Sunday, March 21, 2021

Caricaturas Crónicas / Visões do Mundo: «A caricatura como modo de reflexão» (Turhan Selçuk) por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Noticias de 28/4/1991

 «A caricatura reflecte, pelo traçado do seu desenho e transmite ao leitor esta reflexão». São palavras do mestre Turhan Selçuk, considerado o expoente máximo do cartoon turco.

Na opinião do mestre caricaturista turco, «o humor está na curva do desenho. O facto de o grafismo carregado do humor não ter legenda, torna-o mais precioso do ponto de vista artístico, permitindo-lhe, também, uma linguagem internacional».

E continua: «As caricaturas políticas parecem efémeras e numerosos são aqueles que julgam que o seu impacto é de curta duração. Elas são publicadas nos jornais, morrendo na manhã seguinte, tal como as borboletas».

«Mas isso não é uma ideia totalmente fundamentada, já que existe uma ciência política que tenta deduzir as regras a partir dos acontecimentos políticos, das diversidades que aparecem na política, demonstrando que a sequência de episódios não representa senão acontecimentos parecidos. É possível desenhar caricaturas que desafiem o tempo».

Diz o artista turco Turhan Selçuk: «O caricaturista que chega a alcançar a essência invariável dos acontecimentos variáveis na política da época em que vive, pode criar as obras que sobreviverão, também, no futuro. Portanto, o caricaturista deve exprimir muitas coisas, mas com pouco desenho».

«A mensagem do caricaturista deve ser tão curta, sucinta e clara que possa conduzir ao choque. Os pormenores não devem existir senão na medida em que possam reforçar o impacto da mensagem».

«A caricatura traduz o regresso à geometria do humor pela abstracção dos desenhos. As primeiras formas desta geometria nasceram do subconsciente dos mestres do desenho. Nos nossos dias a situação é diferente. O século XX formou artistas conscientes das suas funções. As suas obras não são, nem caricaturas com ar de pintura, nem pinturas caricaturais, Não são senão caricaturas, portanto “grafismos de humor”».

«No passado, o caricaturista interessou-se, sobretudo, pelos problemas morais. Nos nossos dias, o caricaturista deve lutar por mudar o mundo, por contribuir para a realização dessa mudança necessária. Uma luta pela igualdade dos homens, por uma mudança justa e boa…»

«Pode-se encontrar, por vezes, um elemento humorístico, uma contradição humorística nos acontecimentos e na sua evolução, o que se torna fácil para as pessoas cujo “métier” consiste em desalojar esses elementos. De seguida, basta desenhá-lo, mas digamos que é a vida da facilidade, muitas vezes adoptada pelos caricaturistas que devem aparecer quotidianamente com um assunto novo aos seus leitores».

«Pessoalmente gosto da via em que a caricatura nos leva a seguir, estudando os homens e os acontecimentos como um pensador, um psicólogo, um crítico do nosso próprio ponto de vista, permitindo-nos chegar a uma conclusão no sentido da nossa visão realista do mundo, transformando a ideia em desenho, de forma marcante, apresentando também a crítica que oriente o leitor para o positivo e o justo».

Turhan Selçuk tem uma carreira artística com aproximadamente meio século de vida. Trabalhou em diversos periódicos, nomeadamente «Cumhuriyet», «Aksam», «Yeni Istambul»… Para além do cartoon, faz também banda desenhada, uma tira que publica diariamente, sem interrupção, há 30 anos que se chama «Abdulcanbaz». Trata-se da história de um herói que viaja no tempo para melhor caricaturar o presente, escapando com artimanhas a censura turca.

Uma censura de que Turhan tem sido vítima: «Desde Presidentes da República até presidentes dos partidos políticos, muitas personalidades intentaram processos contra mim. A maior parte das vezes fui absolvido, Uma ou duas vezes, incriminado».

Exemplificando, prossegue: «A seguir ao golpe de estado de 12 de Março de 1970, fiui preso e vigiado. Na caserna da polícia fui torturado e fracturaram-me costelas, sem nenhuma acusação legal contra mim. Sou contra as fronteiras, os dogmas e por isso fui torturado. Sou contra todas as formas de brutalidade e de opressão. Costumo ser objectivo, não ligo a bandeiras, religiões ou nações… Penso muito antes de criticar algo. O mundo é cada vez mais pequeno e todos esses nacionalismos desaparecerão. O que será importante passa pelo bem-estar e pela liberdade sem opressão…»

 


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