Tuesday, January 19, 2021

Caricaturas Crónicas: «Correia Dias, a síntese Caricatural» por. Osvaldo Macedo de Sousa (In Diário de Notícias de 17/7/1988)

«Correia Dias, o mais fino, equilibrado e inteligente artistas» (palavras de Virgílio Correia). foi um caso de breve e fulgurante passagem pelo humorismo português. Pertencente ao Grupo de Coimbra foi, com Christiano Cruz e Luis Philipe, um dos introdutores de uma nova visão estética, que viria a desenvolver-se em modernismo.

Natural de Penajoia, onde nasceu em 1892, fez estudos em Coimbra, e por aí ficou numa carreira de artista e dinamizador satírico. Em 1909 funda o jornal «O Gorro», um jornal dos alunos do Liceu de Coimbra, o qual reúne os jovens que designei por Grupo de Coimbra. É por essa altura que se desenvolve a linha-síntese, uma exploração estética das formas que os lança na vanguarda da arte nacional, que os coloca a par do que se realiza na Europa. As caricaturas-síntese de Correia Dias são breves traços caligráficos, que desnudam a estrutura das formas ao ser mais simples, que raia a abstratização dos elementos representados.

Virgílio Correia diz, em 1914, que ele «imprimiu nas suas obras um cunho de delicadeza que o leva para bem longe da caricatura indígena em que Bordalo e Celso floresceram». Não é só no traço que há uma ruptura, pois continuadores do traço de Celso, na linha-síntese, o Grupo de Coimbra procura desprender-se da anterior visão satírica, panfletária, e por vezes cruel, para uma nova visão irónica, numa opção de crítica social. Quase se poderia dizer que eles defendem que é na alteração das condições sociais que pode haver alteração política, e não pela alteração política que se cria as condições sociais. A história deu-lhes razão.

Sem deixarem de ser críticos, na mordacidade da ironia, eles opõem-se à sátira directa, à identificação dos culpados, já que são muitos mais do que aqueles que parecem ser. Esta viragem no humor, segundo Virgílio Correia, é uma característica de Coimbra (?), que «não gerou senão artistas equilibrados e sãos. (…) Correia Dias segue a regra geral. Tudo na sua arte é ligeiro, transparente. Até quando magoa o faz com elegância, com linha, sem descompor as figuras em contorcionamentos borrachos de indivíduos alçados sobre botas de palmilhas bocejantes».

Veiga Simões acrescenta: «Afóra o Stúdio e os magazines extrangeiros que muita vez o surprehendi a folhear, creio que  toda a sua arte resultou do seu temperamento bondoso e sensual como as pérolas saem do coração das ostras ou das penhas emana o crystal da água viva. A graça e a malícia são peculiares na sua obra em que o exagero consegue ter um sentido piedoso. E é por isso que ao mesmo tempo se amam os seus bibelots, em que a ternura tem sorrisos formosos e as caricaturas pessoaes, em que o artista prefere a cobrir de pacaro os modelos, dar ao lápis um ar de conselheiro moral, diríeis, um lápis comovido que sublinha somente para ver se corrige o que é aleijado.»

Infelizmente não é conhecida a sua obra, que se dispersa por vários géneros criativos, como se pode comprovar pelo anúncio publicado em “A Rajada” «Caricaturas e Desenhos Cartazes; Vitraes; Capas de Livros; Pastas; Ex-Librisj Piro-Grravuras; Móveis etc. Coimbra - L. da Feira, 16.» A luta pela sobrevivência fazia-o caricaturista, publicista, cartazista, ilustrador, ceramista, vitralista, designer de móveis, de tapetes, de encadernações, e até de monumentos funerários e de jardins. Toda uma obra por descobrir e catalogar a que eu conheço são as obras publicadas no «Gorro», na «Rajada» (de que foi Director Artístico / Coimbra-1912), «Século», «Ilustração Portuguesa», «Águia».

Apesar de ter sido um dos introdutores do modernismo, via caricatura, em Portugal, não apareceu em qualquer dos Salões de Humoristas e Modernistas realizados na segunda década deste século em Lisboa e Porto, não acompanhando dessa forma a evolução estética nas suas manifestações públicas. Apenas teve um gesto pessoal, em 1914, ao expor os seus trabalhos nas salas da Ilustração Portuguesa, onde foi elogiada a «obra diáfana de um decorador consumado.» Além da síntese, ele desenvolve também um decorativismo que reinará em Portugal nos anos 20/ /30.

Entretanto, em 1915, «Correia Dias vai para o Brasil expôr os seus trabalhos, tentar aplicar as suas aptidões de artista decorador». Partiu e lá ficou a conhecer o êxito que cá não tinha. Casou-se com a poetisa Cecília Meireles, para a qual fez ilustrações dos livros, trabalhou em jornais, fez ex-líbris ... No campo decorativo desenvolveu uma série de motivos de cerâmica marajoara (dos Índios da ilha de Maràjó), criando um estilo de raízes brasileiras, que explorou na cerâmica e na tapeçaria.

Em 1934 visita Portugal com a sua mulher, e a 19 de Janeiro de 1935 suicida-se no Rio de Janeiro.

PS: Em 2012 acabei por fazer a sua retrospectica, seja na sua terra natal - Lamego seguindo depois a exposição para Vila Real e Lisboa, assim como no Rio de Janeiro onde em 2011 conheci todo o espólio existente na família brasileira. No final houve a edição de dois livros, em Portugal o «Correia Dias, um pioneiro do modernismo» (edição DouroAlliance) e no Brasil «Fernando Correia Dias, um poeta do traço» (edição Batel)


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