Sunday, January 03, 2021
Caricaturas Crónicas: «O Sal (dá) azar» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/6/1987)
É nas
Finanças que está o sal do governo e foi nessa condição de re-tempero que
entrou a tal mistura condimentada, em «nacionalismo» - «conservadorismo» -
jesuitismo, que se chamou Salazar e nos «conservou» em vinagre durante quarenta
anos.
Diz o povo que deixar cair sal dá azar, mas houve quem
caísse muito depois de ter dado azar a muita gente. O sal é a desgraça de
muitos, seja pela hipertensão arterial ou política, já que a condimentação
exagerada provoca o esturro dos gostos; seja pelo seu valor de riqueza em
certos povos.
Quanto ao azar, esse não tem nenhum valor financeiro,
antes pelo contrário, é antieconómico e que o dioga o Zé-pagante, sempre a
deixar cair as sortes em mãos ávidas de sal, nos políticos - «Olha lá, o ministro das Finanças é de santa
Comba Dão? – Não, é de santa Comba Tira…» (Luís Teixeira, in «Sempre Fixe» de 14/3/1929))
É nas Finanças que está o sal do governo e foi nessa
condição de re-tempero que entrou a tal mistura condimentada, em «nacionalismo»
- «conservadorismo» - jesuitismo, que se chamou Salazar e nos «conservou» em
vinagre durante quarenta anos.
A sua apresentação governamental teve como primeira
caricatura a já transcrita «anedota» sobre a questão da «terra santa» do
salvador, sem ser nadador, o que não impede a sua parecença com o marinheiro
quatrocentista, dos «Painéis de s. Vicente»: «São na verdade muito parecidos… somente um tem a rede à vista e o outro
escondida.» (Botelho, in «Sempre
Fixe» de 5/1/1933).
De intenções escondidas está o mundo cheio; contudo,
desde o início que a sua política financeira, á custa do Zé para variar, foi
contestada por uns, como uma «peça de
efeito – com a nova partitura, o virtuose das finanças consegue arrancar muitas
notas ao velho instrumento (o violoncelo contribuinte). Música que delicia o diletante (o
tesouro)…» (Francisco Valença in «Sempre
Fixe» de 18/4/1929); porém, «os
entendidos» do café comentam: «Estramos
salvos! Temos homem…» (Jorge
Barradas, in «Sempre Fixe» 30/6/1932), e
tiveram-no por longos anos.
A razão dessa permanência, para além das conjunturas e
disjunturas internacionais, deve-se não só à ditadura e seus instrumentos como
a uma elaboração arquitectónica «férrea», tipo SNI, que o foi construindo como
um Pai Natal - «O cesto é grande, mas não
veio cheio» (Valença, in «Sempre
Fixe» 22/12/1932) – que apenas oferece
esperança; como um «capitão» (de mar e guerra) ao leme da nação dos Afonsos
Henriques, Alvares Pereiras e Vascos da Gama (Emmérico Nunes in «Acção» de 1/5/1941); como um D. Pedro V, um «novo dador» constitucional (Valença, in Sempre Fixe de 9/3/1933)… camuflando-se a «sanguessuga» (Valença – Zoologia na Estatuária» in «Sempre Fixe de
12/4/1932) do pobre Zé. Um dos
arquitectos foi a «tartaruga» (Valença –
Zoologia na Estatuária» in «Sempre Fixe de 12/4/1932), também antoniana, através de uma série de
entrevistas, e outras realizações: «Malhando
em “ferro” foi – António Ferro, o entrevistador universal, no acto de passar a
“ferro” uma entrevista difícil de roer. Já roeu os cordões do pijama, rói a
caneta e as unhas. Só não ficará com os miolos roídos, porque os “ruídos” vão
ser proibidos» (Francisco Valença, in
«Sempre Fixe» de 15/12/1932).
Proibidos foram os ajuntamentos, as ideias em voz alta
ou calada («quietinho, menino! Se vem
fazer barulho, chamo o homem do saco» (Teixeira
Cabral - «Salazar ao Ano Novo», in «Sempre Fixe» de 5/1/1933), as saudades republicanas… porque como «ele o disse… importa não deixar os homens
amarrados a cadáveres» (Stuart in
«Sempre Fixe» 1/12/1932) como a
liberdade, democracia, justiça… fomentando, preferencialmente, esperanças: « Ora, se o dr. Salazar me exigia dantes dê cá
já! E agora suaviza para dê cá logo, espero que acabará por conceder não dê mais»
(Valença, in «Sempre Fixe» de 31/5/1934), que é o sonho frustrado de todos os zés.
Só que os sonhos deram para o azar, porque mais uma
vez não souberam dosear o sal q.b. no cozido político português.