Friday, January 08, 2021

Caricaturas Crónicas: «Cândido Costa Pinto um caso de surrealismo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/12/1987

 Cândido Costa Pinto foi um homem que conjugou a terapia do humor com o jogo surrealista dos sonhos; se não na vida, um tanto ao quanto mística, pelo menos na concretização / expressão estética.

 

Conjuga-se muita das vezes a terapia do humor com o jogo surrealista dos sonhos, em que ambos são a catarse da vida, que pesa sobre o ser humano. Rir é tão magnífico como sonhar, principalmente quando se realizam ambos os momentos em estado de «acordados».

Cândido Costa Pinto foi um homem conjugador dessa catarse, se não na vida, um tanto ao quanto mística e depois depressiva, pelo menos na concretização / expressão estética. Nascido na Figueira da Foz, a 20 de Maio de 1911, altura em que os Humoristas, em Lisboa, se preparavam para a primeira «campanha» modernista. Passaria depois por Coimbra, antes de seguir para Lisboa, onde, em 1932, fundou o grupo dos «Divergentes» (na oposição à «Presença») em defesa do tal «modernismo» que, apesar de passados vinte anos, ainda não tinha conseguido impor-se como a cartilha dominante.

Oriundo de uma família com tradições nas artes decorativas, desde muito cedo se viu ligado a todos os segredos da técnica e efeitos plásticos, adquirindo grande facilidade de execução e ecletismo.

As artes decorativas eram o género que melhor acompanhavam a vanguarda possível, e foi nesse âmbito de «modernidade», em que a linha é a síntese caligráfica da expressão, que Costa Pinto se integrou no mundo da caricatura.

Explorando a exageração, que seria designada por «biomorfismo», de traço negro, ele criará uma obra impressa no “Sempre Fixe”, “Diário de Lisboa”, “Diário Popular”, “Vida Mundial”… caricaturando as grandes figuras da política internacional. Nesses tempos de censura ditatorial, era esse o campo possível desta arte, sem grande abertura para outros voos risíveis, senão o sonho do pesadelo terminado. Nesse trabalho de humor gráfico encontramos um surrealismo consciente onírico de critica caricatural.

Tal como os outros companheiros de sobrevivência artística, a caricatura era apenas um dos vários ramos de criação, paralelo à actividade de decorador de salões, salas e montras; publicista de cartazes; ilustrador de selos postais; colaborador de jornais na defesa / debate de questões de urbanismo e turismo… Se, de todas as actividades, a de pintor foi a que lhe deu mais nome, certamente não foi a que lhe deu mais dinheiro, já que nesses tempos a pintura ainda era uma arte pouco requisitada perlo colecionadores.

Pintor de grande habilidade técnica, produziu uma obra irregular, em que as melhores experiências o levaram a ser admirado, em 1947, na Exposição Internacional de Super-Realismo, em Paris, e de conquistar o Prémio Amadeu de Souza-Cardoso no Salão dos Modernistas – SNI, em 1951.

Ele surge na pintura em 1942, numa visão de «fuga à realidade», em que o surrealismo de inspiração daliniana lhe traduz uma atitude profunda de visão mística, e em que a poética do sonho se confunde com os pesadelos do mundo, turbos nesses anos quarenta.

Foi provavelmente dos primeiros pintores «surrealistas», numa opção consciente, a trabalhar em Portugal sob aquela visão estilística, porém isso não impediu que na formação do Grupo Surrealista, em 1947, ele fosse impedido de integrar-se no grupo, como banimento da estrutura que queria assumir uma certa oposição ao regime. É que ele havia cooperado com os artistas que expunham regularmente no SNI – Secretariado Nacional de Informação, órgão cultural do Salazarismo na campanha da «Política de Espírito»,. Desenhada por António Ferro (e verdadeiro defensor de uma vanguarda possível). Não só expôs, fez trabalhos, como foi consagrado o seu «apoio» com um prémio de modernidade, já referido anteriormente. Os companheiros do surrealismo (de café - Gelo) não lhe perdoaram as suas posições equívocas.

Passaria posteriormente por uma tendência geometrista, até que, em 1963, partiria para o Brasil na conquista de uma paz económica, abandonando em parte as artes plásticas e onde morreria em 1977.


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