Saturday, January 09, 2021
Caricaturas Crónicas: PENÚRIAS por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 2/11/1987
Quando
as mentes dos governantes não têm a tranquilidade dos homens honestos e
honrados, quando os interesses da nação são apenas os de alguns, c não querem
ser incomodados pela ralé que clama pelo seu, optam então pela censura, como se
só por isso fosse possível calar as mentes livres dos outros, fosse possível
matar a fome de justiça e verdade.
Para
os que trabalham na Comunicação Social, a censura, sendo um entrave da sua
labuta, não é o seu silêncio. Redobram-se então as canseiras, não vá uma
palavra, assunto, magoar a sensibilidade das mentes estupidificadas dos
censores, não vá algo sair do seu controlo. Isto, claro, para quem não se vende
à comodidade dos vendidos, para quem a informação verdadeira tem mais
importância que a mentira, e, se nada apaga as mentes caladas, também há
fórmulas das palavras caladas, dizerem coisas importantes. E essa a ginástica
que o profissional da escrita e da comunicação tem de fazer, sempre que as
sombras obscuras da ditadura procuram sufocar a luz.
O
humor, como indiscreto meio de dizer coisas alegres e preocupadamente,
naturalmente, sofre também com a tesoura e o lápis azul da censura, e não raras
vezes o «boneco» teve que ser refeito ou a sua legenda mudada. De todos os
temas, é a ironia sobre os governantes e seus actos, a sátira à justiça
praticada, que sofre mais com a proibição e perseguição, desleixando-se como
contrapeso a anedota social, o humor com as pequenas dificuldades da vida, como
é a penúria, a eterna companheira do povo.
A
penúria, em palavras menos bonitas, é a miséria que não é exclusiva das
ditaduras, e já na monarquia o humorista comentava em verso: «O pobre Zé
depenado / tanto pagou o patau / que chegou àquele estado / d'escalado
bacalhau.»
«E se isto vae n'este andar / e se a coisa mais caminha /
há-de acabar por ficar / reduzido a magra espinha.» (J.
M. Pinto, in «Charivari», de 18/2/1899.)
Na
Primeira República, após o falhanço da mudança, interroga-se o caricaturista: «Como será que os pobres é que pagam tudo se
eles não têm nada? --É que os pobres pagam com o melhor dos dinheiros, com a
pele» (Leal da Câmara, in «O Miau» de 4/2/1916.)
Com a
revolução de Maio, a miséria não se alterou, apenas a penúria cresceu para
alguns, e a ditadura tentou escondê-la melhor. O humor censurado teve então
possibilidades, bem controladas, de fazer piada, como ironia dos sofredores,
como humor das consciências ricas: «Grandezas
dos Pobres: - Que estás a comer? - Fava-Rica. - Ainda não perdestes a mania das
grandezas.» (Jorge Barradas, in «Sempre Fixe», de 14/10/1926)
«Quinta-Feira da Espiga - É bom apanhar a espiga neste dia,
porque quem a apanhar terá pão todo o ano. - Sim?! E que ervas havemos de
apanhar para termos bacalhau e batatas?» (Stuart, in «Sempre Fixe»,
de 23/6/1933)
Como
melhor censura, o Governo proíbe a mendicidade, pensando que dessa forma
acabava com a pobreza, que apenas não queria ver, mas que andava à solta pelos
bancos de jardim e demais naturezas: «Onde
moras agora? - Não tenho casa, moro por aí... - Tem graça... sou teu vizinho» (Stuart,
Ín «Sempre Fixe», de 2/4/1942).
Para
que haja pobres, tem que haver ricos, nesse balanço social tão necessário para
o equilíbrio estável, e, se uns «trinca-espinhas», outros «trinca fortes», no
poema épico que é a vida: «As batatas e
os feijões tão desejados / Que este Portugal outrora cultivava, / por sítios já
de nós ignorados / passaram para o rol das coisas raras / e em perigos e
guerras aturados / para as arranjar muito mais caras / certos gananciosos
edificaram / mercado negro, que tanto exploraram!» (Sequeira, in «A Bomba»,
de 2/7/1946.)