Monday, January 18, 2021

Caricaturas Crónicas: «Os salões dos humoristas» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 19/6/1988

O Salão (de arte) é uma moda do século XIX, como abordagem pública do artista que deseja apresentar a sua obra à sociedade.

Os humoristas, em Portugal, no século XIX estiveram ausentes das reuniões /exposições de arte, com excepção de um ou outro trabalho de artistas consagrados. Pode-se afirmar que o primeiro Salão de Humor foi o de 1912, quando os humoristas criaram uma Sociedade de Humoristas (1911) com o intuito de defesa de classe e do género artístico. Na comissão organizadora estavam Christiano Cruz, Stuart Carvalhais, Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, Francisco Valença, Saavedra Machado, Alfredo Cândido…

A Sociedade tinha como intuito a animação do campo humorístico, porém a única iniciativa que teve relevo foram os Salões dos Humoristas, nos quais, a par do raphaelismo academizado, surgiram expostas as obras que estavam a provocar a ruptura estética dar artes portuguesas com o séc. XIX. Essa ruptura levou certa crítica a apelidar os artistas de anti-nacionalistas, por «subserviência» à «caricatura estrangeira, desprezando e deixando os typos e costumes genuinamente portugueses, e que caracterizam a nossa sociedade» (in «A Capital» de 6/6/19139) ou seja o conservadorismo realista, ou uma visão naturalista do pintoresco como ideal do humor gráfico.

Por haver essa concentração de trabalhos mais vanguardistas, por reunir artistas que desde 1909 apresentavam trabalhos de novo cunho estético, aponta-se o Salão dos Humoristas de 1912 como a oficialização do modernismo. Há historiadores que defendem o Salão Livre, de 1911, como o introdutor do modernismo, só que isso é ignorar o real alcance dos Livres, que não foi nenhum (e o único modernista desse grupo era o humorista Emmérico Nunes), é ignorar a importância do humorismo, que ia na «vanguarda do movimento» (desde 1909 com Amadeo de Souza-Cardoso, Christiano Cruz, Fernando Correia Dias, Luiz Filipe Rodrigues, Álvaro Cerveira Pinto…).

Houve Salões de Humoristas em 1912 e 1913 em Lisboa, passando posteriormente para o Porto em 1915 e 16, onde o humorismo vai desaparecendo (inclusive passou-se a chamar Salão dos Humoristas e Modernistas), para dar lugar ao modernismo – decorativismo, transformando-se a idade do Porto no bastião daquele movimento modernista, já que em Lisboa a vanguarda optava pelo experimentalismo Orphico ou futurista, um movimento que não conseguiu ultrapassar os gestos de irreverência, quase não conseguiu ultrapassar o Chiado, perdidos na pacatez da comodismo luso.

Em 1920, e como resumo dessa década de muitas intenções e fracos resultados (artísticos, políticos e sociais), realiza-se em Lisboa o III Salão dos Humoristas, onde o humor é escasso, o modernismo uma ironia e ibérico para complementar a falta de participações nacionais. Foi um triste epitáfio do sonho da Sociedade criada em 1911.

Esta saída do humorista para as salas de exposições, fomentou o gosto por esse contacto mais directo com o público, e a partir de 1912 tornou regular a organização de exposições individuais (destacamos a de Almada Negreiros em 13, Correia Dias 12 e 14…), e colectivas de humoristas. Porém, exposições com a denominação de Salões de Humoristas, depois de 29, houve apenas em 24, no Porto, um Salon dos Humoristas organizado por e para amadores, e em 1926, também no Porto, um Salão dos Humoristas que para além de alguns consagrados dá a conhecer uma nova geração, a que virá a ser conhecida como a geração do «Sempre Fixe», com a presença do Carlos Botelho, Carlos Carneiro, D. Fuas, Octávio Sérgio…

Em 1938/40, pela mão do veterano Leal da Câmara, houve uma nova Sociedade de Humoristas Portugueses, com a concretização de um Salão em 1938 e outro em 39, com múltiplas conferencias e eventos pelo meio. A repercussão, apesar de importante no meio humorístico, principalmente o de 1938, foi mínima, já que eram tempos de pouca liberdade. Após esse espasmo, fracamente prolongado pelo Grupo Raphael Bordalo Pinheiro (liderado por Luís d’Oliveira Guimarães), os Salões desapareceram. Isso não impediu a continuidade de pontualmente se verificarem exposições individuais ou colectivas.

Nos anos mais recentes, propriamente em 1978, houve uma nova tentativa de organização de salões de Humoristas pelo dr. Lima de Carvalho no Casino do Estoril. Era um Salão luso-espanhol que apenas se realizaram em 78 e 79. Em 1982 o jornal «A Voz de Paço d’Arcos» fez um ensaio de um Salão de caricatura em homenagem ao Francisco Valença pelo seu centenário.

Finalmente no ano passado (1987), na invocação do centenário de Stuart Carvalhais, organizei o Salão (Nacional) de Caricatura de Vila Real / 87, dedicado à premiação dos periódicos e humoristas activos na Imprensa portuguesa. Devido ao êxito, este ano está em organização a continuação daquele certame, agora em Porto de Mós (por questões financeiras teve de mudar de patrocinador municipal, mudança que acontecerá de novo em 199 quando se instalou em Oeiras até ao seu encerramento em 2006), sob o nome de Salão Nacional de Caricatura, com as seguintes modalidades incorporadas: Salão Nacional Humor de Imprensa (onde se outorga os prémios nacionais de jornalismo gráfico); Salão Livre de Humor Nacional (aberto a todos os artistas profissionais e amadores) e Mostra de Humor Internacional.

Desta forma prossegue o espirito dos humoristas de 1911/12 no «despertar o gosto pelo humorismo em Portugal, levando ao conhecimento do povo o seu papel social na correcção dos costumes».


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