Friday, May 07, 2021

«Critica das Críticas – O Criticão» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Dia de 4/6/1986

 A crítica é o poder fictício na opinião ou o poder real da opressão? No fundo, é um poder ambicionado por todo o mundo, mesmo que o não confesse abertamente.

O crítico é o povo português, como gosto aldeão de comentar as ousadias da vizinha, as grandiosidades do vilão, as desgraças do Zé.

O crítico é também a cidade, na sua frustração de individualidade em fuga do anonimato.

No dicionário da rua, o crítico é o falhado estético, numa frustração profissional que substitui a criação própria, pela opinião sobre o outrem triunfador. Uma opinião, que por ser profissional, tem que ser imposição, pois vivemos no tal país de opiniões, sentenças proferidas desde a saída de casa, passando pelo transporte, trabalho, bica até de novo em casa, a missionar os seus mais próximos. Da crítica caseira à profissional vai apenas um passo. A primeira é dada gratuitamente enquanto a segunda é a sobrevivência monetária de alguns.

O crítico, no meio crítico, é também a sobrevivência critica, entre os críticos da sua critica. É um caminhar inseguro na corda bamba no circo da vida e, por isso mesmo, um processo defendido por regras de sobrevivência. Em Portugal, onde vivemos e que melhor conheço, o crítico deve, para sua protecção, seguir as seguintes leis:

1) Dizer sempre bem do que vem do estrangeiro. Quando algo corre mal, a culpa é da falta de organização dos nacionais;

2) Dizer sempre bem de quem está na moda, como diz o povo –opinião, quem está  na mó de cima;

3) Dos que são ainda pouco conhecidos, pode-se falar, mas só quando existe falta de matéria, de actividades dos consagrados, assim como da Galerias de arte menos conhecida quando sobre espaço. Nessa altura, deve-se escrever de forma a: se no futuro o artista triunfar, poder-se encontrar frases proféticas do valor – êxito; se o futuro for o fracasso, poder-se encontrar a crítica-vaticínio;

4)Daqueles que deixaram de estar de moda ou de quem ainda ninguém suspeita o futuro, o melhor é não escrever nada, não vá o diabo tece-las;

5) Na crítica, deve-se escrever muito, dizer pouco, e demonstrar grande cultura, que se possui muitos livros e que se conhece muita gente do meio;

6) LEI FUNDAMENTAL – nunca manifestar o seu gosto pessoal, mas a sensação que paira no «grupo» dos admiradores da sua crítica;

E o Criticão o que é que deseja ser?

Vai ser tudo isto: mais um critico entre os críticos da critica que criticam, ou seja um artista frustrado a falar dos que não o são, ou lutam para o não serem; elogiar o estrangeiro, o consagrado, a moda; vai tentar mostrar-se culto e paternalista; sonha ao mesmo tempo ser o «cão» do crítico, sem no entanto querer parecer a «orquestra do São Carlos» que tem como intuito primeiro, abafar as belas «vozes» nacionais ou estrangeiras.

O criticão é um burlesco, mas não é um humorista, antes pelo contrário, um pessimista e se por acaso alguma vez tiver graça, não é por humor, mas por sátira que calhou bem.

O criticão é um homem sem tempo, para se passear pelas quase quarenta Galerias da capital, pelo teatros, pelas salas de concertos… por isso vai ser simplesmente um «parasita» dos outros críticos, Fazendo a «crítica das críticas» tem a certeza de cumprir as «leis» protectoras dos profissionais da opinião.

Para terminar esta apresentação da nova crónica semanal, aconselho-vos neste mês de Junho, em que finalmente a Televisão Portuguesa deu o justo lugar, na sua programação, à cultura (da bola) – vão visitar as exposições colectivas que são várias no momento, porque se vê mais em menos tempo e, entre tantos, sempre pode haver a sorte de se gostar de alguém.

Atá para a semana, à mesma hora e local.

O Criticão.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?