Saturday, January 30, 2021
Caricaturas Crónicas: «Francisco Valença no “Sempre Fixe”» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 13/11/1988
Francisco
Valença, a par de Pedro Bordalo Pinheiro, foi a alma do «Sempre Fixe»,
entregando-se a ele ate 1959, ano da sua morte. Valença foi a imagem do humor
português a adaptar-se às condições do tempo, na harmonização do espirito
revoltado dos humoristas com as novas leis castradoras e sufocantes.
O «Sempre Fixe» é um marco fundamental do humor em
Portugal, não só por ser uma presença especial durante várias décadas da
ditadura do Estado Novo, mas essencialmente por ser o pólo de emprego e
impressão dos trabalhos dos maiores humoristas dessa época.
Num desenho de finais dos anos 20, Amarelhe mostra-nos
os colaboradores do jornal, homenageando Francisco Valença, e aí se podem ver o
próprio Amarelhe, Almada Negreiros, Carlos Ribeiro, Lino Ferreira, Silva
Tavares, Jorge Barradas, Leal da Câmara, Stuart Carvalhais, Miguel Martins,
Barbosa Júnior, Artur Portela, Alfredo Vieira Pinto. São os humoristas da
escrita e gráficos que estão, mais ou menos, ligados à fundação deste jornal.
No universo gráfico Almada Negreiros, Jorge Barradas,
Stuart Carvalhais, Leal da Câmara… são os artistas responsáveis pela ruptura
modernista dos anos 10, aos quais em breve se juntaria a segunda geração
modernista representada pelo Teixeira Cabral, Carlos Botelho, Albuquerque, José
de Lemos…
Capitaneando estes artistas estava Francisco Valença
(Lisboa 1882/1959), um mestre da caricatura que se impunha como um dos
sucessores de Raphael Bordallo Pinheiro, e que no “Sempre Fixe”, «durante trinta e três anos – escreveram
no catálogo à exposição póstuma de 1962 – foi
o porta-voz da cidade, rindo e sofrendo com ela, comentando todos os factos
relativos à sua vida, e muitas vezes à vida da Nação e mesmo da humanidade, mas
que em Lisboa encontram sempre eco».
Foram os seus desenhos e suas primeiras páginas que
comentaram, desmascarando, ironizando, os problemas da «pesca espanhola nas nossas costas» (9/9/1926); o incremento da
censura no novo regime «depois da
tesoura-censura-o-facalhão-lei da Imprensa. Na impossibilidade de desenharmos e
escrevermos no “Diário do Governo”, teremos de transformar o “Sempre Fixe” em
jornal de modas» (8/7/1926); as consequências da ditadura - «velhice atribulada – Portugal põe a
Declaração dos Direitos do Homem no penhor» (5/5/1927); e será também ele
um dos primeiros a publicar a caricatura de Salazar, continuando a criticá-lo
enquanto pode (por exemplo: «Uma peça de
efeito – Salazar a tocar o violoncelo contribuinte – com a nova partitura, o
virtuoso das finanças consegue
arrancar muitas notas ao velho instrumento. Música que delicia o diletante… - o
tesouro» de 18/4/1929; ou «Zoologia
no a Estatuária – Salazar uma sanguessuga» de 31/5/1934…).
Francisco Valença, a par de Pedro Bordalo, foi a foi a
alma deste jornal, entregando-se a ele até 1959, ano da sua morte. Se o jornal
sobreviveu largos anos ao seu director-fundador (1942), curiosamente o mesmo
não aconteceu com Valença, já que op jornal entra logo em crise nos finais dos
anos 50, para se eclipsar em 1961. É certo que os tempos eram difíceis, que
cada vez era mais difícil fazer humor, porém creio que também não é estranho o
facto do desaparecimento do Valença, do seu timoneiro, não conseguindo a nova
direcção do jornal adaptar-se aos novos tempos. Não nos podemos esquecer que
por essa altura triunfa a «Parada da Paródia» como um novo alento humorístico,
o qual encerraria portas, não por falência ou questões de censura, mas por falha
administrativa dos Parodiantes de Lisboa.
Valença foi um espírito desperto e conciliador, foi a
imagem do humor português a adaptar-se às condições do tempo, na harmonização
do espírito revoltado dos humoristas com as novas leis castradoras e
sufocantes, conseguindo, apesar de tudo, fazer humor e dar incentivo aos
colaboradores do jornal a encontrar novas vias de resolução humorística.
Francisco Valença, para além da imprensa, seria também
ilustrador de livros e desenhador-conservador do Museu Nacional de Arqueologia
de Lisboa.
Como última questão: é curioso que Valença, sendo o
mestre de um certo tradicionalismo gráfico do humor nos anos 30/40, seria
também o padrinho da nova geração que se desenvolveu no “Sempre Fixe”, com
novos contributos no modernismo portugueses, á qual eu designo por «Geração do
Sempre Fixe».