Wednesday, January 06, 2021
«Uma Leitura – “Typos e Costumes de Lisboa” vistos por Calderon Dinis» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 20/7/1987)
«Passam-nos como num sonho, a multidão
irrequieta das ruas, os gritos do pregão, cheios de vibração e de alegria. Tudo
desaparece lentamente do bulício das ruas para nos dar, em substituição, o
ruidoso mas sombrio desfilar do pesado camião e do electrico». (Alberto
de Sousa)
A curiosidade pelos costumes vivos, ou moribundos
deste país pitoresco, provêm primeiro de alguns estrangeiros que por aqui
passaram, e registaram pela pena ou pincel tais visões. Pode-se então falar,
entre outros, do livro «Costume of Portugal» de Henry L’Eveque, da Colecção de
Costumes Servis da Cidade de Lisboa de M.J.D…. Depois dos próprios portugueses,
artistas como Manuel Maria Bordallo Pinheiro, Manuel de Macedo, Roque Gameiro…
publicando os seus testemunhos em periódicos como «Panorama», «Arquivo
Pitoresco», «Ocidente», «Ilustração Portuguesa»… Mas de todos foi Alberto de
Sousa quem mais se distinguiu neste mundo picto-etnográfico. Como sucessor
destes costumbristas, surge agora a obra de Calderon Dinis.
Calderon Dinis, lisboeta de gema (1902), jornalista de
profissão dedicada ao «Diário de Notícias», onde, a par da sua prosa,
desenvolveu a ilustração das suas crónicas e contos, em desenho e aguarela.
Dentro deste último campo realizou ao longo da sua vida várias exposições. O
livro que surge agora é uma continuação desse trabalho, realizado agora à
sombra do repouso feito reforma.
É um livro concebido ao jeito de crónica, deixando-nos
o testemunho de histórias e factos que sucederam na Lisboa deste século,
vividos por ele, e recriados com desenhos, aguarelas e fotografias. Se todo
esse percurso literário e ilustrativo tem interesse, é ao sabor da aguarela,
tal como já o fizeram os mestres Roque Gameiro e Alberto de Sousa, que se
manifesta a parte de maior relevo do livro: a recordação dos tipos de Lisboa.
Não se pode considerar o seu traço no âmbito genial
dos referidos mestres, nem tão-pouco de um Stuart… Tom… mas não deixa de ser
interessante, num reflexo da segunda geração modernista, pela força da cor no
desenvolvimento da linha. Em traço breve e conciso, dá-nos o retrato, pela
imagem e palavra, de seres-tipo, abstracções de seres em extinção, ou já
desaparecidos, que eram o povo de uma cidade característica pelo seu pitoresco
multisocial. Cada «boneco» é pois uma síntese conseguida dessas gentes. Além do
desenho e do texto, existe um elemento importante e especial que é o registo
musical dos pregões que acompanham cada imagem, os quais muitos deles estão
quase perdidos para o estudo musicológico.
Sem ser mais um testemunho etnográfico, é um novo
elemento de documentação desta cidade em «substituição», em crescimento para
novos tipos ou factos.
«Typos e Factos da Lisboa do meu tempo» Calderon
Dinis, Lx / 19865. Ed. Dom Quixote (7.000€)