Thursday, April 22, 2021
«Augusto Cid, a Sátira Humorística» por Osvaldo Macedo de sousa in «Artes Plásticas nº5 / Novembro de 1990
Simpático, irreverente,
irrequieto, satírico, sangue frio, irónico, lugar comum, original, incomodo,
humorístico, trágico-cómico, lírico, amável, crítico… são caracteristicas
fundamentais num artista gráfico que queira trabalhar no jornalismo.
Harmonizando todos estes elementos contraditórios, aliados a um domínio
técnico-estético, surge o cartoonista ideal.
O ideal é o oposto à realidade e
não referenciando a questão estética (que também é importante), o que
encontramos no dia-a-dia do cartoonismo português é o compromisso dos artistas
numa amabilidade de brandos costumes. Toda a garra e intervencionismo crítico
dos primeiros tempos tem-se desvanecido, devido à incapacidade dos políticos e
senhores da sociedade aceitarem comentários às suas actividades com «senso de
humor»; devido à falta de ousadia dos Directores e Chefes de Redacção demasiado
dependentes do sistema; devido aos artistas terem receio de conflitos com os
chefes e políticos…
Temos bons cartoonistas, bons
comentadores irónicos, humoristas com graça, mas verdadeiramente irreverente e
satírico é Augusto Cid. Não bastassem os processos judiciais, as querelas
políticas, as censuras para comprovar isso, sentimos no dia a dia a garrre
satírica com que ele olha a vida, os acontecimentos do quotidiano pobre em
factos, mas pleno de ironia, de ridículo. No fundo, os maiores humoristas deste
país são os nossos políticos (o único Bem essencial na democracia que não se
pode importar, infelizmente), tendo Cid apenas de peneirar essa profusão
humorística, sintetizar a Comédia de Costumes nacionais em paródias
trágico-cómicas e farpeá-las com o olhar realista.
A arma secreta do seu êxito é a
farpa, como marialva amante de cavalos, touros… A passo de alta escola, ele vai
farpeando o «bicho». Este estilo tem ascendência numa tradição nacional
radicada em Ramalho Ortigão, Guilherme de Azevedo / Raphael Bordallo Pinheiro
(tal como Fontes Pereira de Melo ou Hintz Ribeiro devem parte da sua
sobrevivência histórica a Raphael, também o Eanes, Balsemão, Cavaco… o deverão
um dia a Cid).
O próprio artista, numa primeira
autobiografia justifica esta atitude com as suas raízes açorianas: «nasci na Ilha do Faial numa manhã cinzenta e
fria de Novembro de 41 aos gritos de “Baleias! Baleias!. Sem esperar que me
pendurassem pelos pés e me dessem a palmada da praxe, corri para a praia e em
vão tentei deter os homens de arpão. Uma hora depois era içada de um mar de
tinta de sangue uma linda baleia e lentamente cortada às rodinhas no cais… Eis
quando subitamente se fez luz no meu espírito! – Corri para casa, voltei com
tintas e pinceis e nessa mesma manhã parti para o mar. De então para cá
tenho-me dedicado a pintar nas baleias tenebrosos monstros capazes de paralisar
de medo os mais ousados homens de arpão…»
A tradição fantástica deformou a
imagem das inofensivas baleias em monstros da mesma forma que os monstros políticos
não passam de seres inofensivos. Cid é agora o homem do arpão, só que as suas
farpas não fazem sangrar, antes desincham os monstros insuflados de ar do
poder.
O que me mete mais raiva é que
mesmo quando Cid ataca os políticos da nossa simpatia, os nossos ideais, ele
tem graça, e por vezes razão. Ele é um farpeador, um satírico mas acima de tido
um humorista.
Essa característica foi
galardoada este ano com o Grande Prémio do IV Salão Nacional de Caricatura de
Porto de Mós (de que eu sou director); com uma menção no domínio em New York… É
essa característica que se pode observar na exposição antológica que eu
organizei e que está patente na Casa do Humor – Museu Bordalo Pinheiro ao Campo
Grande.