Cândido Costa Pinto um caso de surrealismo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/12/1987

 Cândido Costa Pinto foi um homem que conjugou a terapia do humor com o jogo surrealista dos sonhos; se não na vida, um tanto ao quanto mística, pelo menos na concretização / expressão estética.

 

Conjuga-se muita das vezes a terapia do humor com o jogo surrealista dos sonhos, em que ambos são a catarse da vida, que pesa sobre o ser humano. Rir é tão magnífico como sonhar, principalmente quando se realizam ambos os momentos em estado de «acordados».

Cândido Costa Pinto foi um homem conjugador dessa catarse, se não na vida, um tanto ao quanto mística e depois depressiva, pelo menos na concretização / expressão estética. Nascido na Figueira da Foz, a 20 de Maio de 1911, altura em que os Humoristas, em Lisboa, se preparavam para a primeira «campanha» modernista. Passaria depois por Coimbra, antes de seguir para Lisboa, onde, em 1932, fundou o grupo dos «Divergentes» (na oposição à «Presença») em defesa do tal «modernismo» que, apesar de passados vinte anos, ainda não tinha conseguido impor-se como a cartilha dominante.

Oriundo de uma família com tradições nas artes decorativas, desde muito cedo se viu ligado a todos os segredos da técnica e efeitos plásticos, adquirindo grande facilidade de execução e ecletismo.

As artes decorativas eram o género que melhor acompanhavam a vanguarda possível, e foi nesse âmbito de «modernidade», em que a linha é a síntese caligráfica da expressão, que Costa Pinto se integrou no mundo da caricatura.

Explorando a exageração, que seria designada por «biomorfismo», de traço negro, ele criará uma obra impressa no “Sempre Fixe”, “Diário de Lisboa”, “Diário Popular”, “Vida Mundial”… caricaturando as grandes figuras da política internacional. Nesses tempos de censura ditatorial, era esse o campo possível desta arte, sem grande abertura para outros voos risíveis, senão o sonho do pesadelo terminado. Nesse trabalho de humor gráfico encontramos um surrealismo consciente onírico de critica caricatural.

Tal como os outros companheiros de sobrevivência artística, a caricatura era apenas um dos vários ramos de criação, paralelo à actividade de decorador de salões, salas e montras; publicista de cartazes; ilustrador de selos postais; colaborador de jornais na defesa / debate de questões de urbanismo e turismo… Se, de todas as actividades, a de pintor foi a que lhe deu mais nome, certamente não foi a que lhe deu mais dinheiro, já que nesses tempos a pintura ainda era uma arte pouco requisitada perlo colecionadores.

Pintor de grande habilidade técnica, produziu uma obra irregular, em que as melhores experiências o levaram a ser admirado, em 1947, na Exposição Internacional de Super-Realismo, em Paris, e de conquistar o Prémio Amadeu de Souza-Cardoso no Salão dos Modernistas – SNI, em 1951.

Ele surge na pintura em 1942, numa visão de «fuga à realidade», em que o surrealismo de inspiração daliniana lhe traduz uma atitude profunda de visão mística, e em que a poética do sonho se confunde com os pesadelos do mundo, turbos nesses anos quarenta.

Foi provavelmente dos primeiros pintores «surrealistas», numa opção consciente, a trabalhar em Portugal sob aquela visão estilística, porém isso não impediu que na formação do Grupo Surrealista, em 1947, ele fosse impedido de integrar-se no grupo, como banimento da estrutura que queria assumir uma certa oposição ao regime. É que ele havia cooperado com os artistas que expunham regularmente no SNI – Secretariado Nacional de Informação, órgão cultural do Salazarismo na campanha da «Política de Espírito»,. Desenhada por António Ferro (e verdadeiro defensor de uma vanguarda possível). Não só expôs, fez trabalhos, como foi consagrado o seu «apoio» com um prémio de modernidade, já referido anteriormente. Os companheiros do surrealismo (de café - Gelo) não lhe perdoaram as suas posições equívocas.

Passaria posteriormente por uma tendência geometrista, até que, em 1963, partiria para o Brasil na conquista de uma paz económica, abandonando em parte as artes plásticas e onde morreria em 1977.


Caricaturas Crónicas - «O John Bull» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 11/10/1987

 Os símbolos nacionais criam-se por necessidades patrióticas, e se o Zé Povinho nasceu como desprezo caricatural por um povo amorfo e sem brio, o John Bull nasceu como orgulho taurino, como «fleuma» nacionalista contra os sonhos imperiais de um Napoleão continental e francês.

 

Fazer uma referência ao fim-de-semana completo para descanso, à «fleuma», à pausa das cinco para uma xícara de água quente com um farrapinho… poderiam ser sugestões suficientes para a invocação do nome de um povo, de uma cultura, porque verdadeiras ou folclóricas, elas são referências possíveis, mas turbas, como o é essa infusão de ervas com um farrapinho de natas.

Cultivado nos orientes, difundido pelos sete mares do comércio, bebido sob o «smog (por influencia de uma princesa portuguesa), o chá-infusão serve-se no bule?

