Wednesday, March 03, 2021

Caricaturas Crónicas: «Maria Almira Medina; A caricatura no feminino» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/5/1990

Com quase setenta anos, Almira Medina sente de novo uma tentação de regressar à caricatura. Será que o nosso humor voltará a ser enriquecido com uma caricatura no feminino?

 

A excepção é a consequência da regra, ou vice-versa, razão pela qual no mundo masculino do humor português dos anos quarenta / cinquenta encontramos a Maria Almira Medina.

Nascida em 1920, em Tavarede – Figueira da Foz, desde os seis anos que se radicou em Sintra, localidade que lhe ensinou a poesia dos trechos rústicos, o lirismo da linha tipográfica, onde o seu pai era mestre. Como todos os artistas de alma, as suas raízes, encontramo-las nos seus primeiros gatafunhos, no giz da escola: «O menino vai desenhar no quadro uma linha infinita. – poesia em prosa de Almira Medina – Quase todos os meninos acham fácil desenhar no quadro uma linha infinita. Mas este menino sente que a linha infinita está no coração do giz. Ora, o coração do giz não cabe no quadro preto da escola. O menino risca a parede toda da sala, abre a porta, sai continua a riscar, contínua à procura de espaço, voa. O mundo é comprido, mas não chega para o coração de giz. O professor esquece. O menino viaja. Continua a riscar. E um dia – morto ou vivo – há-de chegar».

A «Menina Girassol», também conhecida por Almira, desde qie viaja com esse pau de giz, tem aberto o seu coração às múltiplas formas de criação artística, desde a poesia, passando pelo conto para crianças, desenho animado, publicidade, pintura, debuxadora de tecidos para crianças, cerâmica, esmalte sobre cobre, ilustração de livros, trapologia até à caricatura. Neste úlrimo género, foi galardoada com o Prémio Leal da Câmara, promovido pela SNBA, e Gente da Rádio, pela Casa do Pessoal da E.N.

Perante o facto de ser das raras mulheres caricaturistas, ela coloca o assunto da seguinte forma: «As mulheres habituaram-se a ser passivas, um hábito de séculos. As regras que os homens inventaram cortaram-lhes um pouco a liberdade de expressão. Mas essa passividade é aparente e sempre houve mulheres corajosas».

«Agora, não é necessária tanta coragem, ou não deveria ser necessária, porque a mulher quase já é aceite integralmente. Conheço mulheres com muito sentido de humor, só que não o extravasam em desenho, antes na vida. A vida já é uma luta, a qual só se vence com uma dose de amor, talento e humor. Fazer humor é conseguir uma real manifestação de liberdade. O sentido de humor devia-se praticar como se faz ginástica».

«O humor é uma quebra da rotina, onde se descobre poesia, ternura, mas também com as devidas excepções, porque há pessoas que não merecem a nossa ternura. Por essa razão, a caricatura, acima de tudo, não é um gesto maldoso, porém confesso que já as fiz verrinosas».

«A caricatura deve ser humorística no bom sentido, que adivinhe a psicologia do caricaturado, dando um dinamismo muito especial ao desenho, nada estático, da cabeça aos pés. É uma onda de vida, porque a crítica pode implicar ternura».

Ela desde cedo desenhava, mas quem a incentivou para a continuação no percurso da caricatura foi o caricaturista Francisco Paxhecoi, um artista da caricatura-sintese, sobre o qual já escrevi a breve biografia nestas crtónicas. Outro humorista, o José de Lemos, seria o incentivador para o lado da ilustração e dos contos infantis, dispersando-se assim Maria Almira pelas múltiplas actividades do entretenimento, visto a profissão dominante (e castradora) ser o professorado e, depois da «reforma», a direcção do jornal (onde publicou seus trabalhos nas décadas de quarenta / cinquenta) que seu pai lhe deixou como herança, o «Jornal de Sintra» que ainda hoje dirige.

Como se costuma dizer, em casa de ferreiro espeto de pau e, dessa forma, apesar de ser dona de uma tipografia e de um jornal, não publica as suas caricaturas, e mesmo a sua poesia e contos, e nunca mais foram recolhidos num volume único.

Agora, nos seus quase setenta anos sente de novo uma tentação de regressar à caricatura. Será que o nosso humor voltará a ser enriquecido com uma caricatura no feminino? Não, infelizmente é apenas uma vontade…

 

PS: Em 2001 outorguei-lhe o Prémio AmadoraCartoon  pela sua carreira humorística. Maria Almira virá a falecer a 18 de Janeiro de 2016 com 96 anos


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