Sunday, June 20, 2021

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1945» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1945 

"Stuart Carvalhais começa hoje a trabalhar em «Os Ridículos» é a boa notícia publicada a 24 de Janeiro naquele hebdomadário: … o inimitável Stuart. o artista-boémio que, noutro país, seria rico de dinheiro como é em génio começa, a partir de hoje, a trabalhar no nosso jornal, alternando, nos desenhos da primeira página, com Alonso, o nosso brilhante desenhador.

Na realidade é a passagem de testemunho progressivo, após mais de duas décadas de predomínio nas primeiras páginas. Sem desprimor para Alonso, inicia-se então uma das melhores fases de "Os Ridículos", e uma fase onde finalmente Stuart encontra uma estabilidade económica. A sua boémia, e as doenças da velhice é que acabarão por o atraiçoar de tempos a tempos, impedindo-lhe a fidelidade semanal aos seus leitores deste jornal.

A velhice da "velha guarda" do humor nacional é um facto irrecusável, e alguns artistas preparam já a sobrevivência da sua obra pós-mortem.

A instituição Museu, tem sido algo bastante distanciada do humor gráfico. Com muito custo pessoal, e muita luta para que as entidades oficiais aceitassem, conseguiu-se na década de vinte criar finalmente o Museu Raphael Bordallo Pinheiro. Um espaço que, apesar de ter sido uma oferta, raramente tem sido acarinhado, e dignificado o seu património, sua função de casa do humor, dinamizadora de uma arte. Neste ano de 45, Leal da Câmara tenta criar o seu próprio Museu, inaugurando a 16 de Setembro o Atelier-Museu, na sua residência na Rinchoa. Abre assim o seu espaço, a sua obra ao público. Essa vontade de criar um polo de dinamização do humor foi posteriormente continuada pela sua viúva D. Júlia Azevedo, que em 56, e reafirmado em 65 doa toda a obra e espaço à Câmara Municipal de Sintra como depositária, e animadora do espaço, que é hoje a Casa-Museu Leal da Câmara

A 12 de Julho, mais por iniciativa do juiz Dr. Luís de Oliveira Guimarães, mas em nome do "Grupo de Humoristas Raphael Bordallo", realizou-se na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa uma “sessão humorística” em torno do personagem caricatural «Conselheiro Acácio». Segundo relato do organizador foi uma iniciativa que atraiu muito público, ao ponto deste já nem conseguir entrar no edifício. Houve vários oradores, que fizeram conferências, que leram textos de outros autores, com caricaturistas a ilustrarem ao vivo os textos... Segundo a imprensa Mais de mil pessoas assistiram, uma noite destas (in "República" de 17/7/45), na Sociedade Nacional de Belas Artes, à sessão solene de homenagem … a sua excelência o senhor «Conselheiro Acácio».

Tantas e tantas pessoas ali afluíram que se fez mester deitar abaixo uma armação divisória - tornando assim mais amplo o espaço para quantos, rendidos à evidência das qualidades eminentes da distinguida personalidade, desejaram ofertar o concurso da sua presença a tão justa e significativa manifestação.

Falaram diversos oradores, entre eles o autor do livro que ora vem do prelo. Fizeram-se altas afirmações que foram, de pois motivo de profundos comentários, e na assistência, visivelmente comovida, houve quem desse largas às fraquezas do coração. Em muitos olhos, olhos de respeitáveis cidadãos que por mera coincidência não eram «Acácios», viam-se lágrimas de enternecimento, a cair a fio.

O sr. «conselheiro Acácio», por motivos graves que justificou plenamente, não pode comparecer mas ficou vaga a cadeira da presidência que ele devia ocupar - lindo gesto ! - e fizeram-se representar alguns parentes. Com isto se dá satisfação àquele senhor que a certa altura, em presença dos gestos eloquentes de tantos oradores brilhantes, perguntava ao vizinho - «quem é que estava ali da família…»

A homenagem foi, pois, um acontecimento. Civilizados e iluminados discursos, inauguração de um busto e, principalmente muita erudição… /…/ aqui aconselhamos a leitura do livro do nosso prezado colaborador sr. dr. Luíz de Oliveira Guimarães, O Conselheiro Acácio, último retoque, digamos na cúpula do edifício erguido em honra do virtuoso cidadão há poucos dias homenageado… 200 páginas repletas de conceitos que obrigam a séria cogitações - brilhante colaboração de muitos nomes ilustres nas letras e nas artes - inspirados na larga projecção da imortal personagem criada (?) pelo génio de Eça…

Na realidade este livro, se foi impresso, nunca chegou às livrarias, ao público, já que a Pide à saída da tipografia, confiscou todos os livros, provas, originais... e queimou-o em auto-de-fé.