Os povos têm nomes, tal como as pessoas na sua indidualização e Joões existem por todas as partes, mesmo disfarçados de Johns, assim como há bules, porque chá bebe-se em todo e qualquer sítio. Porém, John Bull só existe um, transformado em símbolo caricatural de um povo insular, famoso nos tempos passados pela sua educação espartana e um tanto puritana, que com a suas etiquetas de «gentleman» e conversa «snob» tem pirateado os cinco mares, tem conquistado continentes à espadeirada, como exorcismo ao sufoco insular do seu mundo privado.

Os símbolos nacionais não nascem como cogumelos, criam-se por necessidades patrióticas, e se o Zé-Povinho nasceu como desprezo caricatural por um povo amorfo e sem brio, o John Bull nasceu como orgulho taurino, como «fleuma» nacionalista contra os sonhos imperiais de um Napoleão continental e francês. Surgiu como «sense of humor» contra o «esprit».

Esse orgulho de raça, desenhado primeiro como um boi aliado á Britânia, passou posteriormente a ser representado como uma bojuda personagem, bem alimentado pelas colonias que foi invadindo e conquistando aos outros, de faces rubras pelo sangue derramado pelos Drakes, e que na sua soberba de império foi conquistando inimigos.

Portugal e a Inglaterra, diz a História e os documentos, têm a mais velha aliança do mundo entre nações, contudo várias vezes essa aliança foi «traída» pelos segundos, e o John Bull considerado como um dos piores inimigos da nossa soberania e nacionalidade, nomeadamente pelo zé-povinho, mais atreito a estes sentimentos ressentidos.

Se raramente o John Bull surge na nossa caricatura como um aliado amigo, na segunda metade do século passado era esta a sua imagem:

«No seu aprumo de pessoa fina / o John espanta uma cidade inteira / e anda a cahior de bêbado, se apanha / de vinho bom, sortida garrafeira.

E d’ouro tendo os cofres atulhados / pois que do céu parece que lhe cai / para roubar-lhe a caixa do relógio / John é capaz d’assassinar o seu Pai.

Enfim! Enfim! É um vicioso e mau! Na city espalha o grito de terror / e o mundo aponta o nome seu, dizendo / - É John Bull, o Jack, estripador(Almeida e Silva in «Charivari» de 22 /2/1890).

Sentindo estripado no orgulho e na aliança, por mor de um Ultimatum, as simpatias não eram muitas nesse fim de século: «Cathicismo Anglo-Germânico: Obras de Misericórdia – Tirar a camisa a quem a tiver» (Nogueira, in «Pontos» de 16/7/1899); pondo, sempre que possível o Zé de sobreaviso: «A amabilidade Inglesa – O rapazinho Zé anda mal arranjado, trás uma gravata que é uma indecência. John Bull, caridoso, dá-lhe uma nova e leva a sua amabilidade até ao ponto de lha pôr ao pescoço. Mas quando lhe der o nó hão-de ver como ele aperta com força (esganando-o)» (Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro in «António Maria» de 9/7/1892); ou «Caricias de John Bull – Eis como a Inglaterra nos abraça e nos beija, levando-nos a carne, a bolsa, e o fato. Abraços de tigre, beijos de Judas. Bandidos!...» (A.Silva in «Charivari» de 25/1/1890).

Deu-se pois, nesses tempos, o confronto entre o Zé despeitado, e um John Soberbo, mas pleno de «humour» superior, e mesmo difamado, insultado, querelado, nunca deixou de se instalar com os seus negócios indústrias e cultura onde mais lhe aprouvesse. Nada bule com o John Bull, devido ao seu lado «desportivo». Inventor do futebol, desporto-rei da actualidade, e de outros desportos não menos monárquicos, podemos descortinar melhor o seu espirito, através desses mesmos: uma multidão atrás de uma pequena coisa /objectivo vitorioso, num jogo de regras, fáceis de ludibriar, se tiver arte para isso.

Os tempos passaram, as querelas esqueceram-se, as colónias perderam-se, as alianças reinstalam-se, e se hoje já não há tanta «fleuma» nem «smog», o chá continua a ser campeão de costumes, e o John Bull, um tano antiquado permanece na sua função orgulhosa de símbolo desse povo inglês.


Thursday, January 07, 2021

Desenho Humorístico – A sátira como opinião (Inquérito) por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 22/11/1987

O tempo vivencial de uma sociedade, de um povo, é não só regulado pelos segundos, horas ou anos, mas também pelas modas, políticas sociais ou materiais, as quais resultam de necessidades ou desnecessidades, em supérfluo vivencial.

Houve já tempo de humor e desamores, em que o traço caricatural era uma necessidade catártica contra o poder rotativista ou opressor, contra o regime ou a obesidade. Foi num desses regimes prolongados que o povo português foi perdendo o apetite do riso, em que a irreverência e a sátira foram sublimadas pelo leve sorriso de circunstância, ou pela gargalhada do ordinário.

No lugar do humor ficou a ignorância, a passividade, o medo de fazer crítica e susceptibilizar o poder, donde de compreende a actual falta de ousadis humorística, a falta de periódicos da especialidade, e a precariedade da sua existência nos jornais, em tempos de vacas (que não riem) magras.

