Monday, January 04, 2021
Caricaturas Crónicas - «Tossan – um humor poeta» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 26/7/1987
«O que levo
da vida?
É a vida que
levo.
E é na vida
que levo
que levo a
vida.
Mas como a
vida
é tão breve
levarei da
vida
a tão pouca
vida
de uma vida
breve»
Tossan não é como a maior parte dos desenhadores
satíricos, que, em contraste com as suas obras de humor, levam uma vida de
angústia. Tossan é na vida, como na sua obra, um homem cheio de graça, humor -
«a vida é muito engraçada, mas eu levo-a
a sério, no que vale verdadeiramente a pena. O humor é a coisa mais séria deste
mundo, e é tão séria que até há pessoas que riem».
Ele provém daquele espírito irónico-popular em que por
detrás das palavras que se divertem entre rimas e jogos sonantes vem um ditado,
uma sentença, um saber cru, mas poético. A palavra é pois o seu meio
fundamental de expressão, mesmo quando só desenha.
Chama-se António Fernandes dos Santos (Tossan para as
artes e amigos), natural de Vila Real de Santo António, onde nasceu a 30 de
Maio de 1018, sendo «o filho que menos trabalho dfeu, bastava um lápis e um
papel» para o sossegar. Nascia então um artista plástico versátil e filho de
uma época, o modernismo, cujo grafismo sintético e linear nunca abandonou. Como
sobrevivência criativa foi caricaturista, ilustrador humorista, pintor,
desenhador, decorador, caracterizador, vitralista, gráfico… para além de poeta.
Ainda no Algarve, com 16 anos, estreia-se na
cenografia para o Teatro Lethes de Faro. Passa por Lisboa e tem que se radicar
em Coimbra, por questões de saúde - Tisica. Graças a ele, o seu companheiro de
poesia e ironia popular, o amigo e também algarvio António Aleixo, foi
internado no Sanatório para tuberculosos de Coimbra, dirigido pelo grande
médico e homem dr. Armando Gonçalves, mais tarde sogro de Tossan.
Por Coimbra ficou a maior parte da sua obra
caricatural, assim como da cenografia a cujo trabalho se entregou, de 1947 a
66, acompanhando todos os espectáculos do Teatro de Estudantes da Universidade
de Coimbra. A par de cenógrafo, era o caracterizador do grupo, com o qual
percorreu o mundo.
Seria fastidioso descrever os países onde esteve a
trabalhar, com o teatro ou com exposições; ou os retratos que realizou em
pintura; ou as empresas, para onde trabalhou como orientador de publicidade e
gráfico. Apenas a realçar a sua relação com a Embaixada do Brasil, para a qual
foi gráfico, decorador, e de 1971 1 73 esteve no Brasil a convite do Ministério
das Relações Exteriores do Brasil a montar as exposições de arte sacra, de arte
popular e do pintor Lula Cardoso Aires… Na imprensa tem dispersos muitos
trabalhos dos quais destaco o álbum «Cão Pendio» de (Portugália 1959) ou a
série «Lógica Zoológica» para «O Jornal» nos anos oitenta
Um longo percurso de trabalhos vários, para conseguir
a «massa» necessária ao dia-a-dia: «Se o
padeiro tem a mão na massa / é porque há massa para amassar o pão / mas se não
tem massa / não amassa a massa / nem tem massa para comer o pão. / O pão nosso
de cada dia / sem massa é uma utopia.»
É na busca de uma utopia irónica que as suas palavras
se transformam em poesia, assim como foi o seu humor às crianças que o levou a
estar entre os colaboradores-fundadores do «Diário de Lisboa Juvenil». Nessa
sua paixão pelo traço poético ilustrará mais de três dezenas de livros para
crianças do poeta Leonel Neves (com o qual costuma realizar sessões de poesia
nas escolas primárias um pouco por todo o país), de sidónio Muralha, José Lins
do Rego… E, como já referi, ele próprio escreve poesia e contos para crianças,
tendo neste momento um livro para publicar- «O
escritor escreve um livro de tantas páginas / A páginas tantas essas páginas
são editadas pelo editor. / Mas do livro não se vende uma página. / A páginas
tantas morre o escritor. / Esgota-se o livro. / E com a indigestão de tantas
páginas / a páginas tantas morre o leitor / e o editor, como já não tem páginas
/ morre às tantas.»
Bem vivo da costa continua o Tossan, director dos
Serviços Gráficos e Artísticos da Direcção-Geral de divulgação (no Palácio Foz
onde o visitei várias vezes), trabalhando com as crianças, escrevendo o humor
pela poesia e, se neste momento não publica caricaturas ou ilustração
humorística em jornais, isso não significa que esteja parado.
P.S.: Entretanto viria a falecer a 12 de Agosto de
1991