Saturday, January 09, 2021
Caricaturas Crónicas: «Carlos Zíngaro – um humor ausente» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 17/1/1988
Desenhador
por facilidade criativa, é humorista por necessidade satírica para se defender
de uma grande quantidade de coisas a que se convencionou chamar vida, rindo-se
delas à sua maneira.
É tradição sentenciar que «dos fracos não reza a história», o que não é verdade, pois é dessa
massa que se fazem os heróis. No mesmo sentido de pensamento se poderá dizer
que dos ausentes se esquece o público, os críticos, a História, mas também esta
filosofia pode ser contrariada quando os valores que se levantam são superiores
aos jogos mesquinhos do poder.
Quem anda ausente, apesar de já pertencer à história
da arte gráfica humorística, é Carlos Corujo “Zíngaro”, um artista com raras
oportunidades de mostrar o seu trabalho, um artista possuidor de um dos traços
mais interessantes e originais do humor actual.
Conhecido internacionalmente como um dos maiores
músicos mundiais no campo da música improvisada, da eletrónica, da… «É uma “música viva” contemporânea, uma
música que tem influências diversas, pois a maior parte da minha vida estudei
música clássica, passei pelo rock e pelo jazz. Lá fora chama-se “música Nova”,
“quarta vaga”, há “N” títulos».
«Eu continuo
a chamar-lhe “musica viva”, actual, que tem elementos concretos e uma
perspectiva também muito concreta de uma vivência de coisas do passado, mas que
se preocupa com as novas tecnologias, com coisas que estão para a frente. Não
lhe chamo de vanguarda, porque não gosto de estar na “crista da onda”».
Dividido entre a música (violinista / compositor) e as
artes gráficas, Carlos Corujo teve que optar fundamentalmente pela primeira,
porque «quando comecei a perspectivar a
minha vida profissional, pensei que as artes plásticas seriam a minha forma de
sobrevivência e a música fá-la-ia sem dar concessões. O que se passa é quase o
contrário, faço nas duas coisas quando há um convite, uma requisição. O risco
que assumo no tipo de música que escolhi, dá uma tensão constante, que eu
depois expurgo pelo desenho, é a minha «torre de marfim». Porém, se neste país,
tanto o músico como o desenhador, têm uma sobrevivência difícil, no estrangeiro
o músico é constantemente requisitado».
Mas o que nos interessa aqui é o artista plástico, que
nasceu em 1948, cursou música e cenografia, chegando a exercer funções de
assistente/professor da cadeira de Desenho do Curso de Cenografia do
Conservatório Nacional.
É um autodidacta no desenho, na pintura, da escultura,
tendo como estímulo o seu pai, também ele artista gráfico. Começou em 1968 a
participar em exposições colectivas, a ilustrar livros infantis, capas de
discos e posters vários para teatro e música. As suas ilustrações humorísticas,
assim como a banda desenhada, começam a ser publicadas a partir de 74/75, no “Ivaristo”,
“Visão”, “O Ovo”, periódicos de que foi co-fundador, assim como trabalhou no “Pão
com Manteiga”, “Bisnau”, “Revista São Carlos”, “Gazeta de Artes e Letras”,
“Artes Plásticas”…
Desenhador por facilidade criativa, é «humorista por necessidade satírica, por
necessidade de me defender de uma grande quantidade de coisas a que se
convencionou chamar vida, rindo-se delas à minha maneira, mesmo que o riso seja
às vezes um esgar ou um vómito do nosso interior. Para mim, humor é sair à rua
e ainda conseguir sorrir, razão pela sou inserido no tipo designado como humor
negro.
É obvio que
quando eu era miúdo não tinha estas filosofias, era uma necessidade de
expressão, o prazer de mexer nos lápis e nas tintas, fazer as grande anomalias,
imitar o meu pai ou todos os bonecos que eu via».
A sua obra adolescente parte das influências
psicadélicas da época, para se desenvolver num traço um tanto
«barroco-futurista», que agora se vai sintetizando, integrado nas correntes da
vanguarda internacional da BD e do cartoon. Não sendo indiferentes às correntes
estéticas que vive no seu constante viajar pelo mundo, é contudo a expressão de
um mundo individual, uma visão incisiva e mordaz, inconfundível, que o destaca
entre os artistas contemporâneos. Entre os vários “tiques”
gráfico-humorísticos, verifica-se a robotização dos indivíduos ou a sua
animalização, porque, mesmo «vivendo numa
civilização tão grande, tão civilizada, no fundo, nas coisas mais importantes,
reagimos como bichos».
Este grande artista, apesar (ou por causa) das suas
qualidades estéticas e humorísticas, é um ausente dos periódicos, do contacto
com o público, e se em parte há uma certa culpa dele, ao consentir que isso
aconteça, também o é dos responsáveis pelas publicações insensíveis á
qualidade, á necessidade de dar humor a um público leitor que se leva muito a
sério na sua miséria de povo saudoso e brejeiro.