Hoje, a moda nas Belas Artes é a criação de bienais, que proliferam fundamentalmente na província, como aposta de alguns interesses locais, do que como resposta a uma necessidade cultural declarada das populações.

Este é também o caso do Salão Nacional de Caricatura de Vila Real (de que sou director), que pretende ser anual, e que nasceu sob Patronato de Stuart Carvalhais, o artista vila-realense. Integrado na moda dos salões, inclui-se também na moda dos prémios de jornalismo, consagrando finalmente o único género que ainda não tinha galardões para os seus criadores, os «humoristas-caricaturistas».

Ser «humorista» de jornal, não significa ser um contador de anedotas, um provocador de gargalhadas ou sorrisos, mas um jornalista que utiliza o traço como crónica, a deformação como desmaqueador, a sátira como opinião. Foram estes os profissionais que expuseram as suas obras no Salão Nacional de Caricatura de Vila Real, e a quem pusemos as seguintes questões:

1) Considera-se jornalista, artista plástico ou simples «desenhador de bonecos»?

2) Como encara o desenho humorístico no jornalismo português actual?

3) Que importância atribui ao Salão de Caricatura de Vila Real, e à atribuição de prémios a desenhos de humor publicados na imprensa portuguesa?

(Neste inquérito faltam as intervenções de António (que foi o autor do cartaz) , por se encontrar fora do país, do Zinid, por se desconhecer a sua identidade, e a Adam, por impossibilidade do momento)

 

ANTÓNIO MAIA - O RISCO, A MANCHA, O RIGOR, O GOZO

1) O cartoonista é um jornalista e um artista plástico. Jornalista como a crónica diária, ou a opinião com o estudo; artista plástico (não de «plástico» como muitos pensam), pois faz os seus artigos desenhando a vida real, a política, o sonho. O traço, o risco, a mancha, o rigor, o gozo. Artista plástico e jornalista. O cartoonista, eu, considero-me a simbiose. Sou jornalista, quando estou atento aos passos da rua; quando procuro tirar um certo surrealismo à vida obrigatória; quando, entro na eterna batalha Poder-Povo, entro nas trincheiras da frente, olhando um lado e outro; quando consigo transmitir, com a mesma força a profunda emoção e o grande escândalo. Sou artista plástico, porque transformo em imagem, em traços, em força, em real, em surreal a cor da vida.

Paciência: Somos Jornalistas.

Paciência: Somos Artistas Plásticos.

2) Geralmente encaro-o de frente. Geralmente sóbrio. Geralmente acordado. Geralmente..

Os jornais que o encarem também e sempre com a importância que o humor e o cartoon têm na sua imagem.

3) O Salão de Caricatura de Vila Real é uma iniciativa de máxima importância para nós, cartoonistas da Imprensa portuguesa. Representa a saída da pressão quotidiana e a possibilidade de toda a gente poder ver, analisar, criticar já fora do contexto e portanto sem a paixão do momento, as obras que os cartoonistas fazem. É um Salão digno, enorme no significado. Como o seu promotor: o enorme Osvaldo de Sousa.

 

AUGUSTO CID: LAMENTÁVEL A FALTA DE ESTATUTO

Pessoalmente, creio que nenhum cartoonista em Portugal se preocupa demasiado em saber sé é um jornalista, um artista plástico ou um simples desenhador de «bonecos». É provavelmente todas essas coisas ao mesmo tempo e muitas mais. O que é de lamentar é que essa importante forma artística de intervenção na Imprensa escrita, não possua um estatuto próprio, nem qualquer tipo de protecção. Os cartoonistas políticos, em Portugal, são ainda hoje considerados como marginais, uma espécie de mal menor a que os jornais se vêem obrigados a recorrer na tentativa de trazer alguma vida às páginas repletas de «linguados» cinzentos, a que nem já os títulos sensacionalistas conseguem chamar o interesse dos leitores.

A maior parte das pessoas desconhece o enorme trabalho de pesquisa por detrás de cada desenho e tem tendência para olhar apenas para o lado humorístico ou caricatural.

É na maioria das vezes subestimada a importância da crítica desenhada, mas a classe política sentiria um enorme alívio com o desaparecimento dos poucos cartoonistas existentes. Constituímos uma «espécie» em vias de extinção, e nenhum governo chorará o nosso passamento…

Aos potenciais artistas não são oferecidos quaisquer incentivos e as exposições, colóquios e debates sobre esta actividade estão, de uma forma geral, ausentes das iniciativas culturais.

Daí, talvez, a importância de que se revestiu o S Salão Nacional de Caricatura de Vila Real, que, funcionando como uma pedrada no charco, necessitará, no futuro, de outro tipo de apoios e interesse por parte dos órgãos de comunicação social e organismos oficiais, se quer de facto provocar algumas ondas nesse charco…

Mas no charco permanecerão os desenhadores portugueses ainda por longos anos (se resistirem até lá), fechados no seu orgulhoso individualismo, e na sua irredutível independência, características que marcam o verdadeiro catoonistas, mas que, simultaneamente, o conduzem ao isolamento em que ele hoje se encontra.

