Tuesday, January 12, 2021

Caricaturas Crónicas: «OS ADESIVOS» por Osvaldo Macedo de sousa in Diário de Noticias de 31/1/1988

 A diversidade de apresentação, a variedade de formas, é uma das características do produto, mesmo que o fim seja o mesmo. Transparente ou opaco, de interior branco ou vermelho, séptico ou anticéptico... tem como ponto comum a aderência a qualquer superfície, preferindo as fendas ou feridas para se «acomodar", é o adesivo.

«Adesivos» são também aqueles que, como políticos na concepção filosófica e realista, aderem facilmente, estão habilitados à metamorfose das conveniências, estão preparados a estar presentes em todo o lugar que abra as portas para o Poder, principalmente nos momentos de «crise ideológica», quando as feridas do Poder sangram. Aderem sem quererem ser anticépticos.

Se existem, como uma consequência política, em todas as estruturas da vida quotidiana, da vida social, denotam-se mais nos momentos «trágicos», quando a magia do «vira casacas» não tem tempo para disfarçar as metamorfoses, quando a viragem é mais extremista.

Por exemplo, como o transformar-se, de um dia para o outro, de monárquico convicto em republicano da Rotunda, de salazarista em democrata... ou seja aderir nos momentos pós-revolucionários, obrigando o alfaiate a ficar «sem mãos a medir»: «Não me chateie! Já disse que só lhe posso virar a casaca lá para Setembro» (João Abel Manta, in Diário de Lisboa Julho de 1974; ou «Grande Alfaiataria Nacional dos Vira-Casacas», Jorge Colaço, in Ridículos, 13-12-1912).

Após as revoluções vitoriosas, todos lutaram contra o regime deposto: «toda a gente esteve na Rotunda, e se por acaso não foi nos dias 4 e 5 de Outubro podia ter sido em qualquer outro dia.» (O Intransigente, n." 20 de 1/12/1910). De um momento para o outro, o anterior regime (neste caso monarquia) ficou sem partidários, apenas uns reis, príncipes e ministros em fuga, e uns grupos no Norte, sem norte em guerrilhas.

Quanto ao «Júlio dantes monárquico» (in Papagaio Real de 14/4/1914) tornou-se ministro da República; político influente dos novos partidos republicanos, grande defensor da divergência ideológica com os outros partidos, defendendo a pureza do seu republicanismo, da sua democracia de pensar o País.

Um caso curioso: quem proclamou a República do alto do bastião oficial foram os políticos, e não os republicanos revolucionários da Rotunda, antecipando-se a qualquer reivindicação possível daqueles. Os profissionais da política «sabem» o que é o melhor para o povo, para o País, para o regime. Este, mal nasce, leva de imediato um banho asséptico de adesivos, como do BCG e outros virulentos - «Pobre filho! tão novo e já cheio de adesivos» (in O Intransigente nº 20 de 1/12/1910).

Eles, apesar de maleáveis e aderentes, são um espécime humano, consequentemente oportunistas, egoístas, racionalistas na conquista do Poder e dinheiro... !

Eles são um espécime animal, por isso lutam pela sobrevivência sem sombra de remorsos, apenas uma ou outra lágrima de chacal - «Co'os adesivos (é) outro cantar: / Qual nuvem de vorazes gafanhotos / Que um campo inteiro acabam d'assolar, / Roendo até os mais pequenos cotos / E que, ao verem a mesa levantar, / levantam voo pelos ar's ignotos / Para irem abater em outra estância / Onde haja de comer em abundância.» (Marco António, in Republicaniadas, Lisboa 1913).


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