Friday, April 30, 2021
«Descomprimir pelo humor» por Osvaldo Macedo de Sousa in revista «Cais» nº 87 / Maio 2004
Ensinam-nos, desde o berço, que há idades para tudo: idade para aprender, brincar, ser irreverente… até que chega a idade do juízo, da seriedade, do trabalho. Dizem-nos, que quanto mais se avança na idade cronológica, mais domínio devemos ter no riso, no humor, no pensamento irreverente. Esquecem-se de nos ensinar que a luta pela sobrevivência não tem idades específicas e que todas elas são importantes e que é pela irreverencia que o mundo avança.
Se existe algum segredo para a
sobrevivência, nesta vida, ela está certamente no Humor, na capacidade de
auto-crítica, de nos rirmos das adversidades, de nós próprios. Quem possui esse
dom é sobrevivente nato, é um resistente pela liberdade e democracia., é,
fundamentalmente um Homem Sério.
A seriedade (como símbolo de
honestidade, como democraticidade) é algo que rareia na sociedade humana,
dominada poe economicismos, por advocacias de demagogia legislativas. Hoje em
dia, vivemos esse terrorismo do politicamente correcto, em que o riso, o humor
é estigmatizado como uma ameaça aos senhores da guerra e da paz. Vive-se hoje,
uma idade de turbulências, de irracionalidades.
Já houve a Idade da Pedro, a
Idade do Ferro, a Idade Média… agora andamos numa idade baixa, a Idade do Ódio,
Claro que, em toda a existência do Homem, já houve outros períodos de grande
ódios, crueldades, intolerância… (nem nisto há originalidade) e em todas, o
riso foi perseguido.
Hoje, em nome de economias de
mercado, vende-se a alma do humanismo e se há bons dividendos para o poder, o
fosso com as camadas sociais aumenta a depressão, a irracionalidade da revolta…
Todos vemos como esse poder tenta canalizar essa irreverencia, essa revolta
para campos ditos não perigosos, só que o controle já não está na mão dos
Senhores. Perante o terrorismo do Capital, germinou um terrorismo maior, de
intolerâncias e ódios. Se o primeiro destrói pela ganância, de mata pela fome e
pela desprotecção do Homem… o segundo mata pela cegueira. Desenvolvem-se então
as intolerâncias trabalhistas, religiosas, politicas, clubísticas…
Muito se fala do terrorismo
religioso, ou de oposição cultural Ocidente / Médio Oriente, mas não nos
podemos esquecer de todas as outras intolerâncias e terrorismos do nosso pacato
dia a dia, onde o clubismo tem grande peso nessa opressão.
São as hordas de vândalos de
intolerância que povoam estádios, que destroem e que, por vezes, até matam. O
desporto, criado para manter num corpo são, uma mente sã, está a degenerar em
mentes insanas, já que as pessoas vão para o desporto despejar toda a sua
violência e intolerância diária. Ao serem incapazes de dizer ao chefe o que
está errado (insulta o árbitro), de se revoltar contra as humilhações do dia a
dia (insulta os amigos de outros clubes), as horas intermináveis nos
transportes públicos, o pouco dinheiro que levam para casa e a incapacidade de
se sentirem realizados consigo próprios fá-los ir para os campos desportivos em
bandos, em matilha, em grupos onde se sentem senhores do mundo da ordem e da
desordem, se sentem com o poder de construir e destruir… O desporto (como
actuantes passivos) acaba por não ser uma distracção, antes um foco de stress,
um pólo dinamizador de ódios, sectarismos, de intolerância e raiva. O desporto
(do sedentarismo de sofá ou de bancada) acaba por realçar que o Homem nunca
deixou de ser um selvagem, uma figura onde a inteligência se desvanece, se
evapora facilmente. É o triunfo do trogloditismo.
O humor, aqui, é muito mal visto
(excepto o grotesco destrutivo dos adversários), A intolerância a uma anedota
engraçada, referente ao seu clube é total.. Aqui, a maior parte é incapaz de se
reconhecer ao espelho do grotesco das suas acções. Se não existem mais
processos cíveis contra cartoonistas, desencadeados pelos políticos, nos dias
de hoje, ainda há dirigentes desportivos a tentar silenciar o humor em
tribunal. A incapacidade de aceitar a crítica, uma sátira, uma ironia, um
humor, vai desde os mais altos dirigentes aos adeptos básicos. Um dia em que
estes senhores consigam rir-se, em conjunto, das suas atitudes grotescas, que
saibam olhar com olhos críticos os seus erros e os resolvam com com um sorriso
de compreensão, então o terrorismo terá os dias contados.
Neste mês do Europeu de Futebol,
a revista CAIS convidou-me (Humorgrafe) para coordenar uma iniciativa de humor
e de desporto CAIS é uma revista de tolerâncias, que procura fazer ver o mundo
com outro olhar, não o da caridade pela caridade, mas o da desconstrução de um
mundo sério, cheio de erros, voltado para a construção de um mundo alegre, com
mais humanismo, de um mundo onde o riso possa brilhar e vá desde a boca dos
desdentados, desprotegidos até á dos protegidos e bem na vida. Ainda não foi
desta que nos rimos dos próprios problemas dos sem-abrigo – uma atitude que só
será possível quando se aceitar uma real resolução para esses problemas.
Neste recolha de caricaturas de
atletas do euro, não vamos apenas glorificar os artistas dos estádios, os
ídolos que, momentaneamente, nos fazem
esquecer as agruras da vida. Não estão aqui representados todos os que
mereciam esta glória. A primeira selecção foi a dos jogadores dos países que se
apuraram para o Euro 2004; depois os jogadores desses países que se destacaram
no período de apuramento; finalmente, dessa lista, surgem os que os artistas
conseguiram fazer, ou já tinham feito.
Agradecemos a generosidade dos
artistas, todos eles profissionais e dos que, sendo estrangeiros, estão de
alguma forma ligados a Portugal.
Em relação a vós, leitores,
agradecemos o vosso sorriso diário. Que o «fair-play» não seja uma anedota, mas
uma forma de vida, no nosso quotidiano. Tenhamos a inteligência de desconstruir
as agruras do dia-a-dia, as depressões e de reconstruir, pelo humor, um
antídoto cheio de esperança. Que o desporto seja uma forma sã de viver a vida.
Tenhamos consciência que todos erramos e que se hoje perdemos um jogo, um
campeonato, amanha é outro dia, com um sorriso à nossa espera.