Para além de exposições e prémios que encorajem o aparecimento de novos talentos, era fundamental criar uma escola de desenho humorístico, à semelhança do que já existe em muitos outros países.

 

FRANCISCO ZAMBUJAL: MULTIPLICAR SALÕES COMO O DE VILA REAL

Creio que todos nós começamos por ser – e no fundo nunca deixaremos de ser – desenhadores de bonecos. Se esses desenhos, por engenho e arte de cada um atingiram um nível que permitiu e justificou a sua publicação regular em jornais, então o desenhador terá, em maior ou menor grau, alguma coisa de artista plástico. Por outro lado, um bom «cartoon» ou uma boa caricatura podem, pelo seu sentido crítico, produzir maior impacto que muitos artigos escritos. Nessa função o cartoonista, ou o caricaturista são, sem dúvida, jornalistas.

Será por reconhecimento desta verdade que o jornalismo português actual vai dando um lugar cada vez mais destacado ao desenho humorístico. A maior parte dos principais jornais têm já o seu próprio cartoonista e aqueles que o não têm, destacam-se pela negativa, isto é, nota-se que falta ali «qualquer coisa»….

É neste contexto que iniciativas como a do Salão de Caricatura de Vila Real se revestem de uma dupla importância: por um lado, atestam e documentam o nível  já hoje atingido pelo desenho humorístico na imprensa portuguesa, chamando para ele a atenção do público e contribuindo para a sua cada vez maior expansão; por outro, constituem um natural incentivo para os desenhadores, uma oportunidade de exporem os seus originais, tantas vezes com um valor artístico superior ao que a sua reprodução na imprensa pode deixar supor. Falta apenas que tais iniciativas se multipliquem e possam ser preparadas com os cuidados e os apoios que merecem.

Quanto à atribuição de prémios pecuniários aos trabalhos, não será o mais importante no que se refere ao desenho humorístico, mas é capaz de não ser mau para os desenhadores…

 

PEDRO PALMA: ABUSO DE «CARTOONS» É PREJUDICIAL

1) Ao Cartoonista, enquanto cartoonista, não cabe isoladamente nenhuma das três definições. No entanto é simultaneamente todas elas. Para se fazer um bom trabalho de «cartoon», tem de haver uma visão jornalística dos factos, fazer uso de uma estética plástica e finalmente saber (minimamente) desenhar bonecos.

2) O desenho humorístico está cada vez mais a ser utilizado pelos jornais portugueses e isso é saudável para a imprensa. De qualquer modo, o abuso de «cartoons» pode  prejudicar um jornar e mesmo o próprio cartoonista, podendo este correr o risco de se vulgarizar. Na imprensa portuguesa verifica-se encontrar «cartoons» do mesmo autor em diversos jornais, por vezes de tendências diferentes. Isso não é bom para os jornais, nem para o cartoonista.

3- Nenhuma presentemente. Talvez num futuro próximo, se a Imprensa e os autores cumprirem um papel quem lhes cabe: apoiar, divulgar e participar. A iniciativa, essa é louvável.

 

SAM: ARIDEZ DE PAISAGEM NO DESENHO DE HUMOR               

1) Jornalista e artista plástico.

2) Como coisa natural, tratando-se de jornalismo português actual.

3) Desde há longos anos que em numerosas cidades e vilas deste planeta se realizam salões (internacionais) de humor desenhado. Em Portugal, o atraso também se manifesta neste domínio.. Na Jugoslávia, por exemplo, o grande número de participantes (adestrados na florescente indústria de filmes de animação) concorre para legitimar o conhecido Salão de Skopye. Em Gabrovo, na Bulgária, existe uma imponente Casa do Humor e da Sátira que apoia o respectivo Salão. Em Itália, temos uns seis ou mais salões anuais. No Japão, Canadá, México, Brasil, Alemanha, Bélgica, França, Cuna, também acontecem salões desta natureza.

Para tentar explicar a aridez da nossa paisagem no campo do desenho de humor (de imprensa, caricatura, etc) talvez convenha lembrar que, entre nós, as publicações de humor sempre tiveram uma existência efémera. De realçar, por isso, os jornais que teimam em manter vivo este tipo de voz – a desenhada – assim como todas as manifestações que promovam a divulgação desta meritória atitude.

 

VASCO DE CASTRO – NÃO É A ÉPOCA DE OURO DA NOSSA CARICATURA

1) Tudo isso ou menos, e vice-versa. «Bonecos» também Picasso os fez, e a família não lhe caiu na lama. O desenho de humor e satírico é na sua origem histórica, e como o nome indica, arte plástica. Por definição comunga da estética. Cumulativamente é também jornalismo, porque integra regras do jornalismo. Seja, com o rabo assente em dias cadeiras, daí, aliás, uma das suas especialidades mais fascinantes.

2) Mal e bem. Mal, porque os autores, a todos os níveis profissionais e estéticos são ainda parolamente tomados por minoria cultural «aciganada» (pasme-se o Sindicato dos Jornalistas não os reconhece e a Lei da Imprensa ignora-os).

