Tuesday, March 02, 2021
Caricaturas Crónicas - «Um humor desportivo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 8/4/1990
«Desportivo» foi durante muito tempo sinónimo de descontraído, saudável… Um humor desportivo era, ou deveria ser portanto, um acto de descontração risível, amizade… Porém, a sociedade vai alterando os seus hábitos e costumes e hoje «desportivo» tem mais sugestão de «violência tribal», «violência em campo», «suborno», «subjectividade de arbitragem»… Contudo, na imprensa, nas boas normas do humorismo crítico continua a ser o comentário, a crítica a todas essas violências de campo e de bancadas, continua a ser a crónica da vida no universo do desporto, umas vezes mais importante, outras menos no quotidiano da sociedade.
Assim, dos anos 30 a sessenta deste século (XX), poder-se-á falar no domínio do humor desportivo em toda a imprensa e sociedade nacional, porque, por um lado, o humor era obrigado a ser descontraído, sem grandes voos de crítica e, por outro, o desporto era menos violento nas bancadas (na vida e na sociedade bem policiada) ao mesmo tempo que era o «opio» da sociedade que a acalmava, que desviava a raiva politica e social para esses fins de semana onde se poderia ser violento nas palavras contra os árbitros, ou equipas adversárias e pouco mais. Ainda não eram tempos da moda «desporto é vida», publicitada como beneficiadora salutar dos 7 aos 77 anos. Era mais a passividade na poltrona, a escutar a rádio (e depois a televisão), enriquecida pelo extravasamento de insultos contra o árbitro (a culpa dos maus resultados nunca é dos seus heróis mas do árbitro).
Eram tempo adversos à critica política e o desporto dominou o humor gráfico, e quase todos os desenhadores de imprensa dessa época dedicaram um espaço mais ou menos vasto a esta temática hipnotizante da sociedade. Deu-se então a junção de duas artes, as humorísticas e as desportivas, tendo estas últimas toda uma ciência de fintas, um léxico de dribles, uma filosofia de penalties úteis às primeiras, para eventualmente, ou de longe a longe, um ou outro criador mais irreverente introduzir mensagens subliminares da política ou da crítica social. Por isso, quase poderíamos defenir o bom humorista como um «árbitro» (no sentido puro da palavra) que vigia ambos os campos (do poder e da oposição dos políticos e da sociedade…), objectivo sem clubismos, criticando-os, advertindo-os ou penalizando todos aqueles que cometem faltas, quer sejam da sua cor, quer tenham as mesmas ideias. Isso, utopicamente, seria ter um bom sentido desportivo, um bom sentido de humor.
O humorista, também pode resolver assumir a camisola do jogador (com a cor dos «oprimidos») em confronto com o poder, tomando o público, desta vez, o lugar do árbitro. Nesse caso a táctica é por os políticos off-side e marcar da melhor forma os livres directos e indirectos…. É isso o que tentaram os humoristas desportivos desses anos, veiculando nos seus «bonecos», não só o comentário aos jogos, à vida dos clubes, mas também outras críticas.
É este registo da história do desporto, e das motivações sociais que está patente ao público na exposição «O humor e A Bola», integrada nas comemorações dos 46º Aniversário daquele periódico desportivo, e realizada na Casa do Humor – Museu Bordalo Pinheiro, organizada por mim.
São quarente e cinco anos de humor, num periódico que soube sempre dar um espaço a esta forma de jornalismo, orgulhando-se de aí ter empregado grandes humoristas. No caso da escrita, por ali passaram nomes como Carlos Correia (Solrac), Rebellos de Carvalho, Alberto Valente, António Gomes de Almeida, Acácio Correia, Carlos Pinhão, Rolo Duarte, Álvaro Magalhães dos Santos…
O humor gráfico está presente também a partir do nº1, pela pena do grande mestre Baltazar Ortega, que teria uma colaboração breve, tal como o natalino Melchiades, o mestre da caricatura síntese Teixeira Cabral, o bandadesenhista-ilustrador Meco e Tito de Moraes, os caricaturistas Bensaúde, Orelo, Maia… Estes últimos a colaborarem ao mesmo tempo que o Stuart Carvalhais e Pargana, então titulares do grafismo humorístico da «Bola» nos anos 40 e 50.
Por volta de 52 aparece um Nicas, que em 55 se assume como Martins (e depois Mat – O João Martins), o qual viria a instituir-se como titular e imagem gráfica do jornal (curiosamente, é neste artista, que ali trabalha mais de vinte anos, que se denota a evolução mais vincada do gosto gráfico das épocas, em conjugação com a evolução do artista). A partir dos primeiros anos de sessenta dividirá o espaço de ilustração com o mestre Francisco Zambujal, o qual mantém a titularidade na actualidade.
A existência destes artistas «efectivos» (e de grande valor / carreira artística) não impediu ao jornal de contar com outras colaborações esporádicas mais ou menos longas, como a do Gomes Ferreira (o qual teria várias assinaturas ao longo da sua carreira como Ton, Quim…), Nando, Orlando, Osvaldo, Alm, DiFreitas, Serer…. Enriquecendo desta forma o espólio daquele jornal.
PS: Após a morte de Zambujal a titularidade do humor naquele jornal foi assumida primeiro pelo António Nunes seguindo-se o Luís Afonso e o Ricardo Galvão, mantendo-se estes dois últimos ainda no activo.