Monday, February 08, 2021

Caricaturas Crónicas - «Uma bomba radiofónica» por Osvaldo Macedo de Sousa no Diário de Notícias de 13/8/1989

 Tinha terminado a grande guerra e os humores e estavam naturalmente gelados pelo terror das realidades descobertas. O «Sempre Fixe» e «Os Ridículos» mantinham a sua periodicidade cada vez mais pachorrenta, não é possível que a censura apontava ao humor sobrevivente. O tempo da sátira política era já uma saudade, e o humor uma mentira para o povo sorrir - «Uma das melhores maneiras de mentir-se e ser-se acreditado é fingir que se está a mentir» (em «A Bomba»).

Foi nessa paisagem lúgubre, que em 1946, entre senhas de racionamento e tesouradas na inteligência, que surge o jornal «A Bomba», de Mário Ceia e Mário Meneses dos Santos. A ideia era fazer algo diferente, primando o texto sobre o desenho, desenvolvendo a escrita humorística, como folhetim popular, entre a piada e a graçola, apimentada de tempos a tempos com uma pi © tada social.

A crítica política e social que se consegue publicar de exibição o estado de míngua do país, a falta de víveres, de dinheiro para pagar as rendas inflacionarias, os impostos, a alimentação - «Estalam bombas e foguetes / Andam balões no ar / eo Manel e a Maria / à rasquinha… sem jantar »(25/8/1946). As saudades dos artigos de primeira necessidade eram tantas que se chegava a publicar anúncio: « Compra-se - fotografias de manteiga, azeite, batatas e bacalhau para álbum de recordações. Trata-se na Rua da Saudade, Beco do Aperto o Cinto, 100 Direit o ».

Os desenhadores que aqui trabalharam foram os Titos, Jorge Brandeiros, Freitas, Luzano, Pacheco, Fred e Martinez, tendo alguns uma qualidade razoável, principalmente os dois últimos, em inicio de uma boa e mais longa carreira (todos os outros desaparecidos como apareceram) , porém era na escrita que este jornal mostrava maior empenhamento, como já referi. Esta tendência tem uma contrapartida, passado pouco tempo, um estilo implícito que se traduziria, a partir de Outubro de 1946, num programa radiofónico.

A sua dinâmica humorística era «folhetineira», mais teatral do que estática, como o é normalmente o gag gráfico, uma dramaturgia literária propícia a ser «gozada» também pelo ouvinte.

À ideia aliou-se a Rádio Peninsular, nascendo assim como «Emissões Bomba», que dava voz ao jornal. Se normalmente o que acontece é nascerem jornais / publicações como fruto do èxito de um programa radiofónico (ou televisivo mais recentemente), aqui aconteceu o inverso, por ironias dos tempos.

Este facto, já em si interessante, a nível histórico torna-se mais acutilante porque implicou a germinação de um outro empreendimento humorístico que terá ainda maior repercussão no humor português.

Tudo aconteceu quando dois colegas de mercearia do Grandela contavam anedotas inventadas um ao outro, e descobriram que ambos tinham poder humorístico. Manuel Meneses dos Santos, conhecendo esse potencial extraordinário, convida-os a escrever para «A Bomba», iniciando-se o trabalho da dupla Rui & Puga. Com as «Emissões Bomba» juntou-se a colaboração do irmão do Rui, o Zé, barbeiro de profissão, um excelente “fígaro” que daria voz a um novo humor. Estava formado o trio dos irmãos Andrade (Rui e Zé) e Manuel Puga.

Estas emissões trouxeram algo de diferente à Rádio, numa linguagem arrojada, atrevida e ao mesmo tempo aderindo ao gosto popular. Uma experiência importante, mas de curta duração (ano e meio de jornal e seis meses de rádio), pois quase todos eram amadores nestas lides, dificultando o trabalho, a regularidade… e «A Bomba» foi desactivada.

Contudo nada se apaga, tudo se transforma, e o rastilho estava de morrão aceso.


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