Friday, April 02, 2021
Caricaturas Crónicas / Visões do Mundo -«Brito – o humor além-fronteiras» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 23/6/1991
«Dar o salto» foi a opção de muitos portugueses, para
não violarem ideais políticos, sociais ou económicos. Eram indivíduos de
diversos estratos sociais e profissionais (inclusive humoristas) que
clandestinamente procuravam a sobrevivência física e mental além-fronteiras,
durante a ditadura salazarista.
Carlos Ferreira do Amaral, mais conhecido como Brito
ou Carlos Brito, quando «deu o salto», em 1963 (por motivos político-militares,
ou seja deserção para não ir para a guerra colonial) ainda não pensava
dedicar-se ao cartoonismo. Natural de
Lisboa (1943), a sua «construção artística começou nas paredes do quintal, passou
pelos cadernos da escola e acabou nos jornais que se compram, leem e deitam
fora…» Com 14 anos começou a trabalhar num banco, fazendo estudos comerciais de
noite. Em França, passou pelas mais diversas profissões, de operário a
empregado de escritório, secretário, agente comercial, criativo gráfico,
sociólogo (estudou na Sorbonne Literatura e Civilização Francesa e Sociologia).
Sem nunca trabalhar com mestres, foi nos tempos de
ócio que o seu lápis se foi preparando para mais uma experiência, a artística:
«Lutei sozinho para não copiar os desenhadores que preferia. O que me levou
muito tempo até me sentir capaz de enfrentar um Chefe de Redacção. Os primeiros
desenhos que publiquei, por volta de 1970, não me foram pagos, para além do
prazer de os ver impressos. Saíram em publicações militantes, como «Rouge»,
«Politique Aujourd’hui», «Politique Hebdo», «Fronteira» (jornal da LUAR em
Paris), a «República» (antes de 1974)… Nessa altura assinava Carlos ou Amaral.
Também assinei Carlos Brito em 1974/75 quando colaborei na «República», no
«Diário de Lisboa», «O Diário», «Pé de Cabra», «Sempre Fixe». Em 1973e de 1976
a 79 colaborei em «La Gueule Ouverte», «Ecologie», «Le Sauvage», «L’Unité»,
«Temoignage Chrétien», assinando Carlos».
«Em 1976 colaborei em «Perspective» e «Le Jour» em
Montreal, onde estive algum tempo aquando de uma longa viagem pelas américas.
Mas só comecei a trabalhar exclusivamente como cartoonista em 1980, ano em que
obtive a carteira de jornalista. Colaborava então em «La Vie Ouvriére», «Les Nouvelles
Littéraires», «Diário de Lisboa» (até ao seu ultimo suspiro), «Politis»,
«J’Acuse». Actualmente,
colaboro em «Le Canard Enchainé», «Le Monde», «Croissance», «Ouvertures», «La
Vie Ouvriére» e «Finisterra»».
O Brito actual «nasceu» por volta de 1984, quando
começou a colaborar em «Le Monde». «Para mim, o cartoon-humor é o comentário
político-cultural do mundo em que vivemos. Pode ser ilustração de um artigo e,
nesse caso, procuro ir além do que está escrito, propondo a minha interpretação
do acontecimento ou da análise que é feita. E pode ser desenho editorial, isto
é, comentário da cactualidade independente dos artigos impressos à volta. Creio
que o impacto jornalístico do cartoon é bastante forte, porque o discurso
implícito da imagem ataca directamente os sentidos, os sentimentos e a
capacidade de pensar de cada um… como um murro no estomago e, simultaneamente,
na cabeça. Dando lugar a um esgar que se poderá chamar sorriso».
«Não sei o que se passa em Portugal, mas em França o
desenho desempenha um papel cada vez mais importante na vida da imprensa. Todos
os jornais e revistas, até regionais, publicam cartoons, começando agora a
descobrir a importância desta forma de expressão jornalística. É de dar um
lugar de destaque a «Le Canard Enchainé», semanário satírico velho de 75 anos
(e onde colaboro há uns três anos), que publica uma média de 30 desenhos por
semana».
Brito, Carlos Amaral, é uma presença muito importante
no meio humorístico francês que nos orgulha, pela sua ironia e traço
caligráfico, como continuador da herança de um Leal da Câmara, em terras
francas.