Friday, March 05, 2021
Caricaturas Crónicas: «A Mulher e o Humor» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/5/1990
Em Portugal
pode-se dizer que há muito poucas mulheres caricaturistas reconhecidas. Nos
anos dez, Milly Possoz e Sara Afonso participaram nos Salões dos Humoristas.
Mas a base dessa participação não era o humor, antes o modernismo como
vanguarda.
É lugar-comum dizer que por detrás de um grande homem
há sempre uma grande mulher, porém, nunca ouvi defender que por detrás de uma
grande mulher há sempre um grande homem. Talvez porque este, por questões
sociais e educacionais, se apresente de imediato como primeiro (o dominante),
tendo por detrás de si essa grande mulher, essa potencial líder.
Nunca ouvi dizer que por detrás de um grande humorista
houvesse sempre uma grande mulher com muito humor e criatividade. Talvez apenas
uma mulher com muita paciência, tolerância e compreensiva com a loucura a
irreverencia do marido. A mulher sempre a subalternizar-se.
Ainda hoje, finais do século XX, continua, continua a
haver discriminação racial e sexual. A problemática sexual, como todas as
outras, está interligada a várias questões culturais, e, se hoje o feminismo
não apresenta a agressividade de um passado não muito longínquo, ainda tem que,
em muitas circunstâncias, lutar pela igualdade de condições, lutar contra a
discriminação com todas as armas possíveis, como poderia ser a sátira, a ironia
e o humor.
Um dos exemplos frequentemente apresentados é a
utilização da mulher como símbolo-objecto de manuseamento do homem na
publicidade, nas revistas para adultos, masculinas, onde o humor constrói
«Flausinas» celestiais, misses do
imaginário sexual de uma cultura ocidental bastante erotizada. Porém, se os
corpos torneados feitos desejo, o deleite gráfico posto em partes erógenas,
apimentadas com legendas brejeiras, são importantes nesse mundo humorístico, a
mulher que mais tem dominado o anedotário é, sem dúvida a sogra.
A mulher surge então, no humor, como objecto de
desgraça masculina, sob o peso inquisitorial da «santa», sob a tentação dos
líbidos machistas que o leva ao adultério… e raramente surge a mulher numa
imagem de igualdade.
Raramente a mulher aparece como membro pleno entre os
criticadores e criticados. Será porque o humor, é uma palavre ou conceito
masculino? Por as mulheres não terem um humor compreensível para o homem?
Quantas mulheres aparecem caricaturadas na imprensa actual, em relação aos
homens? Não aparecem por serem menos proeminentes na política, na sociedade, ou
porque são mais sensíveis à desfiguração caricatural, sentindo-se
exageradamente magoadas no seu ego narcísico? (Na realidade conheço vários
caricaturistas masculinos que não gostam de caricaturara mulheres por esta
razão, para não sofrerem as consequências de instintos de violência mal
contidos).
O humor é masculino? Claro que não, mas… Numa primeira
abordagem do mundo dos humoristas (fundamentalmente no género gráfico), ficamos
com a sensação de uma total ausência de mulheres na criação humorística. Porém,
um estudo mais profundo leva-nos a encontrar pontualmente uma ou outra
caricaturista, cartoonista de qualidade na historia do humor mundial, algumas
poucas que conseguiram vencer todas as barreiras impostas pelos editores,
chefes de redacção, agencias de distribuição, vencer os preconceitos.
No âmbito dos países de expressão portuguesa houve
brasileiras que se notabilizaram: Marguerita Bornstein e Hilda Weber. Os EUA,
em princípio é o pais com mais mulheres profissionais do cartoon (por ter o
maior numero de publicações a publicarem cartoons e porque qualquer esposa de
um cartoonista está registada na associação de cartoonistas como cartoonista)
com nomes sonantes como Helen Hokinson, Dorothy Mckay, Mary Petty, Betty
Swords, Hilda Terry, Trina Robbins, Jan Eliot… São também de referir a
espanhola Pompeia Núria, a francesa Claire Bretecher, a dinamarquesa Renate
Bachem e Franziska Bilek… Quase todas elas vivem da ilustração, divagando de
tempos a tempos no campo do humor, e raramente são totalmente cartoonistas
políticas ou caricaturistas. Contudo, o país com mais humoristas gráficas no
activo de web é o Irão, cujas mulheres necessitam de se expressão como uma voz
de revolta, de se afirmarem contra uma cultura que as oprime.
Em Portugal pode-se dizer que há muito poucas mulheres
caricaturistas reconhecidas. Nos anos dez, Milly Possoz e Sara Afonso
participaram nos Salões dos Humoristas. Mas a base dessa participação não era o
humor, antes o modernismo como vanguarda. Ainda hoje se podem encontrar
elementos caricaturais e humorísticos na pintura de diversas artistas, mas são
meios de criação e não objectivos. Na
Imprensa, pontualmente encontramos trabalhos da Mamya Roque Gameiro, da Maria
Almira Medina… Sempre houve ilustradoras
de qualidade, algumas com uma pitada de humor ou ironia e nos Salões Nacionais
de Caricatura têm aparecido várias, como a Adam (Adriana Macedo), a primeira a
lançar-se nessas exposições (1987 e 88), um pseudónimo que curiosamente noutros
idiomas é masculino – Adão. Adam publicou regularmente durante dois anos na
imprensa e desapareceu (o mesmo virá a acontecer com Joana Campante). No Salão
Nacional de Caricatura de 1989 surgiram trabalhos de Filomena Laranjeira e de
Maria de Fátima Vieira. Será que em Portugal o humor no feminino está em vias
de extinção? Será que estará adormecido?...