Sunday, March 28, 2021

«Um TOM caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa in «Artes Plásticas» nº2 Agosto 1990

 Nas artes plásticas portuguesas da primeira metade do nosso século há sempre um tom caricatural, mais não seja como pontuação da luta pela sobre vivencia na carreira difícil e irreverente dos artistas. É o caso de Don Thomáz de Mello que também tem (ou é) um TOM de humor, entre a policromia da sua obra.

Numa das biografias publicadas, em revista, alguém escreveu: «Descendente de uma nobre e antiga família portuguesa, nasceu no Rio de Janeiro / Brasil a 11 de Outubro de 1906. /…/ Aos 12 anos entrou como ajudante de J. Barros no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, na qualidade de decorador teatral. Realizou cenários para a Companhia Maria Lino e depois para a Companhia de Comédia Leopoldo Frois com êxito notável. Estreou-se como actor nessa companhia, criando vários papéis típicos em toda o Brasil e América Latina. Aos 20 anos embarcou para a Europa, chegando a Lisboa em Dezembro de 1926. A sua primeira exposição, de caricaturas e personagens sintéticas, deu-lhe imediatamente lugar de relevo entre os caricaturistas. Trabalhou desde então, em vários jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, deixando a caricatura para se dedicar á publicidade, contribuindo para a renovação do gosto…»

Diz pois a história que, num dia de brumas invernis desembarcou no Cais de Alcântara um jovem «imberbe» e aventureiro à conquista das suas raízes, à descoberta de novos mundos. Era o mesmo espirito que já havia levado este jovem brasileiro a embrenhar-se na Amazónia, porém a vida «civilizada» não é para graças e ele perdeu-se dos palcos, para viver dramaticamente o riso dos outros.

Chegou como actor, mas de imediato foi invadido por uma sensação de grotesco que o fez enveredar pela retratação humorística da sociedade portuguesa. Foi o povo português que lhe abriu as suas potencialidades caricaturais, visto antes nunca ter sido inspirado para essa arte, nunca ter exercido essa linguagem. Fê-lo com mestria, na companhia de um outro brasileiro, «uma das visitas da Casa do Brasil, o caricaturista Rubens Trinas (Fox) que quer seguir para Paris e não tem meio para o fazer. Convence-me a realizar com ele uma exposição de caricaturas e eis-me lançado numa estrada, com muitos atalhos…»

O seu traço surgiu como uma novidade, numa década em que o modernismo se abarrocava em decorativismo «cosmopolita». Habituado a cenografias para teatros itinerantes, tinha o poder da síntese dos elementos fundamentais para sugerir a realidade e foram esses conhecimentos caligráficos que ele transpôs para o desenho de humor e caricatura numa síntese abstracionista mas incisiva.

TOM (o seu nome artístico) trouxe aos anos vinte, a caricatura síntese, porém a sua inovação foi mais uma recuperação da via modernista que a descoberta de um novo estilo caricatural para os portugueses. Em Portugal poderemos encontrar as raízes deste traço em Celso Herminio, Leal da Câmara, levado à estrutura mais simples por Fernando Correia Dias, Christiano Cruz, Cerveira Pinto e Luís Filipe no advento do modernismo, em 1909/10.

Só que Thomaz de Mello não pôde seguir esta influência, visto no Brasil desconhecer a obra daqueles artistas. Quais as influencias que ele teve no Brasil? Correia Dias, em 1914 tinha emigrado para o Brasil, impondo aí um estilo ligado a uma pesquisa do folclorismo índio. Tom desconhecia essa obra. Recorda sim, ter influência dos humoristas argentinos que ilustram a sua meninice. A Argentina desenvolvia esse traço síntese, por via espanhola, sobre a qual Leal da Câmara exercera influência.

Tom apresenta-se pois como uma novidade, vindo a cativar para esse traço uma geração, hoje conhecida como a geração «Sempre Fixe», a segunda geração modernista dos anos 30/40. Poucos reconheceram, mas haveria um, que ficaria na historia como o grande mestre da caricatura síntese abstracionista portuguesa – Teixeira Cabral, que sempre se apresentou como seu discípulo directo.

Observando os trabalhos publicados nesses anos vinte/trinta, denota-se a primazia da linha, como um grafitti que delineia os personagens, as ideias… nalguns, ele utiliza a técnica da linha única, sem fim, misturando-se as personagens com a linha da esquadria, com os objectos numa deambulação realista na imagem, abstracta na estrutura. Um estilo que, nos anos 70, Osvaldo cavandoli apresentou ao mundo, como o lemento mais característico da sua originalidade, em desenho animado.

Thomáz de Mello é um artista prolífero, que explora todas as potencialidades do seu grafismo, desde a caricatura-retrato espontâneo, na cobertura jornalística de eventos como o caso Alves dos Reis no tribunal, até à caricatura-síntese feita em «laboratório» do Dr. Washington Luiz, do Durval Porto, do Novais Teixeira…; a ilustração esquemática no «Sempre Fixe» e «Ilustração», ao barroquismo-síntese de outras ilustrações na «Ilustração», «Magazine Bertrand»… em que a inspiração grega das figuras, ou do fundo negro com as personagens recortadas a branco, alterna com um gosto mais medieval de iluminuras… seja no contraste de figuras esvaziadas de «carbe» na sai bidimensionalidade de boneco gráfico, à exuberância dos físicos delineados no deleita da anatomia herculeana… aliando sempre cada desenho-ilustração ao fim a que se destina, ao «parceiro» que ilustra. Tom tem uma técnica, um estilo para cada tipo de história, de intervenção. Isso pode-se verificar tanto no desenho de humor, como na ilustração na Banda Desenhada…

Ele foi uma revovação gráfica e o desenvolvimento de uma política cultural que já germinava em algumas mentes e que viria a concretizar-se como a «política de espírito», que era a educação do gosto, o levar a estética para todas as formas de comunicação, num misto de vanguardismo e total acessibilidade às potencialidades do gosto popular. Foi esta política, esta arte que o afastaria da caricatura e ilustração, para o ocupar com outras criatividades.


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