Thursday, January 07, 2021

Desenho Humorístico – A sátira como opinião (Inquérito) por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 22/11/1987

O tempo vivencial de uma sociedade, de um povo, é não só regulado pelos segundos, horas ou anos, mas também pelas modas, políticas sociais ou materiais, as quais resultam de necessidades ou desnecessidades, em supérfluo vivencial.

Houve já tempo de humor e desamores, em que o traço caricatural era uma necessidade catártica contra o poder rotativista ou opressor, contra o regime ou a obesidade. Foi num desses regimes prolongados que o povo português foi perdendo o apetite do riso, em que a irreverência e a sátira foram sublimadas pelo leve sorriso de circunstância, ou pela gargalhada do ordinário.

No lugar do humor ficou a ignorância, a passividade, o medo de fazer crítica e susceptibilizar o poder, donde de compreende a actual falta de ousadis humorística, a falta de periódicos da especialidade, e a precariedade da sua existência nos jornais, em tempos de vacas (que não riem) magras.

Hoje, a moda nas Belas Artes é a criação de bienais, que proliferam fundamentalmente na província, como aposta de alguns interesses locais, do que como resposta a uma necessidade cultural declarada das populações.

Este é também o caso do Salão Nacional de Caricatura de Vila Real (de que sou director), que pretende ser anual, e que nasceu sob Patronato de Stuart Carvalhais, o artista vila-realense. Integrado na moda dos salões, inclui-se também na moda dos prémios de jornalismo, consagrando finalmente o único género que ainda não tinha galardões para os seus criadores, os «humoristas-caricaturistas».

Ser «humorista» de jornal, não significa ser um contador de anedotas, um provocador de gargalhadas ou sorrisos, mas um jornalista que utiliza o traço como crónica, a deformação como desmaqueador, a sátira como opinião. Foram estes os profissionais que expuseram as suas obras no Salão Nacional de Caricatura de Vila Real, e a quem pusemos as seguintes questões:

1) Considera-se jornalista, artista plástico ou simples «desenhador de bonecos»?

2) Como encara o desenho humorístico no jornalismo português actual?

3) Que importância atribui ao Salão de Caricatura de Vila Real, e à atribuição de prémios a desenhos de humor publicados na imprensa portuguesa?

(Neste inquérito faltam as intervenções de António (que foi o autor do cartaz) , por se encontrar fora do país, do Zinid, por se desconhecer a sua identidade, e a Adam, por impossibilidade do momento)

 

ANTÓNIO MAIA - O RISCO, A MANCHA, O RIGOR, O GOZO

1) O cartoonista é um jornalista e um artista plástico. Jornalista como a crónica diária, ou a opinião com o estudo; artista plástico (não de «plástico» como muitos pensam), pois faz os seus artigos desenhando a vida real, a política, o sonho. O traço, o risco, a mancha, o rigor, o gozo. Artista plástico e jornalista. O cartoonista, eu, considero-me a simbiose. Sou jornalista, quando estou atento aos passos da rua; quando procuro tirar um certo surrealismo à vida obrigatória; quando, entro na eterna batalha Poder-Povo, entro nas trincheiras da frente, olhando um lado e outro; quando consigo transmitir, com a mesma força a profunda emoção e o grande escândalo. Sou artista plástico, porque transformo em imagem, em traços, em força, em real, em surreal a cor da vida.

Paciência: Somos Jornalistas.

Paciência: Somos Artistas Plásticos.

2) Geralmente encaro-o de frente. Geralmente sóbrio. Geralmente acordado. Geralmente..

Os jornais que o encarem também e sempre com a importância que o humor e o cartoon têm na sua imagem.

3) O Salão de Caricatura de Vila Real é uma iniciativa de máxima importância para nós, cartoonistas da Imprensa portuguesa. Representa a saída da pressão quotidiana e a possibilidade de toda a gente poder ver, analisar, criticar já fora do contexto e portanto sem a paixão do momento, as obras que os cartoonistas fazem. É um Salão digno, enorme no significado. Como o seu promotor: o enorme Osvaldo de Sousa.

 

AUGUSTO CID: LAMENTÁVEL A FALTA DE ESTATUTO

Pessoalmente, creio que nenhum cartoonista em Portugal se preocupa demasiado em saber sé é um jornalista, um artista plástico ou um simples desenhador de «bonecos». É provavelmente todas essas coisas ao mesmo tempo e muitas mais. O que é de lamentar é que essa importante forma artística de intervenção na Imprensa escrita, não possua um estatuto próprio, nem qualquer tipo de protecção. Os cartoonistas políticos, em Portugal, são ainda hoje considerados como marginais, uma espécie de mal menor a que os jornais se vêem obrigados a recorrer na tentativa de trazer alguma vida às páginas repletas de «linguados» cinzentos, a que nem já os títulos sensacionalistas conseguem chamar o interesse dos leitores.

