Friday, March 26, 2021
Caricaturas Crónias / Visões do Mundo - «Pedaços de uma história por fazer» (João Amaral, D. Fuas, Armando Boaventura, Carlos Carneiro, Manuel Santana) por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 11/8/1991
A história nem sempre é grata para com os seus intervenientes e há nomes que nos surgem em relevo num período histórico da caricatura, como acontece, entre outros, com Sampaio, José Bento, Albuquerque, D. Fuas e Hugo Sarmento, sobre os quais escasseiam referências. Por isso, desafio os familiares e amigos dos artistas, desafio os bibliófilos a contactarem-me, de modo a trocarmos informações passíveis de enriquecer a historia da caricatura portuguesa. Apesar de tudo, aqui ficam alguns apontamentos raros.
João Amaral, nascido em Lamego, no ano de 1874,
frequentou a Academia de Belas Artes do Porto para, de seguida, tentar carreira
no Brasil. Contudo, problemas de saúde obrigaram-no, à semelhança do que
aconteceu a tantos outros, a um regresso a Portugal. Os seus trabalhos
humorísticos foram publicados no «Álbum de Serões», «Galeria Portuguesa»,
«Charivari» (onde assumiu também funções de director artístico durante algum
tempo), «Raboleva», «Riso», «A Careta», «O Norte» ou «Século Cómico». Com a
implantação da república regressou (em 1914) à sua terra natal, constituindo
família e leccionando desenho e pintura no Colégio de Lamego. Paralelamente,
dedicou-se ao teatro, escrevendo. Encenando e assegurando a cenografia de
comédias e monólogos como «Os Compadres», «A Senhora Ministra», «’Que Grande
Trapalhada» ou «Estudantes», vindo a falecer em Julho de 1955. (Entretanto a Câmara
Municipal / Museu de Lamego publicaram um bom álbum biográfico e retrospectivo
da sua obra em 2015)
D. Fuas, pseudónimo de Luís de Carvalho Cunha (que durante algum
tempo pensei ser um médico tripeiro, tendo publicado essa informação por
diversas vezes, mas na realidade era proprietário de uma tipografia. Sobre D.
Fuas publiquei em 2018 o álbum «D. Fuas e o ciclo da vida dos Humores» em
Penela ligado à Bienal de Humor Luís d’Oliveira Guimarães), nascido em 17 de março de 1889, em Armamar (Douro)
tendo vindo muito novo para a cidade do Porto, onde viveu toda o resto da sua
vida. Foi o principal representante da caricatura síntese do modernismo
nortenho na geração do «Sempre Fixe», ou seja, no decorrer dos anos 20 a 40. Viria
a falecer a 12 de agosto de 1963.
Armando Boaventura, por ser turno, nascido em Barcelos
a 19 de agosto de 1890, fez os seus estudos em Leiria e Coimbra, onde exerceu
funções pedagógicas em colégios particulares. Assumidamente monárquico e
conservador lutaria contra a república, o que o obrigaria a exilar-se em
Espanha durante alguns anos. De regresso em 1921, quando caiu o sonho da
restauração monárquica pela força das armas, optou de seguida pelo jogo de
bastidores, tendo, nesse contexto, tomado parte activa nos movimentos de 18 de
abril de 1925 e do 28 de maio de 1928, tornando-se adepto do Estado Novo.
Curiosamente o seu irmão Octávio Sérgio, também caricaturista, seria politicamente
oposto.
No decorrer da sua luta política, utilizou todas as
armas de que era detentor, entregando-se ao jornalismo e à caricatura com
veemência crítica, patente na sua passagem pela «Época», «Diário de Notícias»
(do qual chegou a ser chefe de redacção), «Correio da Manhã», «O Dia», «A Voz»,
«Diário de Lisboa», «O Comércio do Porto», «Primeiro de Janeiro», «Diário da
Manhã» ( de que foi fundador) ou «Estoril Jornal» (de que foi director).
Excelente caricaturista, trabalhando na fronteira entre o raphaelismo e o
modernismo, Armando Boaventura veio a falecer em 1959, não sem antes colaborar
ainda em publicações como «Espectro», «Sempre Fixe» e «Eva».
Carlos Carneiro, que nasceu em 1900, falecendo 72 anos
depois, era filho do pintor amarantino António carneiro e irmão do compositor
Cláudio Carneiro. Como tal, cedo se interessou pela pintura e desenho,
ocorrendo a sua estreia, como caricaturista, na exposição dos Humoristas de
1920, com um traço moderno e elegante.
Nas décadas de 20 e 30 passou pelo «ABC», «Diário de
Notícias Ilustrado», «Mulheres do Norte», «A Palavra», «Aquilo», «Latina»,
«Comércio do Porto Ilustrado», «Civilização», «Magazine Bertrand»,
«Renascença», «Eva», «Movimento», «O Tripeiro», «O Primeiro de Janeiro» ou
«Jornal de Notícias». Fez também ilustração para novelas, cartazes, publicidade
e capas de livros infantis.
Manuel Santana nasceu em Lisboa, em 1911. Em 1928,
concluiu o curdo dos liceus, iniciando-se então na vida artística com Álvaro
Duarte de almeida. Em 1931, já em Lourenço Marques (Moçam,bique) como
telegrafista, fundou o Núcleo de Arte, estrutura apostada na criação de uma
Academia de Música e Belas-Artes, assim como no intercâmbio com os artistas da
metrópole.
A partir de 1934 e depois d ilustrar o álbum
«Estampilhas, Traços e Pontos», trabalho que integra mais de uma centena de
caricaturas, instala-se em Joanesburgo, trabalhando para o «Sunday Express»,
cujo departamento artístico veio a chefiar. Mais tarde, em 1939, quando de
viagem para realizar um curso de aperfeiçoamento em Londres, é surpreendido
pela guerra, ficando retido e instalado em Lisboa de novo dedicando-se à
caricatura Teatral. Em 1950 foi-lhe atribuído o Prémio Leal da Câmara.
Colaborou na «Vida Mundial Ilustrada», «Diário de Lisboa», «Século Ilustrado» e
«Sempre Fixe», entre outros.