Tuesday, May 11, 2021
«Ana Jotta na E.M.I. – V.C. – A Paleta e o cão» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Dia» de 7/2/1987
Nos anos dez do nosso século, a irreverencia foi mais assumida do que criativa, num grupo de jovens artistas onde se destacaram Almada, Santa-Rira… Hoje, de novo a irreverência floresce nos espíritos, porém, vive mais nas obras do que na vida assumida.
Na vida há gentes adormecidas,
outras coscuvilheiras, políticas ou anónimas, como existem formas de estar
passivas ou criativas. Criativa, irreverente mas recatada é a artista que expõe
neste momento na Galeria EMI-VC, «Eu seja cão».
Ana Jotta se chama, natural de
Lisboa, entrou em 63 na ESBAL, tentando o curso de pintura, mas logo no ano
seguinte parte para Bruxelas onde surge a oportunidade de entrar para a École
Superieur d’Architecture et d’Arts Visuels de l’Abbays de la Chambre,
frequentando de 65 a 67 o curso de cenografia. Antes de regressar, em 1967 a
RTF, pelo Canal 2 fez um programa «História de Feltro» com desenhos de Ana
Jotta.
Teriam que passar dez anos, em
que o trabalho continuou intramuros caseiros, até surgir ap público, desta
feita pela cenografia. Em 77 fez os cenários de «a Estalajadeira» de Goldini no
Teatro da Graça, e «Miss Julie» de Strindberg para o Teatro Hoje; em 78 faz o
«Fatalista» de Diderot para Prod. Teatrias Ldª; em 80 «Konflenz» de Jacob Lenz
no Teatro da Cantina Velha e «Irivir» de Beckett no Bar Frágil… Entretanto
surge no cinema, criando as cenografias da «Conversa Acabada» (1980),
«Silvestre» (1981)…
Na pintura e criação de objectos
ditos arte, apenas surge ao público em 1979, na Lis’79, depois na Arteder’82 em
Bilbao. Nesse mesmo ano é selecionada para a exposição da S.E.C. «Aspectos do
Desenho Contemporâneo em Portugal». Ainda em 82, ilustra o livro «Três
solidões» de Carlo Vittorio Cataneo para as ed. Contexto. Em 86, realizou a
colectiva «Gaetana» na E.M.I. e finalmente neste ano realiza a sua primeira
exposição individual na mesma Galeria.
OMS – Ana Jotta cenógrafa e
pintora. Qual a fronteira entre elas?
Ana Jotta – A pintura e a cenografia são imagens, mas a encomenda
diferencia-as. Jáfiz pintutra por encomenda, mas era patroa de mim própria, sou
eu que decido o que vou fazer. Um cenário é uma encomenda, um trabalho para o
exterior.
OMS – Qual a importância do
cenário no espectáculo?
A.J. – Acho que os cenários são dispensáveis no Teatro. Quando há uns anos
dizia que estes eram a legenda da acção ou da história, eu queria dizer que não
deveriam ultrapassar uns certos limites, o que acontece muitas vezes e vê-se as
pessoas dizerem que têm emoções estéticas, o que é totalmente redundante. Não
interessa ultrapassar certos limoites, porque para mim o Teatro são corpos,
pessoas em acção, são os actores e isso é algo que vejo pouco. O cenário é
muita das vezes o chamado tapa buracos, tapa as falhas dos actores.
OMS – Crê que os nossos actores
são maus?
AJ – Os actores portugueses não sei se são bons ou maus, têm é muitos
vícios. Qualquer pessoa pode ser artista. Ser bom, é uma questão de ensaiar e
trabalhar. Infelizmente, não se trabalha muito e não se ensaia muito.
OMS – E em relação ao cinema?
AJ – O trabalho no cinema é a completa barafunda, a bagunça da Produção, a
imitar o não sei o quê. Eu prefiro ver os corpos ao vivo, mas além disso não me
interessa muito fazer cenários, já que este trabalho implica outras pessoas,
desorganização…
OMS – Organizada está agora uma
exposição: «Eu seja cão». Como surgiu o cão?
AJ – Não posso explicar. Estava a pintar e de repente apareceram-me dois
cães de capacete a andar de vespa. Apareceram-me assim, não sei como e desde aí
não parei, andei 15 dias a mudar de telas, a transformá-los, e a ficar mal disposta
porque não tenho animais, e ficava perplexa. Depois apareceu-me uma Paleta,
possivelmente por ser um material de trabalho. Tudo isto foi feito muito de
repente, em poucos meses e em relação a esta exposição ainda não tive
distanciação, ainda não posso falar destas coisas.
OMS – Na sua arte, assim como na
forma de estar, existe uma irreverência, um dadaísmo. Existe dentro de si a
arte e a antiarte. Como concilia estes mundos antagónicos?
AJ – Há uma certa distanciação que eu tenho, uma «esquizofrenia» em que eu
me vejo de fora. Estou na arte e observo como critica, já que tudo é
criticável.
OMS – Uma forma de criticares o
meio foi criar pseudónimos?
A.J - Os pseudónimos divertem-me. Diverte-me que haja um crítico, um júri
que vai criticar algo que não existe, e produzo uma coisa que sei que vão
gostar. Como a Lis’81 ardeu, acabaram com aquilo e eu tinha intenção de
continuar a produzir várias criaturas falsas, inventadas, mas não tive
oportunidade, acabei só por produzir o tal Al Cartio.
OMS – Parodia a arte, o sistema e
os artistas, mas vive pela arte!
AJ – A minha maneira de funcionar é através da arte, apenas a levo mais à
ligeira, enquanto que outros a levam muito a sério, carregando-a como um peso
que assumem sobre os ombros.
OMS – Existem cada vez mais
pessoas a assumirem-se como artistas…
AJ – Quantos mãos melhor, criados ou não pelos críticos. Seria estranho que
o artista fosse raro ou extravagante. O artista é uma coisa trivial, corrente,
que deve existir normalmente como tudo.
OMS – Apresentam-se como
irreverencia quotidiana, mas são se assumem abertamente.
Ana Jotta – è natural que ainda
tenham medo. Isto ainda está num estado um bocado cavernoso. Ainda está muita
coisa exterior a pesar em cima, como um Estado subdesenvolvido que não consegue
ser capitalista, apesar de o querer ser e isso é muito triste, é um grande
peso.
OMS – Crê que o capitalista vai
fazer mecenato?
Ana Jotta -É um interesse das Companhias para desviarem
os dinheiros que não interessa pagar ao Estado. Não é de maneira nenhuma uma
aposta na arte, nm nos artistas, não é por essa razão que poderá existir, mas
como desvio de capitais.
OMS – O capital artístico, neste
caso é a tela e nesta exposição de quadros caninos, de traçºo irreverente ou
impressionista, onde a paródia rodeia o genuino / falso, num final glorioso da
paleta surrealista, mas realista como ´+e a arte – não arte de um espirito
efervescente que há na Ana Jotta, uma discípula de Duchamp que não aceita
discípulos, mas que está exposta ao olhar do público. «Eu seja Cão» está na
Galeria EMI-VC….