Sunday, January 10, 2021

Caricaturas Crónicas: «José Viana: humorista no palco e na ilustração» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 7/2/1988

 O actor foi triunfando sobre o artista plástico, que apenas prosseguia como contrabalanço económico. Hoje, mantendo-se no teatro como mestre, voltou à pintura como deleite estético, não necessitando da ilustração humorística como sobrevivência.

 

A maioria dos «humoristas» portugueses, principalmente os de nomeada, foram-no em primeira instância por irreverência juvenil, e em segunda como sobrevivência. Uns houve que conseguiram posteriormente libertar-se do jugo humorístico e quotidiano da arte efémera dos periódicos, para fazerem a sua «obra». Outros, presos pelas rotativas do dia-a-dia, permaneceram no riso «eterno» dos sátiros e satíricos.

José Viana foi humorista gráfico na juventude e na sobrevivência, mas o quotidiano levou-o para outros campos do humorismo, transformando-se num dos maiores actores cómicos do nosso país. «No fundo sempre tive tendência para me defender das coisas através do humor. Penso que sem o humor não teria resistido na vida, portanto, é uma autodefesa.

A tradição do humor português é um bocado o sarcasmo, o que não corresponde ao meu. Não quer dizer que o humor seja amável, nunca o é, antes uma destruição, uma defesa contra as realidades más da vida. O humor nasce-me ao ver as coisas por dentro, viradas do avesso».

De nome completo José Maria Viana Dionísio, nasceu em Lisboa (6 de Dezembro de 1922), passando os primeiros anos com a avó, uma «mulher de armas» que lhe deu para brincar revistas de arte, que o industriou no gozo de se divertir, divertindo os outros. O desenho e o humor foram, pois, elementos companheiros do seu crescimento. Ainda adolescente, com 15 anos, começa a colaborar no «Pim-Pam-Pum», que era o suplemento de «O Século», dirigido pelo Augusto Santa-Rita.

A sua tarimba de educação plástica foi a dos jornais ou a dos cafés, nas tertúlias dos artistas. Foi num desses contactos que conheceu e trabalhou com o Stuart Carvalhais: «Eu era muito novo e pobre, o que me obrigava a inventar dinheiro, ganhá-lo de qualquer maneira. Um dia cheguei à Feira popular, onde o Stuart era o chefe dos Decoradores, e disse-lhe que queria trabalhar. Como ele era uma pessoa muito simpática, e creio que me conhecia vagamente de «O Século» onde também trabalhava, aceitou-me. Fiquei a trabalhar com ele, enchia as superfícies, lavava os pinceis… começou então a ver que eu tinha um certo jeito, e quando não tinha tempo nem pachorra para fazer um trabalho, mandava-me a mim. E foi assim que me aguentava no Verão a trabalhar, tendo um contacto permanente com o Stuart, que me enriqueceu os conhecimentos com a sua técnica, calor humano, mas nunca o procurei copiar».

À ilustração infantil, seguiu-se a ilustração humorística nos «Ridículos», «Século», «Cara Alegre»… - «Eu só enveredei para um certo desenho satírico, em que nunca me realizei artisticamente, por necessidades económicas, para ganhar dinheiro. Trabalhei muito para o «Cara Alegre» (muitas capas), e devo dizer que nunca publiquei lá um desenho de humor que pudesse dizer, concordo com ele. Fazia por encomenda, e até a maneira era sugerida em termos de «marketing», por prospecção do gosto do leitor».

Era a época das “Flausinas”, o modelo de mulher em que Stuart, já na sua “decadência” foi um mestre a desenhar, e que José Viana teve também que explorar: «Aquela era uma época de grandes tabus, e um deles, que foi inventado pela censura, era o tabu sexual. Portanto, todos os recalques dos possíveis compradores de revistas tornavam qualquer imagem com curvas femininas facilmente vendáveis. Por isso, se insistia no desenho do arredondamento dos seios, das ancas, dos vestidos que sugeriam.

Essas formas de desenho, Apesar de esboçarem o proibido, não eram contestação, porque não era esse o objectivo, antes o vender papel».

Foram tempos de desenho para periódicos, publicidade, cenografias, pintura e já o teatro como actor. Tempos de «meias rotas, a camisa única, o frio no Inverno, ganhar cinco escudos por dia e pagar setenta por um quarto miserável».

Entretanto o actor foi triunfando na vida, triunfando sobre o artista plástico que apenas prosseguia como contrabalanço económico. O ilustrador humorístico datado nos costumes do tempo, o pintor perdido na luta da sua linha plástica, o publicitário… foram morrendo aos poucos, já que o grande actor não dava espaço para outros Josés Vianas.

Hoje, mantendo-se no teatro como mestre, voltou à pintura como deleite estético, não necessitando da ilustração humorística como sobrevivência.

 

PS: Entretanto o artista viria a falecer a 8 de Janeiro de 2003


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