Monday, June 14, 2021

«Michel Rambone em Portugal – Como se vai sapateando nos nossos “tablados”» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Dia» de 1 Maio 1987

  Quem já não sonhou em dançar como Fred Astaire, «cantas à chuva» como Gene Kelly…? Certamente já todos viram esses filmes, em que os pés dançantes acrescentam um novo ritmo à música e, com sorte, já o viram ao vivo, nas noites de Lisboa, ou num ou noutro espectáculo que percorre o país. É o sapateado que já soa nos nossos «tablados», que cresce  em corpo, ganha profissionalismo e qualidade, sob a «batuta» de Michel Rambone e de Mónica Lapa. Uns, ainda o olham como uma dança importada, sem interesse de maior, outros consideram-na como uma dança rica de possibilidades de exploração linguistico-coreográfica. Uns apelidam-na de americanices, outros como um movimento internacional…

            Mónica Lapa – Toda a dança é interncional ou nacional, dependendo apenas da forma como seja utilizada, dos elementos que lhe são acrescentados, das caracteristicas que o conjuguem numa inspiração regiona….

            Michel – Cada região tem o seu sapateado. Há o americano, que é o mais conhecido, mas també há o espanhol, não menos importante, assim como o encontramos em África… ou na Irlanda, cuja influencia deu origem a um sapateado português, cristalizado no fandango. A origem  dos passos do fandango é irlandesa, depois as variações são de cá, com um ritmo verdadeiramente português.

            O.M.S. – Mas o que é o sapateado?

            Mónica Lapa – É uma forma de expressão ritmica e corporal, onde se utiliza este último para colorir o primeiro… É a dança.

            Michel – Sapatear não é apenas o jogo dos pés, é todo um conjunto de expressões, em que bater as «claquetes» pode ser uma acessório, ou uma finalidade. Por exemplo, em Nova Iorque vimos um espectáculo em que o dançarino  tinha uma ligação do computador aos pés, os quais, ao baterem, iam criando um jogo plástico de cores e formas no écran. Nós próprios já estivemos  ligados a espectáculos (Cena Impossivel» I e II, de João d’Ávila, no Teatro D. Maria e Teatro da Trindade), em que do pretexto se passa ao ritmo da palavra. O sapateado estava em jogo com a poesia, os sons. Melo e castro fez mesmo textos para o sapateado. O ritmo é a alma fundamental do sapateado, mas o corpo é cada vez mais importante, na expressão de um dramatismo…

            Mónica Lapa – Tem havido uma natural evolução. Fred Astaure fez um estilo, um percurso, é a base clássica do sapateado. A partir do momento em que se tem essa base, partimos para a busca de uma nova linguagem. É esquecer, de certa forma, as coreografias clássicas e criar um bailado com muita mimica, dramatizar o movimento, utilizar o visual.

            OMS – Daí as vossas pesquisas em campo diferenciados da tradicional musica americaa…

            Mónica Lapa – Sim, tenho procurado o sapateado como nova interpretação, nomedamente ligado à música popular portuguesa, a improvisação como desafio ritmico entre o sapateado – a percursão – a voz…

            Michel – Eu, para além dos espectáculos, dentro da linha mais clássica, com as minhas alunas, como a Adriana Macedo e a Anabela Martins, estou neste momento a montar um espectáculo com a Mónica na base da música concreta, de vanguarda, articulando por vezes o sapateado com a música existente, encomendando por outro lado músicas sob esquemas de sapateado já pré-definido em linguagem própria: é a sapateologia. Quem está a fazer essas músicas é o Vitor Ruas e, por exemplo, já está feito um fandango.

            O.M.S. – E como vai o ensino do sapateado em Portugal?

            Mónica e Michel – O que recebemos dos estúdios não dá para sobreviver. Precisávamos de ter um centro de sapateado nosso.

            Mónica Lapa – Há muita gente interessada, une que aprendem muito depressa, outros mais lentos, mas, como sucede com toda a dança, é necessário muito trabalho. O que acontece é que vêm cá pessoas  que acham muito engraçado, gostam de ver, mas perante  as dificuldades, ao não dançarem tao depressa e tão facilmente como pensavam, desistem apó aprenderem os primeiros passos. Os que ficam são aqueles que se interessam mesmo.

            O.M.S. – Houve há algum tempo um espectáculo num teatro com o título «Sapateado» e que foi um fracasso. Houve má propaganda do sapateado?

