Monday, February 22, 2021

«Humor Luso-brasileiro está em “festa”- Exposição em Lisboa com obras de 40 artistas plásticos» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 26/12/1989

O humor está sempre em festa no Brasil e mais esteve em tempo de campanha presidencial, a qual se transformou em autêntico carnaval. Em Portugal, a campanha autárquica foi mais bem comportada, porém, o humor também está em festa com a concretização do Encontro Luso-Brasileiro de Humor, na Casa do Humor – Museu Rafael Bordalo Pinheiro de Lisboa (Dezembro 1989).

 

É uma exposição da obra de 40 artistas plásticos de ambos os países, num total de 200 trabalhos dos mais diversos estilos humorísticos. Aí se podem encontrar assinaturas do Zé Manel, Augusto Cid, António Maia, Rui Pimentel, Carlos Zíngaro, Pedro Palma, Stuart Carvalhais, Almada Negreiros, Raphael Bordallo Pinheiro… ou do Ziraldo, Mendez, Jaguar, Millor Fernandes, Caruso, J. Carlos, Ique, Lan… para além de Jorge de Salles, Zé Andrade, Lapi e Helio, que estão em Portugal, numa presença enriquecimento deste encontro entre humores e humoristas.

Aproveitando esta estada, tivemos um “bate-papo” com os quatro humoristas brasileiros:

OMS – Antes do mais como surgiu este encontro?

Jorge de Salles – Tenho desenvolvido no Brasil, desde 1984, uma actividade organizadora de salões, exposições de humor e daí, veio a necessidade de começar a passar as fronteiras do Brasil, Lancei a ideia à arquitecta Eva Moreira, a qual falou com o Osvaldo, o qual sendo director da Casa do Humor aceitou coorganizar o evento. Com o apoio da Fundação Cultural Brasil-Portugal, do Abel Pinheiro Grão-Pará, das respectivas embaixadas e da Câmara de Lisboa, lá conseguimos concretizar o sonho.

OMS – Qual a vossa reacção quando tiveram contacto com as obras dos portugueses?

Lapi Pires – Nós já conhecíamos a obra de alguns portugueses, que colaboraram no «Pasquim», e os outros vieram confirmar a excelente qualidade do humor português. Ambos os países têm excelentes artistas, talvez a forma de viver o humor é que seja diferente.

No Brasil tivemos uma grande vantagem, pois um dos baluartes mais importantes da resistência cultural foi o humor, «vide» «Pasquim» que, na época em que nos grandes jornais do sistema não se podia contestar a repressão, a tortura e a morte, o intervinha. Os poetas independentes, os articulistas, os jornalistas que não podiam dizer nada na grande imprensa, diziam-no através do humor. Isso nos deu o ensejo de toda uma participação, e hoje estamos inseridos politicamente nas manifestações globais.

Zé Andrade – Nós temos uma coisa importante no Brasil, que é o sagrado misturar-se com o profano, e o profano com o sagrado. Isso faz parte da nossa cultura. Aqui, acho que há uma grande diferença, o sagrado é muito sagrado e o profano é muito profano.

Acho que essa mistura é importante. Talvez seja por sermos uma nação jovem, é como estarmos na adolescência, com o poder de misturar essas fontes todas.

Jorge de Salles – O humor no Brasil é muito consumido e respeitado. Vãrios dos nossos artistas de humor são notáveis no mundo da cultura. Se na música tem um Chico Buarque, no futebol um Pelé, no humor tens um Ziraldo…. Eles são bastante conhecidos e admirados.

Lapi – É que o humor é das poucas manifestações artística do Brasil que têm o apoio das classes de A a Z, do povo à grande elite.

Hélio – Por exemplo, é curiosa a dimensão que o humor tomou dentro da televisão. Hoje em dia, nós trabalhamos com computadores gráficos, o que nos dá uma liberdade de trabalhar fotografias, filmes,  em termos visuais, com paródias, colagens… Trabalhamos o humor em charge, caricatura, ilustração, usando-o praticamente em tudo. Todos os telejornais utilizam o humor (Hélio é da TV Globo), fazem caricatura animada para ilustrar, chamar a atenção do público. O humor faz parte activa da vida do povo brasileira na TV, rádio…

OMS – Há também o Carnaval, uma das facetas humorísticas mais conhecidas do Brasil, ao qual o Zé Andrade está ligado.

Zé Andrade – Faço um trabalho para o Carnaval, que é muito gostoso. Por exemplo, este ano  fiz um carro para a escola »Beija Flor», q eu era o «Lixo da Política» - o Congresso Nacional cheio de ratos pelos cantos, e os grandes políticos feitos Carmen Miranda.

Faço também o trabalho oficinal, pois os próprios políticos me encomendam as máscaras deles (estilo gigantones), para com elas fazerem a campanha, enviando delegados com a sua máscara (a imagem como identificação das ideias políticas expressas) que viajam pelo país todo, como foi o caso do Lula, como já trinha acontecido nas directas com Tancredo Neves Vilela. São as máscaras que retratam a pessoa, as quais, quando chegam à rua, todfo o mundo ri, como expressão de carinho, de afecto.

Fizemos o mesmo em Lisboa com Fernando Pessoa, e houve um movimento dfe identificação e de choque. Por exemplo, houve jornais que reagiram de forma interessante, como uma coisa nova, enquanto que outros apenas falavam de um baixinho travestido de gigantone sambeando Pessoa.

Hélio - O interesse nesse passeio pelo Chiado foi ver a alegria de certas pessoas, como algumas que passavam de carro e sentia-se que tinham vontade de descer e participar no evento. A importância desta acção é que a gente possa trazer para vocês, de alguma forma, esse humor que vocês têm e só está faltando um clique, uma vontade de exteriorizar.

Jorge de Salles – E é pelas eleições que nos apercebemos da diferença na maneira de estar. Aqui vemos apenas carros com bandeiras, faixas e nome dos candidatos em outdoors. Tudo muito bem comportado.

Zé Andrade – As pessoas aqui não  vestem tanto a «camisa» dos seus candidatos. No Brasil há uma identificação muito grande com o seu candidato, é uma festa.

Festa é sem dúvida o Encontro Luso-Brasileiro de Humor que se mantem aberto ao público até ao dia 28, na Casa do Humor – Museu Bordalo Pinheiro, ao Campo Grande, em Lisboa.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?