A maior parte das pessoas desconhece o enorme trabalho de pesquisa por detrás de cada desenho e tem tendência para olhar apenas para o lado humorístico ou caricatural.

É na maioria das vezes subestimada a importância da crítica desenhada, mas a classe política sentiria um enorme alívio com o desaparecimento dos poucos cartoonistas existentes. Constituímos uma «espécie» em vias de extinção, e nenhum governo chorará o nosso passamento…

Aos potenciais artistas não são oferecidos quaisquer incentivos e as exposições, colóquios e debates sobre esta actividade estão, de uma forma geral, ausentes das iniciativas culturais.

Daí, talvez, a importância de que se revestiu o S Salão Nacional de Caricatura de Vila Real, que, funcionando como uma pedrada no charco, necessitará, no futuro, de outro tipo de apoios e interesse por parte dos órgãos de comunicação social e organismos oficiais, se quer de facto provocar algumas ondas nesse charco…

Mas no charco permanecerão os desenhadores portugueses ainda por longos anos (se resistirem até lá), fechados no seu orgulhoso individualismo, e na sua irredutível independência, características que marcam o verdadeiro catoonistas, mas que, simultaneamente, o conduzem ao isolamento em que ele hoje se encontra.

Para além de exposições e prémios que encorajem o aparecimento de novos talentos, era fundamental criar uma escola de desenho humorístico, à semelhança do que já existe em muitos outros países.

 

FRANCISCO ZAMBUJAL: MULTIPLICAR SALÕES COMO O DE VILA REAL

Creio que todos nós começamos por ser – e no fundo nunca deixaremos de ser – desenhadores de bonecos. Se esses desenhos, por engenho e arte de cada um atingiram um nível que permitiu e justificou a sua publicação regular em jornais, então o desenhador terá, em maior ou menor grau, alguma coisa de artista plástico. Por outro lado, um bom «cartoon» ou uma boa caricatura podem, pelo seu sentido crítico, produzir maior impacto que muitos artigos escritos. Nessa função o cartoonista, ou o caricaturista são, sem dúvida, jornalistas.

Será por reconhecimento desta verdade que o jornalismo português actual vai dando um lugar cada vez mais destacado ao desenho humorístico. A maior parte dos principais jornais têm já o seu próprio cartoonista e aqueles que o não têm, destacam-se pela negativa, isto é, nota-se que falta ali «qualquer coisa»….

É neste contexto que iniciativas como a do Salão de Caricatura de Vila Real se revestem de uma dupla importância: por um lado, atestam e documentam o nível  já hoje atingido pelo desenho humorístico na imprensa portuguesa, chamando para ele a atenção do público e contribuindo para a sua cada vez maior expansão; por outro, constituem um natural incentivo para os desenhadores, uma oportunidade de exporem os seus originais, tantas vezes com um valor artístico superior ao que a sua reprodução na imprensa pode deixar supor. Falta apenas que tais iniciativas se multipliquem e possam ser preparadas com os cuidados e os apoios que merecem.

Quanto à atribuição de prémios pecuniários aos trabalhos, não será o mais importante no que se refere ao desenho humorístico, mas é capaz de não ser mau para os desenhadores…

 

PEDRO PALMA: ABUSO DE «CARTOONS» É PREJUDICIAL

1) Ao Cartoonista, enquanto cartoonista, não cabe isoladamente nenhuma das três definições. No entanto é simultaneamente todas elas. Para se fazer um bom trabalho de «cartoon», tem de haver uma visão jornalística dos factos, fazer uso de uma estética plástica e finalmente saber (minimamente) desenhar bonecos.

2) O desenho humorístico está cada vez mais a ser utilizado pelos jornais portugueses e isso é saudável para a imprensa. De qualquer modo, o abuso de «cartoons» pode  prejudicar um jornar e mesmo o próprio cartoonista, podendo este correr o risco de se vulgarizar. Na imprensa portuguesa verifica-se encontrar «cartoons» do mesmo autor em diversos jornais, por vezes de tendências diferentes. Isso não é bom para os jornais, nem para o cartoonista.

3- Nenhuma presentemente. Talvez num futuro próximo, se a Imprensa e os autores cumprirem um papel quem lhes cabe: apoiar, divulgar e participar. A iniciativa, essa é louvável.

 

SAM: ARIDEZ DE PAISAGEM NO DESENHO DE HUMOR               

1) Jornalista e artista plástico.

2) Como coisa natural, tratando-se de jornalismo português actual.