            Mónica Lapa – O Michel não viu, porque não estava cá. Eu creio que o encenador poderia ter ido ter com as pessoas indicadas para o ajudarem. Eu acho engraçado por actores a fazer sapateado, só que tem que ser com o mínimo de qualidade. Poderiam também misturar alguna bailarinos de sapateado. Não o fizeram e foi o que foi. Mas o sapateado não fica denegrido só por um fracasso, do qual nem tem culpa.

            O.M.S. – É fácil vender um espectáculo de sapateado?

            Mónica Lapa – Já o foi mais…

            Michel – Há sempre o problema económico da montagem do espectáculo, pois somos nós que investimos, mas a partir do momento em que mostramos o que se pode fazer, em qualidade e beleza com o sapateado, encontramos logo pessoas interessadas.

            OMS –Pois se virem o anúncio de um espectáculo de sapateado, pelo menos com a chancela do Michel, da Mónica, das Meninas de Lisboa será uma boa oportunidade de ver o que se vai fazendo por cá na dança do sapateado. Agora mesmo, o Michel, com o pianista Carlos Carlos, tem um espectáculo a rodar na noite de Lisboa, com canções de Montand.

 

«MICHEL – OS CAFÉS-CONCERTO BENEFICIARAM PORTUGAL»

 

            Magro e alto, louro, de olhos… Nunca reparei na cor, talvez por olhar mais para os seus pés, que não são grandes. Outra caracteristica, considerando esses pés de tamanho normal, é o seu sotaque, que nem é do norte nem do sul, antes de trapalhão, com a desculpa de ser estrangeiro e perguiça de bem articular o português que domina há vários anos.

            Quem frequenta a noite de Lisboa conhece-o, para além das ditas caracteristicas, porque está em todos os bares, agarrado ao acordeão, vantarolando por vezes, dançando no apoio das claquetes. É francês, chama-se Michel Rambonx e vive em Portugal desde 1979.

            Do passado sabemos que trabalho sapateado com Jacques Vernon, Bense, Jean Pierre Kassel, andou no Estúdio de Mariuas, Casa da cultura de Neuilli e fez parte do grupo «Paris Claquett Show», uma companhia de teatro musical, a qual se apresentava normalmente no Cour  Des Miracles, Café d’Edgar, Le Bec Fin… que eram cafés-concerto.

            No veraõ de 79 resolveu conhecer este país à beira mar plantado, percorrendo-o em turismo de uma ponta a outra, até se fixar em Lisboa por uns meses. «Quando vim para Portugal – diz-nos Michel – não tinha nenhum projecto. Vim apenas para fazer turismo, que é uma coisa que adoro, viajar e, muito menos pensei em vir fazer sapateado. Mas, encontrei a Teresa Ricou (Tété), comecei a frequentar o Bairro alto, precisamente  na altura em que começaram a surgir os pequenos cafés-concerto, como o “Sorriso”, “Café-concerto”, “Mosaico”… assim como os “entretainers” que hoje são vedetas. Eu apresentei-me com o acordeão, que não tinha, mas a Tété arranjou-me um eapresentei-me no “Sorriso”, “Drograia Idela”… até hoje. Entretanto a Teresa Ricou abriu a sua Escola de Circo, com o Mariano Franco a eninar sapateado. Entretanto ele começou a ficar doente, fui substituindo-o nas aulas, até que ele morreu e eu fiquei como professor».

            Nunca mais parou, como «entretainer» ao acordeão, como professor de sapateado e, se hoje já existe um bom leque de dançarinos de qualidade, a ele se deve. Uma dessas bailarinas é a Mónica Lapa, sua discipula desde os primeiros tempos e de quem falaremos noutro local.

            Com a Mónica e a Mizé fez o «Tap Dance show», um grupo que levou muita gente a pensar que eram “filhos” da nossa companhia de aviação, até começarem a familiarizarem-se com a terminologia desta dança. Depois, o grupo alargou-se a mais gente…

            A monotonia e o encerramento na concha, são os piores inimigos de qualquer arte. Por essa razão, em Outubro de 1986, partiu para Nova Iorque

a tomar o fresco, a reciclar-se durante quatro meses. «Trabalhei em seis estúdios e vários professores. O principal foi Dany Daniel, que é o coreografo do “Tap Dance Kid” e que conquistou em 1986 o “Tony” para melhor coreografo.

