Wednesday, June 09, 2021
«O “cousin” de António (Antunes) – Uma ironia que se virou contra o próprio ironisador» por Osvaldo Macedo de sousa in «O Dia» de 13/4/1987
Qual será a imagem, como abstracção, que o público tem do humorista, ou do cartoonista? Um «bom vivant», sempre pronto a pregar partidas, sempre a rir, a contar anedotas… Não conheço nenhum que assim o seja e o António muito menos. Quando este entra numa sala, surge um jovem muito bem «composto», sério, calado e a única característica a denuncias a profissão, para os que têm uma aguda capacidade de observação, é a expressão dos olhos, perspicazes, analistas que tudo vêem, registam. Depois, se o conhecerem melhor, descobrem que não é tão sisudo, calado ou tímido, é um homem como muitos outros, que se dedicou à caricatura-sátira, por opção estética de intervenção.
É o
António Antunes publicitário, desenhador de imprensa sob a assinatura de
António, nome conhecido no meio cartoonistico a partir de 1974, quando começou
a trabalhar no jornal «República», passando posteriormente pela «Capital»,
«Diário de Noticias», «Vida Mundial», «O Jornal», «Pão com Manteiga», «Bisnau,
até ao «Expresso» onde se fixou em exclusividade para a língua portuguesa,
porque noutras línguas o caso é outro, para os seus desenhos mudos.
Apesar
de nunca ter vivido fora destas eiras e, consequentemente, nunca ter procurado
trabalho, como sobrevivência, em jornais estrangeiros, a verdade é que neste
momento é p desenhador português mais difundido além-fronteiras, representado
em agência distribuidora dos seus trabalhos pelos jornais dos quatro cantos do
mundo.
Como o
conseguiu? «Só através dos Salões
Internacionais é que um artista consegue ultrapassar as fronteiras, e ser
conhecido», afirmou o António. Por essa razão, já esteve presente nos
Salões de Berlin, Piracicaba (Brasil), Madrid, Cuba, Montreal (Canadá)…
ganhando neste último os Grandes Prémios do XX (1983) e XXIII (1986) Salões
Internacionais. Como reconhecimento internacional, foi integrado na antologia
«The 1970’s Best Political Cartoons of the Decade», tendo sido agora convidado
a ser representante-editor em Portugal da «Witty World – International Cartoon
Magazine».
A todas
estas distinções, somou-se mais uma agora, razão pela qual resolvemos chamar a
(re)atenção do público sobre este artista, e desta forma felicitá-lo, apesar do
prémio que recebeu ter sido uma ironia que se virou contra i ironizador. Mas,
comecemos pelo principio.
Existem
alguns símbolos nacionais, nascidos e imortalizados na caricatura, pelo tempo,
pela necessidade, gosto, identificação de um povo. Não sendo criações anónimas
populares, existem pelo seu beneplácito. São o caso do Zé Povinho, John Bull,
Tio Sam… Porém, nunca se tinha dado o evento de um desenhador estrangeiro,
estranho à terra em convívio, criar ele sozinho um símbolo nacional e depois
criar-se uma campanha para o impor. Foi o que o americano Laurie fez, ao criar
o «Cousin Lee», como símbolo do povo da Formosa (Republica da China). «É um
processo que aparece desligado das raízes nacionais, um processo que não tem
grande seriedade».
Para
lançamento do símbolo, a «Central News Agancy» e o «China Post», o jornal mais
importante da ilha, organizaram um Salão Internacional, para o qual convidaram
desenhadores de todo o mundo, em variações sobre o mesmo tema. Dessa forma, o
António também foi convidado. Não tinha dados, características do símbolo, do
povo para fazer o desenho. Era alfo que tinha de criar em falso, algo de
plástico. «Por isso, resolvi representar o China Post, como uma fábrica que expele
fumo, resíduo, em forma de um símbolo, o “Cousin Lee”, que não tem consistência
em seriedade». Uma sátira à própria organização, a qual resolveu agradecer com
a ironia de um prémio. «O sistema dos prémios e classificações é diferente dos
de cá: havia 3 prémios com viagens e estadia de uma semana na Formosa, e mais
29 prémios em placas. Eu recebi uma dessas placas e a lista dos premiados, onde
vem o meu nome. Foi uma surpresa»
Desta
forma descontraída e irónica, o António vai prosseguindo uma carreira sempre
presente nos jornais, ou em álbuns que vai lançando de tempos a tempos, como
«Kafarnaum», «Suspensórios», «Caras»…