Tuesday, March 09, 2021
Caricaturas Crónicas: «O triste fado de um povo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 23/9/1990
A dificuldade de definição do conceito humor, descobre-se quando dois humoristas se encontram e cada um dá a sua opinião, sua definição.
O próprio termo á ambíguo, tendo significado, ao longo
dos tempos, ideias díspares, como: relacionamento entre o temperamento e a
cosmogonia; idiossincrasia; espírito; graciosidade / excentricidade…
O «sense of humour» nasce na «Grã-Bretanha, como jogo
entre a excentricidade cómica e o equilíbrio moral (puritano), entre a revolta
e o conformismo, no fundo um «no man’s land» do caracter, a consciência da
personalidade do próprio perante o espelho das realidades. Os Franceses,
preferiram um lado mais intelectual, realçando o «esprit», a inteligência
filosófica.
Nós, portugueses, somos pouco pacientes com o «esprit»
(salvo o vinículo ou se for na arte do piropo) e muito menos equilibrados entre
a revolta e o conformismo. Somos ou revoltados-satíricos, ou conformisto-anedotários.
Temos sempre pronta a piada para ridicularizar os outros, sem grande esforço da
nossa parte; estamos sempre revoltados, inspirados para dizer mal dos outros,
porque trabalharam melhor que nós, porque não trabalham, porque são demasiado práticos,
porque são demasiado antipáticos… mas raramente nos mexemos da cadeira do café
da indignação. Para os menos audaciosos, há sempre uma anedota de salão pronta
a equilibrar o ambiente.
Quanto à consciência da personalidade, é um caso mais
grave, pela falta de espelhos de aceitação das realidades. Todos nos conhecemos
como desenrascas, inventivos e supérfluos, remediando em vez de resolvermos. A
nossa filosofia é a do «bom vivant», com um terrível complexo de gestão (a
ingestão é coisa que não nos preocupa). Desde a fundação de Portugal que
estamos em crise de gestores. Com raras excepções, nunca tivemos à frente do
nosso destino, os homens certos, no momento certo e durante o tempo certo, o
que nos fez crer, que nos educou num sebastianismo triste, no brando costume de
olhar para o nevoeiro com a esperança de visualizarmos o herói salvador da
inconsciência portuguesa. Infelizmente, só temos descortinado as silhuetas de
contrabandistas galegos, petroleiros a lavarem os porões nas nossas águas…
Enquanto não aparece o Sebastião, vivemos no triste
fado, a balada que embala, mesmo quando disfarçada de rockismo empesta e sida,
aos chutos e pontapés do nosso orgulho… Até que nos Descobrimentos não há
Heróis do Mar, antes um Marco Polo dividido entre dois amores, ou seja, imitar
o que os espanhóis fazem, ou sermos originais. Ficamo-nos, naturalmente, pelo
meio termo, pelo brando costume de gastar muito dinheiro com espalhafato de
novo rico, sem nenhum proveito estratégico, com futuro. Quando é que convidam
para a comissão um director de marketing, um gestor comercial com irreverencia,
ousadia, vendendo chapéus à D. Henrique, astrolábios de várias cores para maquilhagem, padrões de descobrimentos como candeeiros…
Somos uns tristes, até nos festejos. Salvo umas
farturas, uns fogos de artificio, umas sardinhas assadas para os ricos, não
sabemos dar alegria ás nossas vidas. Perguntem ao Senhor Presidente se um
raminho de salsa não dá logo uma outra alegria ao pastel de bacalhau.
O que nos falta é o sense of humour, a excentricidade cómica em jogo com o equilíbrio
moral do esprit, não nos deixando
resvalar demasiado para a moralidade pidesca, não se importando com a
excentricidade inteligente.