Friday, January 22, 2021
Caricaturas Crónicas: «Octávio Sérgio, a persistência» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 31/7/1988
Octávio Sérgio foi um caricaturista que se impôs por persistência e exagero. O seu percurso foi de luta, para dominar o lápis e a vida. Tinha aquela quase certeza interior que vence todos os obstáculos e não desistiu.
«Nasci no dia 19 de Maio de 1896, às 6 horas da manhã, facto que justifica só por si o hábito que tive durante muitos anos de entrar em casa fora de horas». Assim, nasceu Octávio Sérgio, um caricaturista que se impôs por persistência e exagero, tornando-se famoso nas páginas do «Sempre Fixe». O seu percurso foi de luta, para dominar o lápis e a vida.
Eis como ele apresenta essa mesma luta: «Até aos 19 meses a minha vida foi tão obscura como o estilo de certos escritores da moda. Aos 19 meses comecei a viajar, indo de Peniche, minha terra natal, para Leiria, onde os meus pais se estabeleceram. Até aos quatro anos tive bexigas, sarampo e duas enterites, mas a Natureza conseguiu dominar os males e as curas respectivas, que são sempre males muito maiores. Dos quatro aos sete anos devo ter feito qualquer coisa, mas tudo se me varreu da memória. Aos sete, levaram-me para uma prisão lôbrega, sem ar nem luz, onde se sentavam em cadeiras toscas de pinho muitos meninos da minha idade. Era uma escola, disseram-me…»
«Um dia, caricaturei o professor na minha
lousa, que andou de mão em mão, por entre a galhofa dos maraus meus
companheiros. Vesti-o de jesuíta, ao modo das caricaturas da época, de sotaina
e chapéu de borla, e a semelhança era tão flagrante, que a brincadeira me valeu
depois uma dúzia de palmatoadas que me deixaram a pele das mãos prestes a
estoirar. Paguei caro o meu primeiro tributo à liberdade de expressão. Tinha
nove anos! Data de então a minha biografia de caricaturista social, que tantos
amargos de boca me havia de dar pela vida fora».
Entretanto,
fez a Escola Normal em Leiria, e aos 18 anos esse espírito caricatural voltou-o
a inquietar, incentivando-o a ir estudar Artes. Por essa razão, partiu sozinho
para o Porto, deixando a família de o proteger economicamente, já que era
contrária a essa decisão, a essa opção profissional. «O pior é que os mestres não estavam longe de darem razão à minha
família, pois a vocação, revelada apenas por certezas subjectivas que só eu
entendia, não tinha ainda amadurecido. Estive a pontos de desistir».
Só que
Octávio Sérgio tinha aquela quase certeza interior que vence todos os
obstáculos e não desistiu. Prosseguiu os estudos de arte, mesmo com a
indiferença dos seus professores, como Marques de Oliveira. «Tive então que empregar-me. Fui
sucessivamente empregado de cartório, perfeito de colégios e asilos, mestre de
primeiras letras e, mais tarde, director-delegado de uma grande companhia
exploradora de electricidade… Do cartório fui despedido por ter estragado dois
cadernos de papel selado com caricaturas!» Entretanto, ia escrevendo artigos
para os jornais, ora de crítica de arte, ora de sabor humorístico.
Com tanta persistência, com tanto trabalho, a «mão do artista» fez-se no domínio da técnica e das formas, que se expressava tanto no crayon, como na tinta-da-china, óleo, «guache», aguarela, barro, madeira. A escolas que lhe foi administrada, ao lado do Henrique Medina, Eduardo Malta, Carlos Carneiro… era academizante, ainda imbuída no espírito naturalista. Por essa razão, o seu estilo pessoal pouco acompanhou o espírito da segunda geração modernista, que reinaria nesses anos 30/40/50, que foram os seus anos de êxito.. A caricatura pessoal foi a sua grande arte.
«Em 1928 fui-me até ao Brasil, onde a crítica e o público viram em mim coisas que eu próprio ignorava». Regressa em 1930, vitorioso, com um álbum debaixo do braço, que publica com o título «A Vida e a Morte». São trabalhos onde há raios de expressionismo, numa visão amarga da vida. «O caracter panfletário e social desse meu livro foi aproveitado pela política e quis-se então fazer de mim nada menos do que um “comunista”. /…/ A filosofia do álbum é meramente cristã e universalista». Eram os ventos da ditadura que já faziam as suas interpretações e que suspeitavam das próprias sombras. Porém, o Estado Novo não teria razões de queixa de Octávio Sérgio, já que ele era essencialmente um caricaturista de pessoas, e não um satírico de situações. Chegaria mesmo a colaborar na I Exposição Colonial, e na Exposição do Mundo Português de 40, como decorador.
No âmbito do jornalismo, foi redactor de «A Mortalha», chefe de redacção do «Jornal de Notícias» e do magazine «Civilização», assim como director artístico do semanário humorístico «Maria Rita».