Monday, March 22, 2021
«St. Esteve o ecumenismo no humor» por Osvaldo Macedo de Sousa na revista «Artes Plásticas» nº 7 Janeiro 1991
Sair de casa não significa obrigatoriamente
enriquecimento humano, pelo contrário, pode significar empobrecimento se formos
roubados, pode gerar sentimentos anti-humanos se formos espezinhados, se nos
enervarmos… sair do país também pode não ser uma benesse, principalmente quando
o fazemos para um encontro cultural. Então, sentimos a vergonha de sermos
portugueses, a impotência dos subdesenvolvidos, principalmente quando somos
convidados especiais e realizamos contactos extraordinários, com possibilidade de
concretizar excelentes projectos.
Durante o mês de Outubro estive em St. Esteve
(Perpignan – França), onde se realizou o V Festival Internacional de Caricatura
de St. Esteve, aquele que já é considerado como um dos maiores do mundo, na
temática caricatural. Foi um Festival Internacional com a participação de 38
artistas de 12 países: presença de obras (cada artista com cerca de dez
trabalhos) e pessoal (de 34). Portugal esteve representado por três dos
artistas premiados no ano passado no Salão Nacional de Caricatura / Porto de
Mós, ou seja Pedro Palma, Rui Pimentel e Aniceto Carmona, e por mim como
historiador/director do SNC-Porto de Mós, moderador de debates e júri do
concurso nacional de amadores.
Presentes estiveram 34 artistas que, numa
confraternização viva e activa, não só autografaram os seus livros, como
caricaturavam os visitantes, trocavam-se ideias e discutia-se os problemas da
profissão (uma das resoluções foi a preparação de uma Federação da Comunidade
Europeia de Cartoonistas, para criar deveres e defesas dos seus direitos).
O francês Plantu era o Presidente de Honra, contando
na sua corte a presença de Bernard, Solo, Tignus, Gibo, Gus, Jordi, Palau,
Thomas, O.Raymond e Redon, os alemães (de leste e oeste) Barbara Henninger,
Frohn, Rauschenbach, Muzeniek e Rauwolf, o inglês Emmerson, os holandeses
Mensink e Niek, os romenos Popas e Stanescu, os canadianos Bado e Gité, os
brasileiros De Salles e Iqué, o mexicano El Fisgon, o egípcio Bahgory, o turco
Thurhan Selçuk, o português Pedro Palma e Rui Pimentel… paralelamente havia
retrospectiva de Cabrol, Effel, Claude Monet e André Gill, assim como as exposições temáticas «O Muro de Berlim»,
«As celebridades no cartaz», «A Televisão» e «De Gaule e os Caricaturistas»,
para além de um muro de imagem vídeo e paletas gráficas, ou seja, as novas
tecnologias ao dispor dos caricaturistas.
Na minha estadia em St. Esteve, aproveitei para fazer
uma mini entrevista a diversos artistas, das quais irei aqui transcrever alguns
dos diálogos que achei mais interessantes:
OMS: El Fisgon,
o que se passa no cartoon mexicano?
El Fisgon: «À
primeira vista, tudo normal. Só que o humorista mexicano vive, na realidade,
sob uma ditadura, sob a pressão americana e política. Toda a sociedade vive na
atracção e ódio à América. Se o humorista ambiciona trabalhar nos EUA, por
questões económicas, sabe que aí não poderá continuar a intervir na política
mexicana. Por outro lado o México é uma ditadura disfarçada, e se não há
censura, há as retaliações, as perseguições e por vezes a morte. A
auto-censura, ou o medo é mais castrador que qualquer outra pressão».
OMS: Sob pressão vivem também os humoristas turcos.
Qual é a maior censura, a politica ou a religiosa na Turquia?
Turhan Selçuk: «A
Turquia é um país de contradições: de um lado a cultura ocidental, da outra a
árabe; de um lado o estado laico, do outro o religioso; e um lado a democracia,
do outro a ditadura (secreta ou aberta). Actualmente não há ditadura política,
mas a censura continua, assim como os jornalistas presos. A Turquia é um país
laico, mas desde a década de cinquenta, a religião domina a sociedade e a
política. Os políticos são subsidiados pela Igreja, ou seja, pelo Irão e pela
Arábia Saudita. Agora a religião é o pão do povo e este, que não sabe ler nem
escrever, tem uma mesquita em cada quarteirão.
Contra o
pequeno grupo intelectual, há uma massa religiosa e conservadora que luta
contra o progresso, a indústria, a liberdade. Para além da censura política há
a perseguição religiosa, que é a pior, pois esta raramente ameaça, prefere
matar logo. As mortes, nos últimos tempos, são cada vez mais, e o humor é uma
arma de que eles não apreciam, naturalmente».
OMS: Como é que os humoristas da Alemanha de Leste
veem a nova «Liberdade»?
Barbara Henninmger – «Há tantas opiniões, como cartoonistas. Ao princípio, Novembro de 1889,
havia um grande entusiasmo, e censura foi derrubada, podia-se publicar tudo…
Havia muita esperança e o humor era uma das expressões que melhor manifestava
essa abertura.
Em 90
inicia-se a unificação, dividindo-se as opiniões: por um cruzamento harmonioso,
em paridade; ou a supressão imediata de soberania. O que aconteceu foi a
colonização da RDA pela RFA. Isso provocou a falta de segurança, perturbação
social… para os humoristas é o desemprego, porque há a falência das Casas
Impressoras e uma maior censura, visto as ideias (e críticas) sociais estarem
ligadas ao socialismo, ou seja, ao novo tabu, Não podemos criticar as novas
dificuldades sociais, sem nos apodarem de conservadores, socialistas…
Agora, é mais
fácil imprimir qualquer coisa, mas é mais difícil fazer humor, por várias
razões. Antes o cartoon era contrabando; hoje é mercado livre; antes o dever
era transmitir o que as pessoas pensavam, agora já toda a gente conhece a
informação, e tem que ser mais critico, ter mais comentário; antes a sátira
política era estética, porque era trabalhada durante meses, agora os
acontecimentos são tão rápidos, que é necessário ser rápido e imediatista».
O humor é uma linguagem ecuménica que ultrapassa
fronteiras, que une o mundo na crítica e na opinião livre e democrática. Foi o
humor que uniu os artistas de 12 países em St. Esteve, é a amizade que pode um
dia concretizar as suas vindas, um dia, a Portugal para um Festival
Internacional de Humor, para o qual não encontro apoios.
Enquanto isso não acontece, os humoristas portugueses
e eu, continuamos a levar o nosso humor a outros Festivais. Neste momento,
encontramo-nos no Rio de Janeiro, no I Festival Internacional de Humor do Rio
de Janeiro, apresentado nas Salas do Museu de Artes Contemporânea do Rio. Este
Festival deu um destaque especial a Portugal, com uma sala dedicada ao Encontro
Luso-Brasileiro de Humor que já tínhamos organizado aqui na Casa do Humor de
Lisboa.