Wednesday, March 17, 2021

Caricaturas Crónicas / Visões do Mundo: «O Humor em todas as frentes» (Palestina - Naji al-Ali / Issam Ahmad) por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 24/2/1991

«Não tenho nenhum poder para tentar parar a hemorragia, ou para aligeirar o seu fardo, mas tenho uma arma que pode veicular a sua voz e exprimir as suas vivências – o desenho caricatural, e eu faço uso dessa arma».

Palavras de Naji al-Ali, um dos vários caricaturistas que, sem pedras na mão, também lutam pela paz, pela pátria, pelo povo (sobre este caricaturista já desaparecido farei posteriormente uma crónica). O mesmo artista dirá: «Fui cruel nos meus desenhos com a pomba… símbolo da paz… Nós sabemos que significado traz a pomba, mas neste momento ela é o corvo por cima das nossas cabeças para anunciar a morte… toda a humanidade faz a apologia da pomba, do ramo de oliveira, da paz… negando os nossos direitos mais elementares. A consciência humana está morta. A humanidade quer-nos fazer pagar o preço da paz, que tanto a encantou. É por isso que a pomba não é inocente. Cada artista tem a possibilidade de descobrir os seus próprios símbolos. Não somos obrigados a passar pela pomba e o ramo de oliveira. Eu utilizo outros símbolos: a flor, a borboleta e a pedra».

Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura. E é à pedrada que os Palestinianos têm mantido aberta a luta pelos seus direitos. O humor está em todas as frentes e os Palestinianos também usam essa arma. Uma das suas vozes caricaturais é Issam Ahmad que, após iniciar uma carreira de pintura figurativa e de ilustração de contos, virou-se, em 1982, para a sátira, desafogando aí os infortúnios, o sofrimento e as recriminações da comunidade palestiniana. Nos seus desenhos visualiza-se a sua civilização árabe (a finura do seu traço à pena, em arabescos satíricos), com o desejo de autodeterminação, a criação de um estado independente, de forma a viverem em toda a segurança, como os outros povos do mundo.

Ahmad garante que a caricatura é um meio simples de exprimir as suas ideias sobre a ocupação israelita, porque se os problemas sociais são importantes, os problemas políticos estão neste momento acima de tudo: «Seria inoportuno criticar os nossos irmãos numa época, em que o nosso dever é lutar contra a ocupação», diz Ahmad, «se nós obtivermos a criação de um Estado independente, então procuraremos encontrar as soluções e os remédios para os problemas sociais dos Palestinianos».

A vida para os desenhadores da Palestina não é fácil, porque dificilmente podem sobreviver com o que lhes pagam por essa profissão e pelas vicissitudes da vida dessa nação. Por exemplo, têm de ultrapassar uma cerrada censura militar, que dificulta não só as suas vidas como a dos jornais. Como afirma Issam Ahmad, «a censura autoriza-me a publicar um em cada dez desenhos que eu faça».

Com o desaparecimento de Al-Ali, «o mais sensível e o mais patriota de todos os artistas» (assassinado em 1987 por uma das facções árabes=, o cartoon de expressão palestiniana sofreu um rude golpe, porém existe uma juventude em plena evolução que aposta no humor como arma fundamental para a sua guerrilha, para a sua luta. Um país nunca se pode fazer sem humor.


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