Tuesday, April 27, 2021
«Da Europália à Cartoonopália» (Entrevista a Jurg Sphar director do Museu Sammlung Karikaturen Cartoons de Basel) por Osvaldo Macedo de Sousa in «Artes Plásticas» nº 14 de Dezembro de 1991
/…/ A Sammlung Karikaturen & Cartoons de Basileia é uma das maiores colecções mundiais de desenho de humor, não só pela quantidade (2.200 originais de 600 artistas de 35 países), mas sobretudo pela qualidade dos artistas representados, como por exemplo Bosc, Bretecher, Al Capp, Dubout, Feiffer, Fellini, Folon, André François, Grosz, Gulbransson, Heine, Hoffnung, J.Carlos, Levine, McCay, Mingote, Searle, Steadman, Steinberg, Tetsu, Ungerer, Ziraldo…
Agora quis descobrir o mundo português, deslocando-se
ao nosso país onde gastou cerca de dois milhões de escudos, na aquisição de cinquenta trabalhos dos
cartoonistas António, José Bandeira, Carlos «Zíngaro», Augusto Cid, António
Maia, Pedro Metello, Pedro Palma, Rui Pimentel, Vitor Milheirão, Vasco e Zé
Manel, ficando ainda o desejo de completar a colecção com obras do Mestre João
Abel Manta. É um cartoonopália que será inaugurda a 16 de Maio de 1992 e ficará
patente ao público durante oito meses.
OMS – Agora quisemos descobrir este Museu Suiço, por
isso entrevistamos o seu director Jurg Sphar. O que pensa do humor gráfico em
Portugal?
Jurg Sphar – De
alta qualidade gráfico-estética e de humor. Estou muito satisfeito, pois o
Museu sai bem enriquecido.
OMS – Como e quando nasceu o Museu?
Jurg Sphar – Foi
em 1978, porém era já um velho sonho do Mr. Burckhardt.
O Mr.
Burckhardt era um homem de negócios que trabalhava no campo da química e quando
se reformou, começou a colecionar originais de caricatura e cartoon. Desde
sempre tinha sido um amante do humor, comprando álbuns, lendo os jornais, mas a
sua colecção só se iniciou em 1976. E tenho o prazer de lhe dizer que o
primeiro original comprado pelo Mr. Burckhardt, numa exposição de nove
humoristas de Basel, era meu.
Eu já o
conhecia de vista, no âmbito social, em casa de amigos comuns. Na exposição
conhecemo-nos melhor.
Passados dois
anos (1978), encontrei-o na «Feira da Ladra» e então ele convidou-me para ir a
sua casa, conversar sobre um projecto que tinha em ideia. Fui, e diante de um
copo de whisky começamos a desenvolver a sua ideia de aumentar a colecção, de
criar um Museu de Caricatura e cartoon do séc. XX, que fosse aberto ao público,
de forma a recordar aos visitantes que rir é próprio do Homem, mostrar que a
caricatura é uma autêntica obra de arte. Perguntou-me se a ideia era boa e se
eu aceitava ser o «curador» da colecção. Como caricaturista, isto era
maravilhoso e de imediato aceitei.
Os primeiros
trabalhos a serem selecionados, naturalmente foram os suiços. Desde aí temos
percorrido país por país a escolher trabalhos dos melhores artistas nacionais.
Eu servia de conselheiro artístico, e ele escolhia. Agora que ele morreu (em
Fevereiro), faço o trabalho sozinho, apesar de acompanhado pela viúva madame
Sophie Burckardt.
Desde logo a
selecção foi regida pela regra de humor não político, universal e se possível
sem palavras. Ficamos apenas pelo séc. XX, porque não queríamos senão
originais, o que é quase impossível encontrar em relação aos grandes mestres do
século XIX. Não quisemos humor político, porque o Homem esquece-se muito
rapidamente das figuras, das personagens, dos acontecimentos… o que nos
obrigava, para a exposição desses cartoons, de grandes textos explicativos de
quem eram as personagens, o que se passava historicamente… Pela mesma razão
imediatista do humor, preferimos cartoons sem texto, para ser mais
universalizante.
