Tuesday, May 04, 2021

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1942 » Por Osvaldo Macedo de Sousa

1942

Este ano de 42 ficará marcado pelo desaparecimento de uma grande figura do mundo do jornalismo e do humor-gráfico - Pedro Bordallo Pinheiro, o director-fundador do "Sempre Fixe", que a 12/2/42 nos notícia a sua morte :

"Sempre Fixe" cobre-se hoje de crepes para chorar sentidamente a morte daquele que foi seu fundador e seu director durante toda a sua longa vida de 16 anos.

Desaparece desta casa aquele que, sem ser um humorista, tinha como ninguém o sentido das oportunidades e vislumbrava, num relâmpago de inteligência, o momento propício de atacar um facto, de fazer uma crítica, de preparar uma charge.

Foi assim que Pedro Bordallo conseguiu fazer de «Sempre Fixe» um dos mais duradores hebdomadários portugueses, sem favor nenhum, o mais querido de todos os semanários de caricaturas que se tem publicado no nosso país. Sob a sua sabia e prudente direcção «Sempre Fixe» só grangeou amigos e, sendo um jornal de caricaturas, nunca melindrou quem quer que fosse, porque Pedro Bordallo sabia como ninguém confinar-se dentro das fronteiras do humorismo sem atingir nunca o campo das ofensas pessoais.

Todos quantos aqui trabalham tiveram ocasião de apreciar os fulgores da sua inteligência e os primores da sua educação, que faziam de Pedro Bordallo um chefe respeitado e um amigo sinceramente querido.

Era um dirigente na verdadeira acepção da palavra, mas era, a cima de tudo um homem de coração que o sabia ser sem alardes, discretamente, dando por vezes a impressão, de que, quando fazia o bem, quasi que pedia desculpa de que alguém precisasse dos seus favores, porque os fazia, e muitos, quantas vezes até sem esperar que lhos pedissem.

Junto do seu leito de morte reuniram-se milhares de pessoas de todas as categorias sociais, mais no cumprimento dum dever de amizade e gratidão do que por esta obrigação protocolar a que obrigam as relações de sociedade, e bem raros eram os olhos em que não se via saltar uma lágrima. /…/ Pedro Bordallo morreu, mas fica a lembrá-lo, pelo tempo fora, como o melhor padrão da sua glória, este jornal que ele fundou e a quem dedicava uma amizade e um carinho verdadeiramente paternais…

O jornal "República" (7/2/1942), por seu lado recorda-o desta forma: /…/ Oriundo de uma família distintíssima de artistas, Pedro Bordallo aliava aos primores da sua alma bondosa os dons de uma verdadeira fidalguia de maneiras que o seu «aplomb» de verdadeiro «gentleman» ainda mais valorizava. Dele se pode dizer com exactidão que tinha uma alma sã num corpo são…

/…/ Desde a sua estada no Rio de Janeiro, onde esteve dirigindo a livraria Aillaud, passando pela fundação da grande revista "Atlântida", cuja direcção entregou a João de Barros, até à fundação do "Diário de Lisboa", e do semanário "Sempre Fixe", de que era director, toda a vida de Pedro Bordallo é constituída por um admirável sentido de valorização editorial em que a técnica e o bom gosto se reuniam em feliz aliança.

A Direcção do "Sempre Fixe" foi então entregue a Alfredo Vieira Pinto.

Neste mesmo "Sempre Fixe" sobrevive a obra de um dos mestres que se impõem nestes anos na arte nacional, através do surrealismo. Falo de Cândido Costa Pinto, que assinou a sua obra satírica como Cândido, Pintuf, Pin, Xapin, didinho, Tapin… e que a par de uma obra mediana, de anedota comentada, realizou das melhores caricaturas e sátiras de então, seja na "Acção", seja na "Vida Mundial Ilustrada"…

Na realidade o seu humor, assim como a técnica da maior parte dos seus trabalhos humorísticos ficam aquém dos seu valor como artista plástico, variando o traço segundo o pseudónimo, viajando do naturalismo amadorístico, ao modernismo academizado, como se fossem trabalhos feitos sem brilho gráfico, apenas para ganhar uns tostões extras. Porém, na caricatura, e nalgumas sátiras à política internacional, de cunho anti-nazi e anti-Staline, todo o esplendor da sua irreverência estética salta com agressividade e beleza. Num momento em que brilham novas correntes de hiper-realismo caricatural como Pacheco, Rosa… Cândido para além de algum surrealismo onírico, dá à caricatura uma forte carga expressionista.

