Tuesday, March 29, 2022
«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1951» Por Osvaldo Macedo de Sousa
1951
«Na Casinha da Rinchoa que a viúva de Leal
da Câmara conserva com tanto amor e onde mora com impressionante valor de
presença o espírito do grande artista, houve no passado domingo uma festa
singela, mas durante a qual se sentiu, com tocante fascinação, como se conserva
bem viva a recordação do ilustre mestre da caricatura…
O júri especial - srs. dr. Joaquim Fontes,
Barros Queiroz e escultor Anjos Teixeira e srª D. Julieta Ferrão - premiou com
o galardão instituído pela viúva do artista um trabalho de Manuel Santana,
«Churchil, símbolo da resistência», em que são dadas provas de competência no
delicado género de caricaturar sem deformar…»
Palavras de "O Século", transcritas no "Jornal de Sintra" de 14/7, em que nos notificam da criação do "Prémio Leal da Câmara", mais uma iniciativa privada em favor da dignificação da caricatura, mais uma iniciativa de uma viúva em tentar manter vivo o nome de um grande artista. Assim, à preservação da Casa-Museu, D. Júlia Leal da Câmara tenta criar um Prémio Nacional de Caricatura, que por razões obscuras não durará muito tempo.
O "Sempre Fixe", a 17 de Maio comemora os seus 25 anos de existência, um caso raro na história do humor gráfico em Portugal (naturalmente "Os Ridículos" são um caso ainda mais raro, que neste ano comemorará 47 anos). Congratulando-se com este evento, o jornal publica o seguinte editorial:
Há um quarto de século que «Sempre Fixe» se
esforça por emprestar um pouco de alegria, de boa disposição, a uma população
de gatos-pingados, sempre com a lágrima ao canto do olho e o ouvido sempre
atento a um faduncho daqueles que fazem chorar as pedrinhas da calçada.
Neste vinte e cinco anos temo-nos batido
pela alegria, pelo bom-humor, pelo prazer de viver feliz e descuidadamente, mas
é forçoso reconhecer que têm sido baldados os nossos esforços.
O português, em geral, anda mal disposto e
com vontade de embirrar com o seu semelhante e a prova disto é que, até os
arraiais e romarias que deviam ser festas de boa disposição e alegria, acabam
sempre à bazanada, em verdadeiros arraiais de pancadaria e autenticas romarias
para os hospitais…
A nossa gente não gosta de galhofa; é capaz
de se desfazer em prantos diante de uma boa piada, porque este povo que
inventou a guitarra, inventou logo a seguir o fado choradinho e a palavra
«gemidos» para designar os sons em que a guitarra vibra.
E assim é que nestes 25 anos de existência
«Sempre Fixe», como bom filho de portugueses navegadores, tem levado a vida a
remar contra a maré.
O nosso povo, não ri, nem que se lhe faça
cócegas; esboça, quando muito, um sorriso amarelo se tem um grão na asa e por
isso se criou esta expressão «estar alegre» para significar que os portugueses
só são alegres quando estão bêbados, mas esses mesmos, na maioria dos casos,
dá-lhes para a ternura e para a lágrima.
Nós rimos, mas ninguém nos ajuda a rir, e
até pelo contrário, toda a gente menospreza o nosso riso, como se fosse um
sacrilégio pretender criar um pouco de alegria numa sociedade de defuntos; e
com mágoa confessamos que muitas vezes nos sentimos como uma viola num enterro.
Vinte e cinco anos disto, completados há
dois dias, é uma heroicidade de que nos vangloriamos ao iniciar o 26º ano da
nossa existência. É preciso ter coragem !
Bem sabemos que a vida é dura e toda a
gente vive esmagada ao peso de mil desventuras e necessidades, mas, se a vida é
dura, o que convinha era justamente amolece-la com alguma piada boa, que
tristezas não pagam dividas.
