Tuesday, June 22, 2021

Manuela Santos a “O Dia” – Gosto de ir ao fundo das coisas com todas as consequências» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Dia» de 2/8/1987

Acusada de ter um temperamento não dócil, nem sempre acarinhada pela crítica, a cantora Manuela Santos é uma artista que não deve a sua carreira a niguém, apenas à sua perseverança e suor. Se não tem uma voz lírica que a projecte no estrelado internacional, ninguém lhe pode negar o calor do seu timbre de mezzo de coloratura, a força interpretativa com que canta as palavras, a actriz que é nos simples movimentos. Os espectáculos, nem sempre mantêm a regularidade necessária a qualquer profissional e se passa meses ausente, outros há em que surge diariamente como é o caso desta semana, participando em quatro espectáculos com três programas diferentes: «Serestas» de Villa-Lobos (Festival Costa do Sol), um espectáculo magnifico; «Espírito de Contradição» (Teatro de São Carlos) num papel não adequado à sua voz e consequentemente prejudicial e ontem à noite «Pierrot Lunaire» de Schöenberg (Festival dos Capuchos) na Central Tejo de Belém, a primeira vez que esta obra foi realizada apenas por portugueses.

 

OMS – A sua carreira não tem sido fácil: isso leva-me a perguntar-lhe como vê a vida de cantor em Portugal?

Manuela Santos - «Sem querer personalizar as dificuldades, acho que logo à partida existe uma deficiência de ensino, há falta de professores, falta de uma preparação paralela, falta de uma preparação paralela á técnica de canto. Para além de se ter que aprender a utilizar o instrumento tecnicamente, tem que se saber o que é interpretação, conhecer e saber escolher o reportório e sua característica estilísticas, ter cultura geral. Qualquer obra que se cante, seja lied, oratória, ópera, modinhas… tudo tem que ser espectáculo, antes de tudo. Para isso, o instrumentalista / cantor tem que estar na posse da sua dimensão dramática. Saídos dos Conservatórios, sem qualquer tipo de experiência, os artistas podem audacionar para as duas únicas instituições produtoras de espectáculos e postos de trabalho – Gulbenkian e São Carlos. Se conseguem ser chamados e bem sucedidos, eventualmente podem ser chamados de novo; senão, tem que esperar e repetir o processo; porém, no melhor dos casos, não cobseguem melhor que uma ou duas participações anuais, que obviamente não chegam para um artista sobreviver.

É que para além da falta de preparação, há também falta de mercado. Seria necessário criar outras alternativas como uma Ópera Estúdio, uma Companhia de Opereta… Por outro lado o Mecenato, em vez de apoiar quem já tem dinheiro, devia dar de facto possibilidades aos próprios cantores para organizarem espectáculos seus, como aconteceu com «Um Serão à Moda Antiga», apoiado pela Cerveja Bohémia.

Se o artista não tem possibilidades de substituir, restam-lhe apenas duas hipóteses: um outro emprego, passando o canto a ser actividade secundária com toda a carga negativa que isso implica, ou concorrer para o lugar de coralista, esperando a possibilidade de ser chamado para fazer pequenos papéis, nem sempre adquados à sua voz.

OMS – Só que Manuela Santos não é pessoa que fique à espera…

Manuela Santos – Á partida, cono não sou convidada regularmente pelas entidades produtoras tomo a iniciativa  de me produzir, por vezes com um saldo financeiro negativo, porque gosto que haja qualidade nos factos, no envolvimento.

O tipo de espectáculos, tem a ver com a minha ideia do que poderia ser a «educação» e cativação de um público. Diz-se, nos meios musicais eruditos que não há mais público que as três récitas do Teatro de São Carlos, mas se isso é verdade, é porque durante muitos anos se viveu de um público fixo, esquecendo que a população evoluiu e não se esteve atento às solicitações desse novo público. Os centros eruditos fecharam-se em si mesmos, em vez de irem ao encontro da juventude. A proposta dos meus espectáculos é, através de obras mais acessíveis, familiarizar o público com essa raça desconhecida e estranha, que são os cantores de «Ópera», indo ter com eles aos locais onde estão e dar-lhes sempre em envolvimento visual.

OMS – Como aconteceu esta sobrecarga de trabalho nesta semana?