Bem, porque uma dúzia de autores (exagero) mantêm uma boa dose de vitaminação moral e física para insistirem. Não obstante condições profissionais precárias…

Mau, porque  não será a época de ouro da nossa caricatura (com melhores brilhos noutros tempos), ainda a ajustar contas com algumas velhas heranças.

Bem, porque no adormecimento e retrocesso visível de qualidade da nossa imprensa, os desenhos não desmerecem e são aí porventura o sector menos acinzentado (franco-atiradores forçados dão o «litro»).

Mau, porque os jornais não lhes oferecem o mínimo de condições e são obrigados a procurar outras fontes de subsistência.

Bem, porque virão mudanças  imprescindíveis, sob risco de sufocamento (futurologia esperançosa).

3) Importância?... Por mim e pelo que disse – Imensa! O que não coincide com os critérios de bastos jornais, distraídos como de costume. Enfim… Trata-se de uma data, e votos faço por as forças vivas de Vila Real aproveitarem a fundo a ideia. Quanto aos prémios, é o que menos conta, contingentes que são, e relativos por definição. Mas conviria reforçar-lhes o significado, inclusive nos seus montantes pecuniários.

 

JOSÉ DE LEMOS: TODAS AS ARTES SÃO JORNALISMO

1) Pela obrigação de ter um sindicato, estou inscrito e considero-me como jornalista, só que para mim todas as artes são jornalismo, em vertentes diferentes.

2) o desenho deve ser uma crítica aos costumes, deve ter um fundo de moral, civismo, deve ter uma finalidade generosa ou castigadora, e por tudo isto é importante a sua presença no jornal, é uma componente essencial, e que creio estar com um certo relevo nos jornais actuais.

3) Acho bastante importante que existam esses salões. Quanto aos prémios são sou bem a favor, nem a desfavor, porque sem se querer pode-se cair em indelicadezas, ferirem-se susceptibilidades. As pessoas, desenhadores ou não, devem fazer as coisas com gosto e o melhor prémio é a aceitação pelo público do nosso trabalho.

Mas, se já havia prémios para todos os outros géneros jornalísticos, porque é que não haveria de haver também para a ilustração humorística?

 

PS: Consegui manter este Salão Nacional de Caricatura de Imprensa durante vinte anos. Em Vila Real só ficou um ano e tive de procurar novo parceiro em 1988. Passei para o município de Porto de Mós onde fiquei durante três anos (1988, 1989 e 1990), mudando-me finalmente para Oeiras, em 1991, onde consegui sobreviver até 2006. As mudanças verificaram-se por questões económicas, o mesmo acontecendo com o seu fim em Oeiras onde o autarca defendia que não deveria gastar mais dinheiro com o humor com Prémios Nacionais que deveriam ser outorgados pelo poder central. De todas as formas ainda foram vinte anos de dinamização, e divulgação desta arte


Caricaturas Crónicas – «Raphaelismo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 29/9/1987

O Raphaelismo, sendo uma escola, um estilo que vive desde os finais do século XIX, como traço «barroco-decorativista», é também a designação de um período específico da história da caricatura, que se pode demarcar entre 1880 e 1910.

 

Cada época tem a sua forma de encarar a vida, com seus gostos, ideias, modas ou estilos. A arte, como componente integrante da sociedade, porque reflexo do ideário estético, é sem dúvida um dos elementos que melhor caracteriza o estilo de cada época, e assim se sucedem calmamente os períodos ditos renascentista, maneirista, barroco, neoclássico… até que com a revolução do século XIX tudo se precipitou, deixando o tempo de ser medido por séculos, mas décadas, ou simplesmente por «modas».

Não há duvida que foi o desenvolvimento dos meios de comunicação e da Imprensa que provocaram esta aceleração, democratizando e divulgando as «novidades», quebrando estruturas que anteriormente estavam restritas apenas a uma pequena elite. A reprodução joga então uma função crucial no âmbito da cultura e das artes, já que veio destruir a sacralidade da obra única, multiplicando as imagens da mesma obra, dando-as a conhecer a meio mundo, embaratecendo a arte, criando seus sucedâneos, alterando a visão do mundo.

Uma das formas de visão, das que existem, é a humorística, a qual desde sempre acompanhou o homem na sua história, porém, com o liberalismo e com o desenvolvimento da Imprensa, vai ganhar uma nova dinâmica de intervenção social e política.

Em Portugal a Imprensa surge só quase no final da primeira metade do século XIX, encontrando-se já o jornal satírico nos anos 40/50, em que o espírito humorístico é sufocado pelo ódio sarcástico e caustico aos governantes, numa intervenção rude de ambas as partes, ou seja, periódicos / governo, o que obriga o anonimato dos caricaturistas.

A seguir, vem o «realismo», como intervenção estética numa arte que apenas se servia da sátira e do retrato para atingir os seus fins pinturescos. Entretanto, nos anos setenta surge Raphael Bordallo Pinheiro, conciliando humor-ironia com a estética naturalista, numa fórmula de intervenção social mais liberal, a opinião.

