Sunday, January 10, 2021
Caricaturas Cronicas: «TOURADAS» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 23/11/1987
Mudam-se
os tempos, mudam-se as formas de pegar nas coisas, que os cornos da vida são
sempre os mesmos. Fala-se pois de touros e touradas, um círculo da vida onde
uns são farpeados e outros triunfadores com direito a rabo, orelhas e demais
prémios. Fala-se mesmo em tourada à «antiga portuguesa», como se a tradição
fosse sermos toureados, por gosto, pelos governantes.
As
pegas são, segundo dizem os entendidos, uma arte bem portuguesa como orgulho
rácico de enfrentar olhos nos olhos o touro que investe, só que os
investimentos não são muitos e raros os progressos nacionais. A pegar de
cernelha é especialista o caricaturista, que não se recusa de olhar de frente o
touro utilizando tudo o que lhe vem às mãos, e à cabeça, por não ser
supersticioso de cornadura, para espetar uma tantas farpas no lombo do Poder. A
tourada é certamente um campo com vasto pano para as suas faenas.
Duas
formas há, de ir à tourada caricatural: o jogo político; e o humor da real
tourada, mesmo quando é já república, A tourada como política foi inspiração
vária para os tempos da monarquia, em que os caricaturistas decompuseram todas
as artes e jogos possíveis, para apresentar os eternos problemas políticos das
formas mais variadas, e sempre «novas», porque é na originalidade cénica que as
eternas críticas se renovam.
Novas
não eram as eleições, e cada vez mais difíceis as compras do voto: «Lamentações de um Forcado: - Chamei-o. Ele
bufou, e doeu-me aqui... tornei a chamá-lo. Deu terra, e, em seguida...
Ensarilhou comigo. Levei d' aqui assim... Mais d'aqui... E lá. Estou pronto! –
2$500 pelo voto de cada um, e levem-me para a Câmara de Deputados. Pega por
pega prefiro pegar na questão de fazenda.» (Raphael Bordallo Pinheiro. in
«António Maria» de 9/9/1880.)
Se os
toureiros são sempre vencedores, não é desses que reza a nossa história, com nomes
sempre mudados, enquanto o touro, o sacrificado, é sempre o mesmo. Pode
aparecer seja como a nação quando «trabalhada» por cavaleiros como a
«Inglaterra», a «Alemanha», a «Espanha»… seja como Zé quando é o Governo a
farpear com o eterno «deficit»: «Um
diestro afamado, um artista, N' uma bela arrogância se apruma. Mas, fugindo
manhoso da pista. Há vinte anos não faz coisa alguma.»
«Esse «touro» (deficit), que atroz nos persegue. Muita vez
tem jurado matál'o. Mas apenas com arte consegue. Dar-lhes carnes, vigor e
engordá1'o». (Nogueira, in «Os Pontos» de 24/5/1903).
Os
tempos mudaram, os problemas políticos, sendo quase os mesmos, não podem ter o
mesmo tratamento, por «superstição» dos políticos novos - «Então o teu marido não veio á tourada? - Não, mete-lhe impressão ver
morrer os cornupetas...» (Stuart, in «Sempre Fixe» de 18/8/1927).
Perante
tais condições político-sociais, o humor passa ao simples anedótico - «Meu irmão toureou tão bem na última corrida,
em Elvas, que até veio o retrato dele a meio corpo nos jornais.» «- A meio corpo?!» « - Sim... a outra metade
ficou na enfermaria.» (Stuart, in «Sempre Fixe» de 9/10/1941).
É que
quem vai á luta dá e leva, e é mesmo caso para o touro, que se pode chamar Zé,
exclamar: «- E chamam a isto uma...
sorte!» (Stuart, in «Sempre Fixe» de 3/10/1929).