OMS – Quando faz a escolha o que valoriza?
Jurg Sphar – Primeiro
preocupo-me com a qualidade gráfico-estética, depois o humor e em terceiro a
universalidade da ideia. Mas, por exemplo, se a qualidade artística for
excepcional e o tema muito nacional, porque não adquiri-lo? O charme da nossa
colecção é o público compreender tanto um desenho japonês, como português,
Americano ou Russo.
OMS – Essa qualidade estética que vocês valorizam, é o
que tem imposto a caricatura como uma
das vanguardas contemporâneas da arte?
Jurg Sphar – É
verdade. Para mim, a arte contemporânea encontra-se mais nma caricatura do que
nos salões de Belas Artes. Os pintores poderão ser, eventualmente mais
avançados, lançados para o futuro, enquanto o espirito irreverente da sociedade
contemporânea, encontra-se mais na caricatura. Por exemplo, Steinberg é um
génio da arte contemporânea, da estética vanguardista, o Papa da caricatura do
séc. XX.
OMS – O humor é a caligrafia da arte contemporânea?
Jurg Sphar – Está
certo, mas eu não gosto muito de filosofar sobre a minha profissão (Jurg é
o cartoonista Jusp). O caricaturista
exerce um metier inovador, criativo e
comunicativo que vê repercussão do seu trabalho no público e o público vê-se
nesse trabalho. Muitos dos nossos caricaturistas são tecnicamente e
esteticamente superiores à maioria dos mestres das ditas artes maiores.
OMS – Voltando ao Museu. Ao especializar-se nos
mestres da caricatura deste século, este espaço é ideal para a investigação?
Jurg Sphar – Na
realidade temos uma biblioteca complementar, dirigida por Madame Sophie
Burckhart, onde se encontram livros de todo o mundo, sobre caricatura e humor
de todos os tempos e não apenas deste século. As intenções de Mr. Burckhardt
eram não só a colecção, a biblioteca assim como fazer um centro de estudos
sobre o fenómeno humorístico. Eu sempre fui ceptico a este objectivo, pois
conheço os meus colegas, a ideia continua viável, há estudantes e interessados
que consultam os livros, mas sem profundidade.
OMS – Por
exemplo, há uma história publicada sobre o humor suíço?
Jurg Sphar – Não.
OMS – Quem deveria fazer investigação, não eram os
caricaturistas apenas, mas sobretudo os historiadores, sociólogos, os
conservadores de museus…
Jurg Sphar – Tem
razão, mas por exemplo, já reparou que quem aprende a profissão de conservador
de múseu, de crítico de arte, de historiador não aprende praticamente nada
sobre a caricatura, portanto como podem eles saber da importância da cultura caricatural,
sociológica e estética?
OMS – Como é a frequência do Museu?
Jurg Sphar – Variada, com uma média de 100 pessoas por dia. Desde excursões de
escolas, turistas até aos habitantes de Basel, ou estudiosos do humor. Muitos
entram com o ar triste de todos os dias e saem todos sorridentes.
OMS – O público tem noção da excelência dos nomes da colecção?
Jurg Sphar - Claro que o que nos interessa são os grandes nomes, porém, creio que a maior parte do público prefere a qualidade humorística, sem se aperceber por vezes da assinatura. Outros procuram a colecção para observar os mestres, a qualidade estética.
OMS – Estão todas as obras expostas?
Jurg Sphar – Não,
porque temos um espaço pequeno, uma casa do séc. XVI, no centro histórico de
Basel (entretanto já se mudou para um espaço maior, na mesma rua). Fazemos exposições temáticas, de oito em
oito meses (já que o público, em média, não vai mais do que uma vez por ano ao
museu), rodando as obras e apresentando-as nas suas diferentes leituras:
nacional, temática, estilística… por exemplo a 16 de Março de 1992 inaugurará a
exposição temática “Portugal, Brasil”, o que será uma revelação para muita
gente, como já foi para nós.