Raphael foi um grande artista na fórmula e no tempo certo. Antes dele já tinha havido alguns razoáveis humoristas, como haverá várias centenas depois dele, contudo faria a diferença, e inclusive a viragem de forma de estar jornalisticamente nesta arte. Ele foi um dos mestres da caricatura que se dedicou basicamente a este género artístico, desenvolvendo-o até ao seu limite, tal como o farão outros mestres como Leal da Câmara, Celso Hermínio, Francisco Valença, Stuart Carvalhais, Amarelhe, Teixeira Cabral… mas nenhum deles conseguiu criar uma «escola» estilística. Os estilos, desde o realismo, passando pelo pré-expressionismo, modernismo, expressionismo, síntese abstracionista…. Sucederam-se, tanto na caricatura como nas demais disciplinas de arte, mas o rafaelismo, nas artes de imprensa, sobrepôs-se a todos eles, mantendo ainda hoje discípulos no naturalismo caricatural.

Christiano Cruz, nos anos 10 do séc. XX, queixava-se já da fórmula satírico-política em que seus companheiros tinham caído, acusando-os de meros imitadores de Raphael, não só no traço, como na abordagem dos temas políticos. Acusava-os de imitarem as mesmas «imagens» humorísticas, mesmas alegorias, metáforas… e os humoristas modernistas queriam ser precisamente a ruptura, um movimento contra «ditadura» do rafaelismo, o academismo da arte caricatural.

O Raphaelismo, sendo uma escola, um estilo que vive desde os finais do século XIX, como traço «barroco-decorativista», é também a designação de um período específico da história da caricatura, que se pode demarcar entre 1880 e 1910. Nesse período houve Raphael Bordallo Pinheiro, os raphaelistas mais ortodoxos ou simples influenciados. Houve o Sebastião Sanhudo, o retrato caligráfico da vida portuense; Julião Machado, o decorativismo “fin de siécle” na teatralidade lisboeta; Leal da Câmara, o panfleto ácido antimonárquico em traço pré-expressionista; Celso Hermínio, a modernidade prematura numa sociedade conservadora…

Nesse período, a caricatura e o humor gráfico eram a arma activa da oposição, uma opinião interveniente da sociedade, uma arte viva no quotidiano, e os periódicos, sobrevivendo ou não, eram vários em convivência simultânea, havendo sempre várias publicações nas bancas, tal como o «Pae Paulino», «Sorvete», «Charivari», «Micróbio», «Pontos», «Pontos e Virgulas», «O Penacho», «A Corja», «O Alfacinha», «Ridículos», «Maria da Fonte», «Maria Rita», «Cavaqueira Política», «A Algazarra» … onde sobreviviam artistas medíocres de desenho infantil como o Augustos, João Cabral, Jacinto Navarro, N. Santos, Mariares, Constantino, Gil, Bráz, E. Castro, Raul, Pires Guimarães, Humberto Morais, Chico Lisboa… ou de um traço escolar, mas com maior domínio gráfico como Joaquim Costa, Almeida e Silva, Santos Silva, Simões Júnior, Nogueira, Sousa Nogueira… os quais, em obras «correctas», numa intervenção directa no seu tempo, pouco mais deixaram para a história das artes, do que a reprodução das suas obras dentro da escola rafaelista.


Wednesday, January 06, 2021

Caricaturas Crónicas: «António Soares, o mundanismo humorístico por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/9/1987

António Soares é um daqueles artistas que, nascidos numa terra oitocentista em evolução lenta, quiseram empurra-la para uma certa vanguarda, para o século XX.

 

«Atender as necessidades espirituais do povo, comunicando com ele por intermédio de uma arte que fosse a expressão sincera do seu modo de ver, é questão que não entrou ainda no programa dos meus colegas, que até hoje têm feito arte que unicamente delicia a vista, sem no entanto ter fim nenhum útil.

E como a falta de observação deste princípio, conduz a uma desorientação que muito prejudica e contraria as suas aspirações, desde que os nossos artistas não sintam com grandeza, as coisas portuguesas e não façam sentir de uma maneira superior o seu lado belo, cairão forçosamente numa assimilação servil, como sobejamente o têm demonstrado.

Se os nossos artistas cultivassem sem snobismo o amor das nossas coisas, acabariam por se convencer de que nem só o estrangeiro tem carácter… Mas dirão agora os críticos: o que têm então os senhores feito até hoje? Olhe: temos trabalhado para a pasta, para os amigos, para a família e para V. Exª.

/…/ Não vejam em nós intuitos reaccionários de contemporizar com o passado; temos de fazer compreender a esses cavalheiros que Bordalo viveu no seu tempo e nós queremos começar a marcar o nosso». (Entrevista na «República» a 25/5/1914. Desta forma se manifestou um jovem artista, de nome António Soares, quando dava os seus primeiros passos nas artes.

António Soares é um daqueles artistas que, nascidos numa terra oitocentista em evolução lenta, quiseram empurra-la para uma certa vanguarda, para o século XX. Só que, a vida obriga-los-ia a contemporizar com a sociedade, e trabalhar para a «pasta» e para os amigos.