Falando em surrealismo, e apesar de não ser este o lugar para tratar das correntes que entretanto vencem nos outros géneros das artes plásticas em Portugal, gostaria de chamar a atenção para o lado humorístico do surrealismo de Cândido Costa Pinto. Principalmente nas obras ligadas a Lisboa, ao fado (como "Lisboeta", "Anti-fadismo", "Lisrismo Fadista"…), denota-se uma visão satírica, irónica da Lisboa que não o soube amar. Para mim, todo o surrealismo tem um espírito humorístico intrínseco, de visão grotesca da fantasia, e estas são as suas melhores obras.

Cândido Costa Pinto, com trabalhos como "Hitler - O Inferno na Terra", "Perplexidade", "Franco", "Salazar"… impõe a caricatura de novo na vanguarda das artes nacionais, ao lado de uma ou outra abstração caricatural que Teixeira Cabral, D. Fuas, Vascó… iam apresentando. Mas se após o Surrealismo, proveio o Neo-realismo, não podemos deixar de aceitar que, sendo a caricatura por natureza filosófica denunciadora dos problemas sociais, o desenho satírico estava desde logo incluída nesse movimento, sem necessitar de o declarar.

Teixeira Cabral, que já tínhamos apresentado, como o mestre da caricatura síntese, nem sempre brilha no seu esplendor estético, mais preocupado na sobrevivência, na resposta rápida às encomendas, e com o tempo vai perdendo a força plástica que nas suas origens os críticos lhe apontavam.

O Humor não pára, sobrevive por diversos meios, apesar de a sociedade sentir a falta de uma outra dinâmica. Por essa razão encontramos ma revista Vida Mundial Ilustrada de 12/3/41, o seguinte apontamento na página de Luís de Oliveira Guimarães: Perguntaram-nos há dias se o Grupo dos Humoristas Portugueses tinha emmudecido. Não pertencemos à sua direcção para podermos responder, mas afigura-se-nos que o humorismo, embora doloroso, que lavra pelo mundo, não deixa espaço para qualquer outro. Palavras de um dos activistas da formação do Grupo que denota as questiúnculas que dispersaram o grupo. Mais tarde tomaremos conhecimento que a dissolução oficial do grupo, mas de forma recatada, deu-se em 1943. Entretanto L.O.G., com Zéco, mantêm uma página na referida revista, onde vai semanalmente homenageando os humoristas portugueses.

Temos falado sempre dos humorístas gráficos, e passam-nos ao lado uma série de artistas, que pela escrita também enriqueceram não só a imprensa como o nosso quotidiano, com o seu humor. Um deles foi Armando Ferreira, uma dos mais profícuos autores da nossa literatura humorística. Luíz d' Oliveira Guimarães (in Vida Mundial Ilustrada de 19/3/1942) descreve-o desta forma: Já uma vez escrevemos que Armando Ferreira lembrava aquele risonho personagem conhecido pelo nome de Mark Tapley que Dickens criou no seu célebre «Martin Chuzzlewit» e cujo fim na existência dir-se-ia ser apenas isto: manter, mesmo nas mais penosas circunstâncias, um imperturbável bom-humor. Na verdade o autor da «Lisboa sem camisa» assemelha-se na sua filosofia ao personagem de Dickens. Tendo concluído uma bela manhã, depois de ler o «Diário de Notícias», que a humanidade não podia resgatar-se dos seus erros senão pela boa chalaça, cedo se converteu num intérprete literário da sua própria doutrina. Com pouco mais de 20 anos e algumas centenas de meses escreveu até agora quase trinta volumes; e se é certo que, de volume para volume, a sua observação se compraz em apurar-se num sentido cada vez mais irónico, os seus processos de realização conservam, de certo modo, as suas características pessoais. /…/ Há quem diga muito mal de armando Ferreira. Evidentemente ninguém é perfeito neste mundo, mas temos de reconhecer que este homem conseguiu fazer dos defeitos que porventura muitos lhe encontram, algumas qualidades para os seus triunfos no campo das letras.


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