Manuela Santos – É o aproveitar as oportunidades que surgem, por casualidades e o medo de que, na minha posição de coralsta que pretende ser solista, a atitute de recusar um papel oferecido, apesar de desfavorável à minha voz, fizesse o Teatro fechar-me as portas a outros trabalhos.

OMS – Em contrapartida as «Serestas»…

Manuela Santos – Foi uma surpresa muito agradável, primeiro por ter sido convidada a participar no Festival da Costa do Sol, segundo por se tratar de um tipo de música que me agrada muito, ser Villa-Lobos e em português, embora as «Serestas» fossem um reportório desconhecido para mim. Mas a maior surpresa de todas e sem dúvida a mais agradáve foi o facto de, apesar de ter apenas três ensaios com o pianista Robert Szidon (especialista em Villa-Lobos), este tem afirmado que tinha encontrado pela primeira vez cantoras que fizessem a integral das «Serestas» e com o rigor de estilo necessário.

OMS – E o «Pierrot Lunaire» como surgiu?

Manuela Santos – A proposta foi-me feita há um ano pelo pianista João Paulo Santos, quando este foi convidado a dirigir esta obra no Festival dos capuchos. Se o João Paulo me convidou, uma das razões, foi a de , seundo palavras dele «ser uma cantora que não tem medo de “estranhar” a voz». De facto o Pierrot Lunaire é uma obra muito especial, pois tem que se ir até ao fundo das coisas, com todas as consequências. Muitos cantores, quiçá por conceitos de técnica  erradas, ou por defesa pessoal, cometem, quanto a mim, o erro de sacrificarem o personagem e o espectáculo no qual estão envolvidos, à sua comodidade vocal – não confundir incomodidade de tessitura, destruidora de uma voz e incomodidade vocal como entrega. O meu objectivo é sempre o de salvaguardar a integridade do espectáculo como um todo, mesmo que eu arrisque a minha “garganta”.

OMS – O facto de ser a primeira vez que é apresentado só por portugueses, não especialistas, isso não a assusta?

Manuela Santos – Antes pelo contrário, é uma coisa que me atrai. Talvez seja um trauma meu, mas quanto mais desconhecidas mais me fascinam, sobretudo porque, apesar do seu extremo rigor de escrita e, consequentemente de condicionalismo, permite um enorme campo de busca e interpretação pessoal.

OMS – É conhecida por se apaixonar pelas obras em que entra…

Manuela Santos – Não sei se sou conhecida por isso, mas é um facto e tem a ver com o que eu disse anteriormente, que o espectáculo só pode ser feito através da compreensão que cada artista tem do seu personagem, e da forma  como este se integra no espectáculo. Não me interesso apenas pelas coisas que dizem respeito ao meu papel, pelo contrário, assisto sempre ao trabalho feito com tofod os outros personagens.

OMS – Na nota distribuida à imprensa di-se que o Pierrot é feito numa versão não cantada, antes recitada, parecendo que não é a versão de Schöenberg…

Manuela Santos – Eu de facto não sou especialista, mas creio que não se deve dizer uma coisa, nem outra. De facto não é cantada segundo o conceito tradicional que se tem do canto, mas obedece a uma melodia e a um ritmo rigorosamente escrito, o que está em oposição ao que se pode chamar recitar um poema. Creio que o próprio Schöenberg, sabendo o que queria, tinha dificuldade de designar com exactidão este estilo de canto/fala.

OMS – Como é o futuro?

Manuela Santos – Existem várias propostas para repetir este espectáculo, mas em Portugal só acredito no momento em que as coisas acontecem (Este «Pierrot Lunaire» acabaria por ser gravado pela RTP e transmitido com realização de Carlos Barradas). Em Ourubro participo em mais um espectáculo do Centenário de Stuart Carvalhais e o resto é uma enorme incógnita.

Espero que o Teatro de São carlos tenha em conta o meu esforço e me dê uma oportunidade adequada à minha voz,  e estou aberta a todas as propostas que me queiram fazer, não exclusivamente no domínio do cantoo, mas também como actriz Se entretanto nã me conseguir afirmar como cantora preferirei consagrar-me, de novo e definitivamente ao Teatro declamado e aos meus espectáculos particulares

(Para além de vários espectáculos de teatro fará filmes e telenovelas como «A Roseira Brava»…)


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