Wednesday, March 31, 2021

«Pedro Palma, a exposição esperada» por Osvaldo Macedo de Sousa na revista «Artes Plásticas» nº8 Fevereiro 1991

No princípio era a verruga, só depois viria o verbo. Pelo verbo, pode o ponto evoluir em traço, confrontando a realidade, como que na busca da alma de todos nós.

Das trevas saem todos os pesadelos políticos e só a magia do humor exorciza o verbo, dá poder à linha que segue as sombras das figuras, ora alongando, ora espartilhando, vincando nas linhas humanas o próprio riso.

A realidade actual anda pouco propícia ao riso, mas só pelo humor se consegue viver a vida com optimismo, esperança e sentido crítico. O sentido crítico é uma das características intrínsecas do ser humano, assim como o riso e o humor. Também só o homem é capaz de realizar a caricatura, a sátira gráfica… Mas, nem todos os homens são portadores desse síndroma criativo («o artista é como o diabético, tem humor, mas não sabe como o apanhou»). Se encontramos pintores, escultores, arquitectos… em profusão a sair da escola, nem sempre se descobre um bom humorista, com poder critico, com qualidade estética, com imaginação/criatividade lúdica para conceber o jogo alegórico da crítica.

O momento actual, em Portugal, é de riqueza humorística e caricatural, em variedade estilística e gráfica, em manifestações públicas, salões, publicações… Pedro Palma, neste mês é o artista em destaquem devido às manifestações  públicas que materializa – Uma exposição e um álbum.

João Pedro Palma (Serpa / 1959), veio para Lisboa estudar design gráfico, mas logo caiu nas malhas que a caricatura tece, iniciando-se no «Tempo» a sua profissionalização, em 1979. Em 1983 para para o «Diário de Notícias», colaborando também no «Bisnau». Em 84 vai até Paris, onde colabora no «Le Figaro Magazine» e «Jeune Afrique» (também assistente da direcção artística desta revista). De regresso a Portugal colabora no «DN», «Grande Reportagem» (responsável gráfico da revista), «Expresso», «Europeu», «Diário de Lisboa», «Primeiro de Janeiro» e «Exame».

Será o primeiro caricaturista português a ser distribuído por uma agência noticiosa nacional (Lusa), em 1988 lança para o mercado internacional a colecção «Faces of the World» e em 1990 assina contrato com a «Cartoonists & Writers Syndicate» de New York.

Participante em diversos Festivais Internacionais, em 1989 foi galardoado pelo Salão Nacional de Caricatura (Porto de Mós) com o Grande Prémio do Salão Livre.

Apesar de em 1986 ter dito aos jornalistas «não me falem em fazer uma exposição individual. Morro de medo só de pensar nisso», nunca se deve dizer deste humor nunca rirei, pois aí está ele com uma exposição no Hotel Meridien (Lisboa de 18/2 a 4/3, Porto de 24/3 a 6/4) a comemorar quase doze anos de trabalho.

Não é uma exposição antológica, porque tem o péssimo hábito de rasgar os otiginais («uma vez, num dia só, rasguei oitenta originais. Dos quase cinco mil que desenhei, devo ter para aío uns quinhentos. Só guardo aqueles de que gosto mesmo») mas uma galeria das figuras mais importantes da actualidade nacional e internacional, uma visita aos acontecimentos que chamaram a atenção do cartoonista. Em lugar de destaque, e com direito a edição de serigrafia (já que nunca vende os seus trabalhos), será a caricatura do Dr. Mário Soares, a figura nacional mais conhecida no país e estrangeiro. Com edição de um álbum, Pedro Palma mostra o máximo da sua arte.

OMS – Apesar daquele medo na realização de uma exposição e edição de um álbum, como aconteceu esta viragem?

Pedro Palma – «Isto começou por uma brincadeira, numa entrevista na televisão. As pessoas que me rodearam, interessaram-se de tal maneira do projecto, que exigiram que no final destes quase doze anos de trabalho mostrasse as coisas que tenho, e que não são muitas… e desde o princípio que tudo correu bem. Surgiu a ideia de publicar a serigrafia do Dr. Mário Soares, este mostrou interesse em inaugurar; o Banco Comercial Português, a «Exame» e o «Expresso» prontamente patrocinaram o evento… Desculpando-me pela imodéstia, nunca o cartoon teve uma realização com esta envergadura e prestigio, portanto não podia recusar».

OMS – Como surgiu a ideia da serigrafia do Dr. Mário Soares?