Esta era apenas uma manifestação humorística, que não visava ninguém em concreto, mas a polícia, que suspeitava de todos os artifícios com que normalmente os artistas ludibriavam a censura, considerou ela que o Conselheiro Acácio era o Salazar. Eles lá tinham as suas razões para acreditar nisso...

Ramada Curto também lá esteve, e deixou-nos o seu relato no "Jornal de Notícias" (de 18/7): Na quinta-feira passada realizou-se no grande Salão de festas e exposições da SNBA uma sessão solene em homenagem à memória do Conselheiro Acácio, a personagem já agora clássica, do Primo Basílio do Eça, promovida pelo grupo de escritores e Artistas que sob a invocação do nome de Bordallo cultivam o humorismo /…/ O "humour" é um género especial de graça, previndo de Inglaterra e que. adoptado em diversos países, em cada País reveste no entanto o jeito característico, o feitio rácico, a maneira própria dos que a cultivam.

/…/ Em Portugal há a boa «chalaça» portuguesa e a «piada» de café, dos cafés de Lisboa e Porto, por vezes admirável, sintéticas, genial, a mais fácil produção de um povo que se vinga da sornice e pelintrice da vida e que, não havendo já Índias nem Brasis a descobrir, descobre que, para descansar de tanta epopeia, o melhor que tem a fazer, é rir-se.

/…/ Que bela disposição a da assistência ! E note-se que além de ser muita gente, - um casarão cheio hasta los topes, com cachos humanos pendurados das galerias da casa e outros que não passavam da porta por não caber - além de muita, a gente era composta. Havia de tudo, povo, nobreza - até clero. Dois respeitáveis e simpáticos eclesiásticos notei eu, nas primeiras filas, que se torciam de puro gozo, a cada boa piada dirigida à imperecível e mortal figura do Conselheiro Acácio. Pairava qualquer coisa no ar. Sentia-se uma atitude comum, na receptividade de toda aquela gente. O sucesso não foi dos oradores nem dos caricaturistas. Foi da assistência. Já vinha feito de casa. Sentia-se que todas essas senhoras e esses homens - comerciantes, letrados, populares, oficiais, casados, solteiros e mesmo em qualquer outro estado - ansiavam por ouvir falar d'Acácio, por ouvir «piadas» ao Conselheiro, por saborear «boutades» com duplo sentido - por desopilar, rir, ter opiniões críticas, nem que fosse expressas em gargalhadas !

E verifiquei como uma figura literária, imaginada apenas por um ironista de génio, tinha na alma duma multidão uma existência tão real como, se em verdade, fosse de carne e osso e morasse à esquina da rua! Espantoso poder o da criação literária ! Como Quixote pode ser uma realidade gloriosa, nas imaginações !

Como Acácio pode ser uma pessoa viva em Portugal ! Se, no fim da sessão, dessem àqueles espectadores todos, bolas de pano para bombardear o busto caricatural do Conselheiro, apesar deste busto ser uma maravilha de talento satírico de Júlio Rocha Dinis, teria ficado em cacos.

A eternidade d'Acácio está assegurada. E o povo regala-se de fazer pied-de-nez ao Conselheiro !

Iniciamos este ano falando dos "Ridículos", e terminamos n' "A Voz dos Ridículos". É assim  que se chama o programa humorístico que nasceu a 17/4/1945 na Portuense Rádio Clube. Criada pelos criativos João Manuel e Mena Matos, sobreviveram aos tempos até aos dias de hoje, sendo o programa com maior duração em portugal, não só no humor, mas em toda a história da Rádio. Devido a problemas com a censura, a qual fechou a emissora em 1950, mas eles mudaram-se para a Ideal Rádio, depois para os Emissores do Norte Reunidos, Rádio Comercial Norte, para ainda agora estarem na Festival.

Em entrevista ao "Diário de Notícias" de 21/4/1996, o fundador João Manuel recorda : A Censura estava sempre à porta. Nunca tivemos medo, nunca o medo e o ódio estiveram nos nossos programas. Fazíamos trocadilhos com os nomes: o Oliveira Sol a Dar, aquele da terra de santa Maria do Dão, e os vermelhos, que eram apenas jogadores do Benfica… Por este programa passaram todos os principais guionistas humorísticos do norte, e do sul.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?