Wednesday, January 06, 2021
Caricaturas Crónicas «A PARÓDIA POLÍTICA» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 2/8/1987
Os governos formam-se... caem. Os políticos elegem-se... substituem-se. A única que sempre persiste no tempo e no espaço é a Política, essa "Porca" que dá de mamar a todos, seja de que quadrante for, desde logo que o queira.
Mudam-se
os nomes, não se mudam os costumes («os
portugueses são essencialmente conservadores. (...) Se nós mudamos com
frequência de fato, nos recusamos obstinadamente o mudar de ideias» (R.B.P.
in a Paródia), e o Raphael Bordalo Pinheiro (com apoio de seu filho Manuel
Gustavo), o «historiador» caricatural da política oitocentista bem o sabia, o
que o levou quase como testamento, a visualizar a política em símbolos
animalescos.
Foi
na Paródia, quando a velhice o afastava de Lisboa, e o século procurava virar a
página. Surgiram então, espaçadamente, as várias caricaturas do poder político
como acto de governação. Anteriormente já tinha «consagrado» o Rei Fontes,
criado o albardeiro «Zé Povinho», definido o político da seguinte forma: «Todo o homem político do nosso país é
honrado, honesto, trabalhador, probo, virtuoso, etc. - antes de ser ministro.
Depois de ministro passa a ser pulha, malandro, biltre, canalha, ladrão,
assassino, incendiário. etc…». «E, entretanto, todos os honrados, honestos,
trabalhadores, probos, virtuosos, etc... não fazem senão diligenciar para
trepar, a ver se conseguem deitar a mão ao diploma de pulhas, malandros,
biltres...» (in Pontos nos ii, 8/3/1888).
O político
quando sobe ao poder altera-se, principalmente no conceito de barriga, o que
faz com que tudo o que ele toque se transforme em «albardas» para o Zé, ou em
alimento para o grande Zoo.
O
Jardim Zoológico de Raphael é, por conseguinte, constituído pelos seguintes
animalejos: - «A Grande Porca» (Paródia 17/1/1900), que tudo devora, para se
manter em forma e poder dar de mamar aos «barrigas» eleitos. Não se importa de
chafurdar nas imundícies, e gasta grande parte da vida a dormitar. As suas
tetas são um constante vazadoiro;
-
Para que ela tenha a gamela cheia, e em segurança, existe o «Grande Cão -
Finanças» (Paródia 24/1/1900), um eterno esfaimado pronto a abocanhar um bom
quinhão, um cão-de-fila protector dos deslizes porcinos;
-
Companheira do cão, fiel amigo, e esperança dos crédulos está a «Galinha Choca
- Economia» (Paródia 7/2/1900), boa poedeira, só que as ninhadas dela raramente
medram neste clima, excepto alguns seres enfezados e fracos, o que faz com que
o progresso não passe de um «Caranguejo» (Paródia 8/8/1900);
-
Ora, para que a desilusão não invada o país, e o zoo, criou-se o «Papagaio -
Retórica Parlamentar» (Paródia 16/ /5/1900), que nunca se cala, no
desenvolvimento verbal do já dito, no empolgamento do desejo de um dia fazer,
no exaltamento da ideia original que todos já tiveram, no emparceiramento com a
«Rata - Burocracia» (Paródia 22/8/1900), que tudo mina para a comodidade
latente dos «barrigas»;
-
Paralelamente, como entretenimento e consolo do Zé cria-se o «Cágado -
Beneficência» (Paródia 28/11/1900) e a «Burra - Instrução Pública» (Paródia
16/1/1901), para que ele se possa entreter com a ignorância;
- Não
sendo parte do Governo, mas elemento do Poder, existe a «Toupeira - Reacção»
(Paródia 24/4/1901), que rói as raízes às pretensões de verdadeiro progresso,
às germinações revolucionárias que querem alterar a passividade quotidiana dos
«barrigas» instalados, é a força que esburaca os caminhos do País e das
cidades.
É
este pois o resumo, em visão satírica, do longo conhecimento sobre a paródia
política que os Bordallos nos deixaram deste mundo cão.