Pedro Palma - «Porque é a minha obra com maior componente artística. Uma caricatura normal dá vontade de rir e se fizesse uma serigarfia de qualquer outra caricatura já não funcionava com o mesmo impacto, era mais aquilo que normalmente costumam chamar o “boneco”. Esta tem o olhar mais directo, expressivo… Assim surgiu o Dr. Mário Soares quase como o ex-libris desta exposição e daí o convite para ser ele a inaugurar. Por causa das eleições, tivemos que adiar um pouco a exposição, para que não confundissem esta mostra com campanhas políticas, ou oportunismo da minha parte. Mesmo que não tivesse sido reeleito para Presidente da República, o Dr. Mário Soares era a figura que iria inaugurar a exposição».

OMS – Esta caricatura contradiz um pouco a tua linha geral de híper-realismo, optando pela síntese.

Pedro Palma – «Não te esqueças que é um trabalho de 1985, de uma fase experimental, quando conjugava a pintura, o cartoon… tinha gozo e necessidade de procurar técnicas, estilos. Hoje, não só não tenho tempo, como já optei por um estilo mais definido».

OMS – Foi essa indefinição que te fez recusar os trabalhos dessa fase e destrui-los, como que envergonhado?

Pedro Palma - «Não tenho vergonha de nenhum dos meus desenhos, sou pai deles, só que não me identifico com muitos deles, o que é diferente. Desenhos do passado, já não tem nada a ver comigo, e isso é bom porque quer dizer que evolui e estou sempre em evolução.

Até cerca de 1985 já não tenho nada, rasguei. À medida que se vai evoluindo o que fica para trás não me satisfaz já. Cada artista só tem uma obra-prima e a próxima anula a primeira. A minha, neste momento é a do Dr. Mário Soares no âmbito da caricatura, enquanto no cartoon creio que ainda não o consegui. Eu sinto a evolução constante e isso leva-me a fazer sempre melhor.

Destrui aquilo que considero os «bonecos», aqueles que não servem para mais nada, para além de serem publicados naquele momento. Os trabalhos que valem mais do que isso, os originais que vivem para além da impressão, guardo-os. Quantas vezes, publico desenhos que não assino, pois o desenho não tem a dignidade de ser assinado, mas são uma obrigação profissional com o jornal».

OMS – O caricaturista, ou cartoonista que componentes necessita ter para o seu trabalho?

Pedro Palma – «Tem que ser um artista plástico, tem que forçosamente ser jornalista, escrever, dominar as técnicas das artes gráficas. Eu mudo de técnicas por vezes por causa disso. Se uma impressão altera aquilo que faço, a seguir, com receio que volte a acontecer, mudio de técnica. Por exemplo, agora no meu trabalho nota-se maior diversidade nas técnicas da cor, porque procuro, segundo as impressões, a técnica que resulta melhor… só que tudo isso também depende de quem imprime, porque tanto pode valorizar, como destruir uma obra».

OMS – Por vezes não te acusam de ter um estilo mais parecido com este ou aquele artista estrangeiro?

Pedro Palma – «Sempre admirei o David Levine, mas nunca o tentei imitar. Há desenhos meus que podem ter alguma semelhança, mas as concepções são diferentes, ele tem um traço mais incerto, quanto eu sou mais “limpo” no traço. A maior parte das semelhanças entre cartoonistas é devida à técnica que se utiliza, a pena de pato, caneta de tinta da china, pincel… tudo isto dá Aspectos diferentes aos trabalhos, e a técnica que eu uso, por exemplo, é a mesma do Luri, que é o “radiograph”, a caneta de desenho técnico que dá um risco muito certinho. Assim todos os que uso o “radiograph” têm uma semelhança técnica, o que não quer dizer de estilo».

OMS – Sabendo quão barato são os desenhos que os americanos vendem, por vezes ao preço do selo de envio, como encaras a sobrevivência do artista português nesta concorrência desleal?

Pedro Palma – Os jornais portugueses, felizmente que chegaram à conclusão que um jornal para ter prestigio precisa de ter pelo menos um cartoonista próprio. Pode publicar uma coisa ou outra vinda do exterior, como complemento, mas ter um cartoonista dá-lhe prestigio, tanto mais que os cartoons importados têm sempre uma décalage com o que se passa no momento, são um tanto atemporais, já foram vistos e publicados em dezenas de outros jornais. Assim, os grandes têm um ou mais cartoonistas (o Sydney Morning Herold tem vinte e cinco), com opinião própria, em cima do acontecimento. Quem tem, fica em vantagem sobre o outro que não o tenha».

Pedro Palma, uma exposição que se esperava á algum tempo, assim como a oportunidade de adquiri uma obra sua, mais não seja uma serigrafia. Uma exposição a ver e rever.


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