E já agora que abordámos este assunto das
tristezas e alegrias, sempre gostaríamos de saber quem foi o malandro do
francês que inventou aquela de se dizer lá por fora que «les portuguais sont toujours gais»…
****
Enfim, leitor amigo, até daqui a 25 anos,
em que havemos de fazer outro artigo como este, para te desejarmos as maiores
venturas, se todos nós lá chegarmos com vida e saúde, a chorar de alegria por
termos durado tanto, neste vale de lágrimas…
Mas se entretanto, a humanidade tiver de
ser exterminada pela bomba atómica, pode muito bem ser que alguns de nós,
esquartejados e trucidados, apresentemos no rosto aquele rictus macabro de
alguns mortos que parece que se estão a rir.
Que ao menos saiba rir na morte quem na
vida rir não soube…
E até daqui a 25 anos, leitor amigo, que é
outro quarto de século - e que quarto ! - um quarto que na roda dos tempos, não
é mais do que um quarto para pouca permanência e com porta para a escada… do
Outro Mundo…
Francisco
Valença, no número seguinte (a 24/5) escreve: Em nome dos colaboradores artísticos do Sempre Fixe, e por ser o mais
antigo deles, pois desde o 1º número estou encarregado de esborratar a 1ª
página do semanário, recordo neste momento a figura do nosso saudosíssimo Pedro
Bordallo, seu fundador, a quem estou certo - muito grato seria estar aqui entre
nós, a festejar as bodas de prata do "Sempre Fixe", no seu tempo um
franganote, e hoje um homem feito: acaba de completar 25 anos.
Se Pedro Bordallo o criou, com entusiasmo e
dedicação, Alfredo Vieira Pinto, seu actual e digno director, mantem-no com
galhardia e aprumo. sabe perfeitamente o sr. Alfredo Vieira Pinto, sabem-no
muito bem os meus camaradas aqui reunidos o martírio… humorístico que
representa fazer actualmente um jornal no género do "Sempre fixe".
Tempos houve em que a tarefa era fácil. Há
70 anos, por exemplo, quando ramalho Ortigão assim afirmou no "António
Maria": A Caricatura em Portugal é indispensável à popularidade dos reis
constitucionais, e se eles não tivessem, como providencialmente têm, a caricatura
livre, de iniciativa particular, seriam obrigados a fundar o serviço de
caricatura oficial, retribuída pelos cofres do estado, com o seu respectivo
ministro, os seus chefes de repartição, os seus amanuenses.
E a ironia de ramalho terminava deste modo:
A Caricatura é uma espécie de Diário do Governo em ceroulas.
O «Sempre Fixe» pode gabar-se de uma
longevidade raras vezes atingida por jornais de feição artística…
Apesar do esforço de se manter o humor ao nível da inteligência, e da estética, o que vai dominando cada vez mais é a "chalaça portuguesa", com jeitinhos de quem desenha, paralelamente a uma crescente importação de "gags" vendidos a molho pelas agencias noticiosas, pelas "Syndicates".
Revista nesta onda de "chalaça", e de desenho importado, entre outras, será a "Cara Alegre", que surge a 10 de Janeiro. Curiosamente tem como Director um Senhor, Nelson de Barros, que deveria defender um melhor humor. São os tempos, e são os gostos, já que esta revista pertence à Editora de «Os Ridículos».
O seu editorial
é elucidativo: É hábito, nestes casos,
fazer-se um artigo de apresentação em que se definem directrizes, se fixam
normas para o futuro, se expõe, enfim - um programa.
