Sunday, February 28, 2021

Caricaturas Crónicas: «Liberdades da Revolução» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 29/4/1990

 Passaram-se 16 anos daquela madrugada de Abril, em que o mundo estupefacto ouviu um grito de liberdade, vindo de um pequeno torrão, que nem sabiam que existia. A revolução dos cravos vermelhos foi então embandeirada como símbolo de que todas as ditaduras, se não caem, apodrecem; como exemplo de que a esquerda vermelha pode fazer revoluções sem sangue; como independência geográfica, separando-nos da confusão ibérica, da Espanha, integrando-nos na europa.

            Com a liberdade, o humor teve duas reacções díspares. Por um lado, o humor tradicional, já habituado aos condicionalismos da censura, de repente ficou sem as suas armas. O humor gráfico tinha caído no anedotário ou no trocadilho que dominava a literatura humorística, bem como a «Revista à Portuguesa», o reino mais resplandecente do humor na ditadura. Quase se pode dizer, que a «Revista» conseguiu sobreviver dos anos 40 a 70 com grande sucesso, devido aos condicionalismos que enriqueciam a ironia, a paródia, o burlesco. Com a revolução, deixou de haver necessidade do trocadilho – e o humor entrou em crise.

            Por outro lado, verificou-se uma euforia no humor gráfico, com a proliferação de periódicos, resultado de «aventuras» ligdas a uma juventude sedenta de liberdade de expressão. Eram quase todos os projectos criados no entusiasmo da época, em que a criatividade abundava, mas onde não havia estrutura e por isso duravam apenas poucos números. Dessa leva podemos referir o «Pé-de-Cabra», «O Coiso», «O Cágado», «O Chato», «O Olho», «Chaimite», «Lobo Mau», «Risota», «O Mariola»… Até o «Sempre Fixe», ligado à estrutura do «Diário de Lisboa» (que no inicio da década tinha lançado «A Mosca») tentou a ressurreição, porém, estranhamente também não venceu. A festa fazia-se então na vida, nos comícios, na rua e não no sofá, no deleite da leitura.

Mais uma vez, quem conseguiu ser excepção, foi o José Vilhena, com agora o seu lançamento no universo dos periódicos (até aqui tinha sido essencialmente no campo livreiro), com a «Gaiola Aberta». “Agredindo” o público com capas escaldantes, atraía o leitor popular, satirizando o político (à esquerda e à direita) num misto de brejeirice e pornografia, que com o tempo e exaustão por vezes levava a revista a afastar-se do humor. Se o humor pode (deve) ser leve como um gentleman, e rude como um matarruano, pode também facilmente ultrapassar a fronteira e transformar-se em pedanteria ou pornografia. Este era mais um exemplo das dificuldades de adaptação às novas regras da liberdade, já que anteriormente a utilização do sexo era uma ousadia, feita revolta contra o regime (que o usava e abusava hipocritamente em segredo), um desafio, depois de Abril passou a ser uma leviandade sem objectivo crítico.

Depois desses anos quentes ainda haveria a revista «Visão» (mais ligada à BD, mas utilizando os artistas do humor), «O Pão com Manteiga», «O Bisnau»… páginas que davam as raras oportunidades a essa juventude da revolução que foram «obrigados» a procurar outros caminhos profissionais. Assim, desapareceram o Carlos Barradas, Duarte, Zepe, Zé Paulo, Pedro Massano, Júlio Quirino, Luís Guimarães, Zé d’Almeida… Outros, conciliando o jornalismo gráfico com outras profissões conseguiram manter-se de forma a hoje alguns deles poderem estar profissionalizados a cem por cento no humor gráfico.

            A actualidade tem excelentes caricaturistas e humoristas no activo, a Imprensa noticiosa reconhece cada vez mais o valor estético, a importância jornalística do cartoon, porém… alguns sectores do País dão mostras de que ainda não estão preparados para viver em liberdade, o elemento fundamental da democracia: o humor como opinião, como vida saudável. Mantém-se uma suspeição sobre a crítica, sobre as ideias.


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