Natural de Lisboa, onde nasceu a 18 de Setembro de 1894, descobriu muito cedo os seus interesses artísticos. «Em verdes anos, por um acaso maravilhoso, veio-me para ás mãos o “Tratado de Pintura” de Leonardo da Vinci, em latim que li e reli, com o auxílio alheio, para o entender. Estava manifesto o segredo da minha vida».

Após esta descoberta vocacional, ingressou na Escola de Belas-Artes, em busca de uma base de sustentação, só que nessa escola o tempo estético tinha parado já há algum tempo, e em vez de paz só encontrou desorientação e dúvidas. Era uma juventude obrigada a viver num tempo que não era o seu.

«A minha geração começou a ter consciência de si, no período que se sucedeu à proclamação da República. Discutia-se e negava-se abundantemente. Como não podia ficar eternamente na crise de crescimento, assentámos em superar a anarquia em que fervíamos, decidindo-nos pelo passado ou pelo futuro. Interrogámos o estrangeiro e, depois de algumas hesitações, eu e outros rompemos a luta pelo nosso ideal». Essa luta, seria a introdução de uma certa vanguarda estética, conhecida por modernismo.

Essa pequena revolução entrou pela via humorística, e desta forma encontramos toda a primeira geração modernista a dar os seus primeiros passos «com graça». Só que essa, não era a sua verdadeira orientação filosófica e passados os humores juvenis, procuraram abandonar esta linha de irreverência crítica.

Porquê a via humorística? Primeiro, pela facilidade de exploração de um trabalho num campo artístico bem aceite e admirado na nossa sociedade, sendo ao mesmo tempo mais ou menos bem remunerado para o artista; em segundo, porque era mais fácil atingir os conceitos ditos modernistas na síntese da linha, do que na composição espacial e colorista da tela; terceiro, porque correspondia directamente a uma irreverência própria à juventude que despoletava o movimento.

António Soares era pois um humorista por circunstância estética, explorando um expressionismo sentimentalista, conjugado como mundanismo, o qual será o eixo de toda a sua obra. Companheiro de Christiano Cruz e Almada Negreiros, expositor nos Salões dos Humoristas, onde apresentou as suas primeiras obras em 1913, Soares nunca chegaria a libertar-se totalmente das regras apreendidas na Escola de Belas-artes.

Nos finais dos anos 20, o humorismo deixava de ser necessário como expressão e como sobrevivência jornalística, optando pela ilustração, pela decoração e cenografia. Neste último campo desenvolveria um vasto trabalho na maioria dos teatros da capital, e chegaria a trabalhar para o cinema português.

Pintor do mundanismo e da sensualidade, prolongaria no modernismo o sentimento decadentista, numa crise de evolução de um pintor em busca de um modernismo fauvista, na recusa do internacionalismo a favor do nacionalismo, na procura do «amor das nossas coisas» caindo no «snobismo» pseudo cosmopolita. No fundo, nunca deixaria de ser um modernista em admiração pelo oitocentismo: «Quais os seus pintores predilectos? – Columbano, Malhoa, Carlos Reis e António Ramalho, injustamente esquecido, Silva Porto e Pousão. Sinto que eles constituem o valioso escol do génio pictural da raça».


Caricaturas Crónicas «A PARÓDIA POLÍTICA» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 2/8/1987

 Os governos formam-se... caem. Os políticos elegem-se... substituem-se. A única que sempre persiste no tempo e no espaço é a Política, essa "Porca" que dá de mamar a todos, seja de que quadrante for, desde logo que o queira.

Mudam-se os nomes, não se mudam os costumes («os portugueses são essencialmente conservadores. (...) Se nós mudamos com frequência de fato, nos recusamos obstinadamente o mudar de ideias» (R.B.P. in a Paródia), e o Raphael Bordalo Pinheiro (com apoio de seu filho Manuel Gustavo), o «historiador» caricatural da política oitocentista bem o sabia, o que o levou quase como testamento, a visualizar a política em símbolos animalescos.

Foi na Paródia, quando a velhice o afastava de Lisboa, e o século procurava virar a página. Surgiram então, espaçadamente, as várias caricaturas do poder político como acto de governação. Anteriormente já tinha «consagrado» o Rei Fontes, criado o albardeiro «Zé Povinho», definido o político da seguinte forma: «Todo o homem político do nosso país é honrado, honesto, trabalhador, probo, virtuoso, etc. - antes de ser ministro. Depois de ministro passa a ser pulha, malandro, biltre, canalha, ladrão, assassino, incendiário. etc…». «E, entretanto, todos os honrados, honestos, trabalhadores, probos, virtuosos, etc... não fazem senão diligenciar para trepar, a ver se conseguem deitar a mão ao diploma de pulhas, malandros, biltres...» (in Pontos nos ii, 8/3/1888).

O político quando sobe ao poder altera-se, principalmente no conceito de barriga, o que faz com que tudo o que ele toque se transforme em «albardas» para o Zé, ou em alimento para o grande Zoo.