            Trabalhei também com Germaine Salberg, que faz um estilo muito diferente, com ritmo mais forte, á base do “Swing” negro; com Bob Ava, que faz um estilo mais clássico, tipo Fred Astaire e trabalhei também com dois alunos dele; com Henri Le Tang que era o coreografo do «Cotton Club» e faz um género de escola muito interessante à base de improvisação, excelente para desenvolver as ideias no momento, a técnica como linguagem sempre pronta a intervir e não rígida; com Judy Ann Bassin dentro de um estilo funky; com Godderdz, Lockery o sapateado de teatrop. Vi também muitos espectáculos, aprendi imenso e tenho que lá ir todos os seis meses, para me manter actualizado».

            Cheio de estímulo, renascido na forma de dar aulas, Michel ai está de corpo inteiro a ensinar sapateado, a apresentar-se com espectáculos, só ou com um novo grupo como a Adriana, Anabela, a Sónia, a Luísa…

 

«MÓNICA LAPA – Prima-bailarina da nova geração»

 

            Franzina de corpo, cabelos negros e olhos profundos de expressão, é a prima-bailarina e coreógrafa do nosso sapateado que já vive em profissionalismo. Chama-se Mónica Lapa.

 

            Tudo começou num inverno de 1981…. Na verdade não sei bem se era inverno, mas para começar parece mais poético. Como ia dizendo, principiou em 81 na Escola de Circo da Téte, onde se deslumbrou por essa arte de ritmo e dança, iniciando uma «escolaridade» e relação profissional com o Michel, que se mantém até hoje.

            Logo em 83, procura maiores conhecimentos, as raízes dessa arte em Nova Iorque, na companhia da Mizé, outra bailarina que a tem acompanhado nesta escalada, sob a orientação de Eddie Wright, Phil Black e Felton Smith. Foi pouco tempo, já que foi sem apoios extermos.

            Em janeiro de 84 encontram-se cá a abrir uma escola, a «Shuffle Staeo», no Café-concerto, o qual passou a ser o «Centro de sapateado em Portugal», com aulas e espectáculos diários. Chegaram a ter uma centena de inscrições e «foi importante como primeira grande campanha de divulgação e ensino do sapateado».

            Sobre essa Escola há uma história curiosa. Todo o dinheiro que o Michel, Mónica e Mizé tinham, foi empatado nos espelhos e estrado da escola, mas como o espaço era escasso, com os encontrões vários, os notívagos descudados… os espelhos foram caindo um a um, encerrando passo a passo a possibilidade de aulas e, finalmente, da escola.

            De novo procurarão no estrangeiro o complemento às suas educações, partindo para Paris uns meses em 84 e de novo em 85, sob a orientação de Tony Clide, Victor Kuno e Danny Frankan… Em Lisboa, fizeram cursos intensivos com Stefanie Mure e Juddy Ann Bassin.

            Entretanto, durante todo esse tempo, o trio «Tap Dance Sow» nunca parou de fazer espectáculos, os quais rondam as 500 apresentações. «Por vezes era todos os dias, o que deu uma óptima rodagem, muita experiência, um calo de bem estar no palco», diz Mónica.

O grupo «Meninas de Lisboa» foi uma viragem na vida da Mónica e, mesmo do sapateado em Portugal. Fundado em 86, pela Mónica com a Mizé, Aldara e Catarina, substituída agora pela Carolina, vieram trazer uma nova golfada de ar, diferente, com outro género coreográfico e polifacetado do sapateado. Se antes havia apenas um grupo, o do Michel, agora existem dois, e bons: «A criação deste grupo – declara Mónica – foi no fundo uma necessidade de me afirmar como coreógrafa (o que já conseguiu), de conquistar um pouco a independência. O Michel sempre foi o mestre, o conhecido e eu não passava de uma acompanhante, estava sempre na sombra. Isto não tem nada a ver com zangas, pois continuamos a trabalhar juntos!»

            Com o grupo, já montaram vários espectáculos, já fizeram experiências com a música popular portuguesa, acompanhando os espectáculos de Vitorino, num constante renovar da linguagem e do sapateado. Dentro desta linha, Mónica trabalha actualmente com Janita Salomé numa fase rítmica, pondo em jogo a relação percussão – voz – sapateado e, com o Michel, na exploração da música electronica ou concreta.

            Os espectáculos e o ensino prosseguem na luta de profissionalização. Um sonho, que poderia deixar de ser se as instituições deixassem de desdenhar o sapateado e compará-lo a qualquer outro tipo de dança e, consequentemente dar apoios, bolsas de estudo…


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