Tuesday, January 19, 2021

Caricaturas Crónicas: «Costa Cabral na caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 24/7/1988

 Na vida há costas para tudo, umas aos alto outras ao baixo, umas folgadas outras nem tanto, umas por serem Cabr(o)ais, outros para ficarem na memória dos compêndios. A memória pode ser triste ou alegre, mas por vezes na alegria ela pode surgir bem triste.

É o caso dos Cabrais, do cabralismo oitocentista, que pela sátira alegre ficou registada como uma triste memórias. Costa Cabral, e seus comparsas, foi o primeiro «herói» da caricatura portuguesa, já que foi no seu «reinado» que o humor gráfico despontou na imprensa portuguesa.

O jornalismo em Portugal desenvolveu-se com o liberalismo, ou seja, na década de 30 do séc. XIX. Proliferaram então os periódicos, onde o insulto domina as palavras de ordem, seja dos «pregadores» da esquerda liberal ou da direita. Não eram as ideologias, mas os indivíduos que eram o centro das atenções, eram louvados ou atacados; não eram as notícias, mas a polémica subjectiva que enchia as páginas desses jornais.

Naturalmente, o discurso gráfico era igual ao da palavra, ou seja inflamado, panfletário, virulento, e, por essa razão única, os autores desses primeiros trabalhos de sátira política eram anónimos que se escondiam das vinganças por detrás de pseudónimos.

Foi através do insulto, da sátira anónima, que nos chegou o testemunho da época do cabralismo, onde «O Patriota» (e o seu Suplemento Satírico) dominou a campanha anti-cabralista, e um certo Cecília (o Lopes Pinta-Monos) assinou a maior parte desses desenhos.

Qual a imagem que nos chegou? A miséria, do povo, enquanto os governantes, se iam enchendo. O povo, os empregados públicos são esqueletos, e Costa Cabral está «cheio como hum ovo» (18/11/1847). A fórmula do domínio estava consagrada no «5º Poder» - o cacete (16/4/1848), a luva de ferro (17/6/1848). O «comunismo cabralista é o roubo» (7/9/1848), e seus ministros são uma «quadrilha de ladrões» (15/5/1849).

Costa Cabral, «o vendilhão deste país» (16/11/1949), transformou-se num «armazém de comendas por Groço e Miúdo» (7/11/1848) para quem o apoiasse, enquanto para os outros havia a justiça, uma mulher que se vende (14/2/1849). Nesta paisagem, a liberdade de expressão é uma rolha enfiada na boca dos pensadores (1/2/1850), imposta pelos «gatos pingados da liberdade d’Imprensa» (12/5/1850). O cabralismo foi uma ditadura que teve de 1842 a 1846 o seu primeiro ensaio e maior domínio de 1848 a 1851. Contra essa ditadura, como contra todas elas, só havia um inimigo – a liberdade., «a única forma de apagar a chama de Costa Cabral» (2/6/1848).

Desta forma surgiu a sátira política em Portugal, uma reacção violenta contra a opressão, contra a falta de liberdades, contra uma política que em 1858 (1/5) ainda era recordada no «Asmodeu» da seguinte forma: «Recordações Cabralistas – 1º quadro: tolerância e cacete; 2º A Rolha; 3º Guerra aos bigodes; 4º Voto Livre – soldados obrigando a votar; 5º Liberdade de Voto – a polícia a disparar contra a multidão; 6º Sampaio e o Conde de Caleche dançam a Polka».

Nesses anos 50 a sátira foi perdendo agressividade inicial, procurando-se uma crítica mais inteligente, tendo como elemento de transição, como matizador, a crítica dos costumes. A política ficou suspensa durante um pequeno período, para depois surgir como ironia.

Entretanto, enquanto a sátira foi e veio, descansaram as costas.


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