3) Desde há longos anos que em numerosas cidades e vilas deste planeta se realizam salões (internacionais) de humor desenhado. Em Portugal, o atraso também se manifesta neste domínio.. Na Jugoslávia, por exemplo, o grande número de participantes (adestrados na florescente indústria de filmes de animação) concorre para legitimar o conhecido Salão de Skopye. Em Gabrovo, na Bulgária, existe uma imponente Casa do Humor e da Sátira que apoia o respectivo Salão. Em Itália, temos uns seis ou mais salões anuais. No Japão, Canadá, México, Brasil, Alemanha, Bélgica, França, Cuna, também acontecem salões desta natureza.

Para tentar explicar a aridez da nossa paisagem no campo do desenho de humor (de imprensa, caricatura, etc) talvez convenha lembrar que, entre nós, as publicações de humor sempre tiveram uma existência efémera. De realçar, por isso, os jornais que teimam em manter vivo este tipo de voz – a desenhada – assim como todas as manifestações que promovam a divulgação desta meritória atitude.

 

VASCO DE CASTRO – NÃO É A ÉPOCA DE OURO DA NOSSA CARICATURA

1) Tudo isso ou menos, e vice-versa. «Bonecos» também Picasso os fez, e a família não lhe caiu na lama. O desenho de humor e satírico é na sua origem histórica, e como o nome indica, arte plástica. Por definição comunga da estética. Cumulativamente é também jornalismo, porque integra regras do jornalismo. Seja, com o rabo assente em dias cadeiras, daí, aliás, uma das suas especialidades mais fascinantes.

2) Mal e bem. Mal, porque os autores, a todos os níveis profissionais e estéticos são ainda parolamente tomados por minoria cultural «aciganada» (pasme-se o Sindicato dos Jornalistas não os reconhece e a Lei da Imprensa ignora-os).

Bem, porque uma dúzia de autores (exagero) mantêm uma boa dose de vitaminação moral e física para insistirem. Não obstante condições profissionais precárias…

Mau, porque  não será a época de ouro da nossa caricatura (com melhores brilhos noutros tempos), ainda a ajustar contas com algumas velhas heranças.

Bem, porque no adormecimento e retrocesso visível de qualidade da nossa imprensa, os desenhos não desmerecem e são aí porventura o sector menos acinzentado (franco-atiradores forçados dão o «litro»).

Mau, porque os jornais não lhes oferecem o mínimo de condições e são obrigados a procurar outras fontes de subsistência.

Bem, porque virão mudanças  imprescindíveis, sob risco de sufocamento (futurologia esperançosa).

3) Importância?... Por mim e pelo que disse – Imensa! O que não coincide com os critérios de bastos jornais, distraídos como de costume. Enfim… Trata-se de uma data, e votos faço por as forças vivas de Vila Real aproveitarem a fundo a ideia. Quanto aos prémios, é o que menos conta, contingentes que são, e relativos por definição. Mas conviria reforçar-lhes o significado, inclusive nos seus montantes pecuniários.

 

JOSÉ DE LEMOS: TODAS AS ARTES SÃO JORNALISMO

1) Pela obrigação de ter um sindicato, estou inscrito e considero-me como jornalista, só que para mim todas as artes são jornalismo, em vertentes diferentes.

2) o desenho deve ser uma crítica aos costumes, deve ter um fundo de moral, civismo, deve ter uma finalidade generosa ou castigadora, e por tudo isto é importante a sua presença no jornal, é uma componente essencial, e que creio estar com um certo relevo nos jornais actuais.

3) Acho bastante importante que existam esses salões. Quanto aos prémios são sou bem a favor, nem a desfavor, porque sem se querer pode-se cair em indelicadezas, ferirem-se susceptibilidades. As pessoas, desenhadores ou não, devem fazer as coisas com gosto e o melhor prémio é a aceitação pelo público do nosso trabalho.

Mas, se já havia prémios para todos os outros géneros jornalísticos, porque é que não haveria de haver também para a ilustração humorística?

 

PS: Consegui manter este Salão Nacional de Caricatura de Imprensa durante vinte anos. Em Vila Real só ficou um ano e tive de procurar novo parceiro em 1988. Passei para o município de Porto de Mós onde fiquei durante três anos (1988, 1989 e 1990), mudando-me finalmente para Oeiras, em 1991, onde consegui sobreviver até 2006. As mudanças verificaram-se por questões económicas, o mesmo acontecendo com o seu fim em Oeiras onde o autarca defendia que não deveria gastar mais dinheiro com o humor com Prémios Nacionais que deveriam ser outorgados pelo poder central. De todas as formas ainda foram vinte anos de dinamização, e divulgação desta arte


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