O Jardim Zoológico de Raphael é, por conseguinte, constituído pelos seguintes animalejos: - «A Grande Porca» (Paródia 17/1/1900), que tudo devora, para se manter em forma e poder dar de mamar aos «barrigas» eleitos. Não se importa de chafurdar nas imundícies, e gasta grande parte da vida a dormitar. As suas tetas são um constante vazadoiro;

- Para que ela tenha a gamela cheia, e em segurança, existe o «Grande Cão - Finanças» (Paródia 24/1/1900), um eterno esfaimado pronto a abocanhar um bom quinhão, um cão-de-fila protector dos deslizes porcinos;

- Companheira do cão, fiel amigo, e esperança dos crédulos está a «Galinha Choca - Economia» (Paródia 7/2/1900), boa poedeira, só que as ninhadas dela raramente medram neste clima, excepto alguns seres enfezados e fracos, o que faz com que o progresso não passe de um «Caranguejo» (Paródia 8/8/1900);

- Ora, para que a desilusão não invada o país, e o zoo, criou-se o «Papagaio - Retórica Parlamentar» (Paródia 16/ /5/1900), que nunca se cala, no desenvolvimento verbal do já dito, no empolgamento do desejo de um dia fazer, no exaltamento da ideia original que todos já tiveram, no emparceiramento com a «Rata - Burocracia» (Paródia 22/8/1900), que tudo mina para a comodidade latente dos «barrigas»;

- Paralelamente, como entretenimento e consolo do Zé cria-se o «Cágado - Beneficência» (Paródia 28/11/1900) e a «Burra - Instrução Pública» (Paródia 16/1/1901), para que ele se possa entreter com a ignorância;

- Não sendo parte do Governo, mas elemento do Poder, existe a «Toupeira - Reacção» (Paródia 24/4/1901), que rói as raízes às pretensões de verdadeiro progresso, às germinações revolucionárias que querem alterar a passividade quotidiana dos «barrigas» instalados, é a força que esburaca os caminhos do País e das cidades.

É este pois o resumo, em visão satírica, do longo conhecimento sobre a paródia política que os Bordallos nos deixaram deste mundo cão.


«Uma Leitura – “Typos e Costumes de Lisboa” vistos por Calderon Dinis» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 20/7/1987)

«Passam-nos como num sonho, a multidão irrequieta das ruas, os gritos do pregão, cheios de vibração e de alegria. Tudo desaparece lentamente do bulício das ruas para nos dar, em substituição, o ruidoso mas sombrio desfilar do pesado camião e do electrico». (Alberto de Sousa)

A curiosidade pelos costumes vivos, ou moribundos deste país pitoresco, provêm primeiro de alguns estrangeiros que por aqui passaram, e registaram pela pena ou pincel tais visões. Pode-se então falar, entre outros, do livro «Costume of Portugal» de Henry L’Eveque, da Colecção de Costumes Servis da Cidade de Lisboa de M.J.D…. Depois dos próprios portugueses, artistas como Manuel Maria Bordallo Pinheiro, Manuel de Macedo, Roque Gameiro… publicando os seus testemunhos em periódicos como «Panorama», «Arquivo Pitoresco», «Ocidente», «Ilustração Portuguesa»… Mas de todos foi Alberto de Sousa quem mais se distinguiu neste mundo picto-etnográfico. Como sucessor destes costumbristas, surge agora a obra de Calderon Dinis.

Calderon Dinis, lisboeta de gema (1902), jornalista de profissão dedicada ao «Diário de Notícias», onde, a par da sua prosa, desenvolveu a ilustração das suas crónicas e contos, em desenho e aguarela. Dentro deste último campo realizou ao longo da sua vida várias exposições. O livro que surge agora é uma continuação desse trabalho, realizado agora à sombra do repouso feito reforma.

É um livro concebido ao jeito de crónica, deixando-nos o testemunho de histórias e factos que sucederam na Lisboa deste século, vividos por ele, e recriados com desenhos, aguarelas e fotografias. Se todo esse percurso literário e ilustrativo tem interesse, é ao sabor da aguarela, tal como já o fizeram os mestres Roque Gameiro e Alberto de Sousa, que se manifesta a parte de maior relevo do livro: a recordação dos tipos de Lisboa.

Não se pode considerar o seu traço no âmbito genial dos referidos mestres, nem tão-pouco de um Stuart… Tom… mas não deixa de ser interessante, num reflexo da segunda geração modernista, pela força da cor no desenvolvimento da linha. Em traço breve e conciso, dá-nos o retrato, pela imagem e palavra, de seres-tipo, abstracções de seres em extinção, ou já desaparecidos, que eram o povo de uma cidade característica pelo seu pitoresco multisocial. Cada «boneco» é pois uma síntese conseguida dessas gentes. Além do desenho e do texto, existe um elemento importante e especial que é o registo musical dos pregões que acompanham cada imagem, os quais muitos deles estão quase perdidos para o estudo musicológico.

Sem ser mais um testemunho etnográfico, é um novo elemento de documentação desta cidade em «substituição», em crescimento para novos tipos ou factos.

«Typos e Factos da Lisboa do meu tempo» Calderon Dinis, Lx / 19865. Ed. Dom Quixote (7.000€)


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