Sunday, February 07, 2021
Caricaturas Crónicas - «1789 na caricatura portuguesa» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 30/7/1989
É clássica já a referência, como a primeira caricatura
política portuguesa, àquele papel anónimo colado na parede do Palácio da Bemposta,
em Novembro de 1807, onde se via D. João VI, um rei de pernas tortas e cornudo,
a fugir para terras seguras do Brasil, abandonando à sua sorte uma nação
miserável e traída. A caricatura portuguesa nascia perante a atitude dos seus
governantes de abandono, perante a ameaça de invasão dos «revolucionários»
franceses, nas suas campanhas napoleónicas de «divulgação» dos ideais
revolucionários da «liberdade, igualdade, fraternidade»; nascia perante o facto
cruel e verdadeiro de que os primeiros a abandonarem um navio-país em naufrágio
são os políticos, o Poder.
O «primeiro» desenho satírico português nasceu fruto
de uma das consequências da Revolução Francesa, porém a nossa caricatura nada
deve a essa Revolução, por linha directa.
Tal como no rersto da Europa, a caricatura de imprensa
ganhou alento como contra-revolução, e foi pela mão de um dos seus arautos, os
ingleses, que ela conheceu os primeiros passos no sosso país.
Como consequência da Revolução, para suster a invasão
francesa, fomos invadidos pelo Ingleses, que souberam aproveitar-se da ocasião
(e posição) para nos colonizarem em todos os campos. Ficamos então sob a «bota
de Wellington», sob as ordens de Beresford que desenvolve uma campanha de
«protectorado» sobre o país, libertando-o (de riquezas, tal como os franceses)
dos “malefícios” da Revolução Francesa.
A caricatura (e outras variantes de humor), que até
1807 não tinha conseguido despontar, romper a carapaça inquisitorial da
monarquia portuguesa, vai-se manter sufocada sob o regime inquisitorial do
protectorado, sufocada ao longo de todo o processo revolucionário liberal que
já germina, cresce e dá as primeiras vitimas em Portugal.
Serão os ingleses a criarem, por nós, as caricaturas
que então exportavam, e circulavam em Portugal, muitas delas já adaptadas às
vicissitudes da nossa política, da nossa sociedade. Assim se satisfazia
medianamente as nossas necessidades satíricas, porque as necessidades do riso
sempre ficaram satisfeitas com o anedotário de taberna, em humor mais incisivo,
contundente e secreto, numa comunhão popular entre amigos, entre o povo.
Verificar-se-á, entretanto, a vitória do liberalismo,
a queda deste, perante um miguelismo anti-revolucionário e absolutista, para de
novo se criarem condições de progresso, com o exílio daquele, mas em nenhuma
das circunstâncias os artistas portugueses procuraram, desenvolveram aptidões
para usar a caricatura como arma de ataque, ou de revolta.
Seria apenas no início dos anos 40 (do séc. XIX) que a
sátira politica desenhada daria os primeiros passos em Portugal (de uma forma
violenta), sob a influencia inglesa. Nos anos 60, sob a pena de Nogueira da
Silva, a caricatura francesa começaria então a ser mais influente, a ser o
exemplo, o guia da nossa arte humorística.
Disto tudo se deduz que, nas origens, nada devemos
directamente á Revolução Francesa, no campo caricatural, e que tudo devemos,
por forma indirecta. São as ironias da historia.