O pior, porém, é que os programas dos
jornais são como as juras de amor e os cartazes de propaganda eleitoral. Não
foram feitos para vencer a Eternidade. Esquecem como as primeiras e, como os
segundos, são arrancados pelo vento, depois de amarelecidos pelo Sol… Para não
fugir à regra, sempre diremos, no entanto, que o programa desta revista (e
simples programa ele é !) está inteiramente contido no seu nome. CARA ALEGRE é,
mais do que um mero título - um programa! Um programa mais completo do que
alguns com longos e fastidiosos articulados. Ficaria até bem como programa
único de um partido político, sabido como é que os partidos políticos costumam
ter por função pôr as pessoas com a cara triste…
CARA ALEGRE será como que uma selecção ou,
se quiserem usar um termo da moda, um
«digest», das coisas que, com graça, se escrevem, dizem e desenham por esse
Mundo fora. E, assim, aqui teremos o venerável «humour» inglês; a irrequieta
«broma» espanhola; o riso italiano, cálido e indolente como um dia de sol em
Nápoles; a gargalhada americana, estrondosa como o derruir de uma arranha-céus;
o sorriso francês, leve e disfarçado com o gesto de levar o lenço à boca, como
uma freira a quem contaram uma anedota picante… Aqui se encontrarão todos,
excepto os chineses, porque esses, nos tempos que correm, parece que não estão
para graças…
Simultaneamente, procurámos a chalaça
portuguesa naqueles sectores da vida nacional em que ela pode ser exercida sem
inconvenientes de maior. Onde encontrarmos uma boa e sã gargalhada lusiada só
se nos for de todo impossível é que não a propiciaremos aos nossos leitores…
E aqui está o nosso simples programa: Pôr
quinzenalmente, nas vossas mãos a face alegre do mundo…
Os portugueses ficar-se-ão essencialmente pelas capas, onde reinarão o Stuart, o José Viana, o Vilhena…
Se a vida
prossegue na sua natural renovação, para outros é o fim. Assim em Novembro
deste ano desaparece corporalmente uma das grandes figuras da nossa arte. Digo
materialmente, já que plasticamente já Há muito se tinha suicidado. Falo do
Mestre Christiano Cruz, que Diogo de Macedo invocou da seguinte forma na revista
"Ocidente": Christiano Cruz
era o mais estimado pelos camaradas. Um dia embarcou para Moçambique, por lá se
escondeu, desenhando pouco, deixando-se esquecer. Todavia, os antigos
companheiros evocavam o seu talento, a sua personalidade, a sua moral. Anos
passados voltou a Lisboa, abraçou os amigos, matou saudades e regressou ao
interior de África.
Quem mais se lembrava de Christiano, dos
seus ditos de espírito, dos temas dos seus desenhos, da irradiante simpatia
daquele rapaz loiro, da calma bondade do seu trato ? Onde se perderam os belos
desenhos deste artista ? Quando fomos a Lourenço Marques com a exposição de
arte Metropolitana, em 1948, Christiano voou lá do meio do sertão para reviver
velhos sonhos diante daqueles quadros, para nos abraçar, para saber de quantos
deixara em Lisboa ou em Coimbra, para não poder suster algumas lágrimas de pena
e recordação de si próprio. É dolorosa a alegria das lembranças, sobretudo
quando o destino impôs renúncias aos sonhadores. Podemos jurar pelo sentido
amargo das evocações ! Não há orgulhos que evitem as lágrimas dum Poeta ou de
um Artista ao recordarem-se de si próprios, como doutrem que houvesse sucumbido
!
Lá em África, morreu no mês passado de
Novembro o querido artista Christiano Cruz. Os jornais noticiaram o facto, mas
ignorando quem ele era. Que injustiça ! Tudo perece rapidamente na nossa terra…
Na realidade,
Christiano Cruz, ao partir em 1919 para África, toma a resolução de abandonar
as artes, para ter uma carreira de sobrevivência familiar. Veterinário, por
formação académica, apesar de não ser a paixão da sua vida, dedicar-se-á
profundamente, e como perfeccionista que era, será figura de destaque na
Veterinária Tropical, com apresentação em congressos, e artigos em revistas
internacionais da especialidade. Viverá toda uma vida em Moçambique, mas em
inícios deste ano, como "castigo" por não se filiar no Partido único,
é colocado